A decisão final

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Mara chegou à sala e a mãe foi ter com ela.

- Filha, agora vais dizer-me o que é que se passa. A tua irmã já está no hospital, não preciso de mais ninguém assim.

- Bom, já que estão todos aqui, falo só uma vez. Há umas semanas, fui a uma consulta e a médica mandou-me fazer análises. Eu já as fiz e voltei lá para saber o resultado. E descobri que estou grávida - disse Mara, com pouco ânimo.

- Parabéns! Que esta notícia traga alguma felicidade, que falta tanto nos últimos tempos - disse a mãe.

- Isso significa que... Eu vou ser pai! - comentou Ricardo.

Todos deram os parabéns aos dois e, por momentos, esqueceram toda a angústia. Surgiu uma breve alegria neles. Afinal, uma gravidez é um bom motivo para sorrir.

*

Passou o Natal, veio o Ano Novo... Os meses passaram e Jéssica permanecia na mesma, sem reação a qualquer estímulo. A cada dia que passava, surgia uma nova esperança, que acabava por desaparecer.

Mara já tinha comprado quase tudo para o bebé. Melhor, para os bebés. Sim, ia ter um casal de gémeos. Sempre que olhava para uma peça de roupa, para um carrinho, para uma manta, ou para qualquer outra coisa, lembrava-se de Jéssica. Ela sempre disse que gostava de a ajudar, um dia, a comprar tudo. Ela adorava bebés e crianças. A mãe ia com ela, para auxiliar na escolha e no que era necessário, mas não era a mesma coisa... Não deveriam ser duas, mas sim três.

Sara e Lucas também foram criando um laço com a família de Jéssica, pois encontravam-se todos os dias no hospital. Eles andavam sem motivação para ir às aulas. No entanto, sabiam que Jéssica não gostaria que eles faltassem, então tentavam dar o seu melhor, dentro dos possíveis. As suas famílias entendiam a ausência deles e apoiavam-nos em tudo. Por vezes, Mara dava por si a desabafar com Sara, pois, afinal, era uma das pessoas com quem Jéssica passava mais tempo nos meses antes do acidente.

Chegou o dia 20 de maio. O dia em que fazia exatamente 6 meses que Jéssica sofreu o acidente e entrou em coma. Era final da tarde e estavam todos no hospital.

- Mara, já te tinham avisado que as tuas vindas ao hospital tinham de reduzir. Podes apanhar algum vírus e, lembra-te, não é só a tua vida que fica em risco. A dos teus filhos também - disse Sara.

- Eu sei, mas não consigo passar um dia sem vir cá... Sinto-me bem ao pé da Jéssica. Adoro agarrar na mão e encostar à minha barriga... E não sou a única - disse Mara, sorrindo, ao acariciar a barriga.

- Acredito que sim, mas pensa na vossa saúde. Estás mesmo de quanto tempo?

- De 7 meses, ou seja, um mês antes do acidente...

- Não ligues uma coisa à outra! Não é bom. Foca-te no tempo que está a passar. Sabes que o parto deve estar próximo. Quando são gémeos, normalmente, nascem antes das 40 semanas.

- Eu sei. Desde que os médicos me disseram que tinha de fazer repouso, se não, corria o risco de os perder, tive mais cuidado.

- É bom que sim - sorriu Sara.

O médico de Jéssica apareceu e pediu aos familiares mais próximos que o acompanhassem. Chegaram a uma sala, ele fechou a porta e pediu para se sentarem. Mara não entrou, devido ao seu estado, por isso, só lá estavam os pais.

- O que eu tenho para falar convosco é um assunto muito delicado.

- Pode dizer, doutor - disse o pai.

- Como vos devem ter informado no início, passados 6 meses, se a Jéssica ainda não tivesse acordado do coma, teriam de fazer uma escolha... Sei que não é nada fácil, que é das piores coisas que podem pedir, mas são estas as regras. Sabem do que estou a falar?

Teresa e Henrique olharam um para o outro e as lágrimas surgiram.

- Acho que sim - disse o pai, Henrique, baixinho.

- Nesse caso, vou tentar ser o mais breve possível. Bom, a vossa filha, como sabem, sobrevive, neste momento, devido às máquinas. Passado este tempo, terão de decidir se ela continua ligada aos aparelhos, com a esperança que sobreviva, ou se os desligamos e a luta acaba por aqui. Como ela ainda se encontra sob a custódia dos pais, terão de ser os senhores a decidir. No caso de decidirem que permanecerá entubada, ela terá de ser transferida para uma casa especializada nestas situações.

- Podemos falar a sós? - perguntou a mãe.

- Claro e podem também falar com outros familiares. Mas preciso da resposta dentro de meia hora. Podem conversar aqui, mais à vontade.

Os pais assentiram e foram até à sala de espera. Pensaram esconder de Mara, para a proteger, mas ela acabaria por saber e não os perdoaria. Foram todos falar para a tal sala. O pai de Jéssica explicou a situação e todos começaram a chorar. Apesar de já estarem a contar com isso, pensaram que nunca teriam de decidir.

- E agora? - perguntou Mara, entre lágrimas.

- Temos mesmo de decidir. E já só temos 10 minutos... - disse o pai.

- Lembram-se, ela uma vez disse... - começou Mara.

- Sim, eu lembro-me disso. Mas nunca pensámos ficar mesmo nesta situação - interrompeu a mãe.

- Era mesmo o que ela queria... E nós prometemos que o faríamos - disse o pai.

- Uma vez, ela falou-me do que queria numa situação destas e falou muito convictamente - comentou Sara.

- Só temos uma opção. Ela mesma disse que não nos perdoaria se não fizéssemos o que ela queria - disse o pai.

O médico reapareceu e todos saíram, exceto o pai e a mãe.

- Espero que já tenham uma decisão para me dar.

- Não sei se sou capaz... - disse Henrique.

- Por favor, tem mesmo de ser agora.

- Para seguir o desejo da minha filha, só posso dar uma resposta... - fez uma pausa.

- O senhor sabe que já não tem mais tempo. Peço-lhe a resposta o mais rápido possível.

- Decidimos desligar as máquinas...

Começaram a chorar de forma mais intensa.

- Nesse caso, dou-vos 20 minutos para se despedirem. Poderão entrar à vez ou todos ao mesmo tempo. Vou informar os restantes visitantes.

Dirigiram-se ao quarto ao mesmo tempo e disseram umas últimas palavras a Jéssica. Mara foi a primeira a despedir-se, para poder sair mais rápido.

- Mana, quero que saibas que nunca vou deixar de pensar em ti, nem por um dia. Não era esta a resposta que queríamos dar, mas era o que tu querias... Espero que agora sejas feliz. Mais ninguém te pode fazer mal, todo o teu sofrimento acabou. Vou ter o cuidado de te dar a conhecer aos teus afilhados. Eles sempre irão saber que a madrinha do coração foi uma guerreira, que lutou até ao último dos seus dias... Sofreste muito, mas também conseguiste superar. Agora descansa em paz e olha sempre por nós. Espera por mim lá. Até um dia, mana...

Mara deu-lhe um último beijo e saiu. Quando a enfermeira chegou a anunciar o momento final, todos entraram em choque. É agora.

- Podem ficar os pais - disse o médico, à entrada.

Os restantes ausentaram-se. O médico aproximou-se da maca, olhou para os pais em sofrimento e desligou os aparelhos, um a um. Ouviu-se um grito que ecoou por todo o hospital e, de seguida, um choro que partia o coração a qualquer um...

No Brilho do Teu Olhar (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora