A carta

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Mara agarrou na carta, mas hesitou. Tinha medo daquilo que estaria lá escrito. Pousou-a na mesa de cabeceira e foi até à casa de banho. Olhou-se ao espelho e reparou que os seus olhos estavam extremamente inchados de tanto chorar. Debruçou-se sobre o lavatório e chorou ainda mais, sozinha, no silêncio que pairava pela casa. Decidiu tomar um banho e voltou para o quarto. Sentou-se em cima da cama e agarrou novamente na carta. Abriu-a. Dentro estava um papel, que ela retirou e começou a ler.

Querida Mara,

Se estás a ler esta carta, é porque eu estou ao teu lado. Tu não me vês, mas eu sinto-te. Tu não me sentes, mas eu vejo-te. Tu não me tocas, mas sentes o meu toque. Escrevo esta carta com lágrimas nos olhos porque sei que não voltarei a estar contigo e com os nossos filhos...

Bem, isto significa que aquela maldita doença, que não quero dizer o nome, me levou para o pior sítio: aquele em que eu estou longe de ti. Eu não te contei porque não quis que sofresses por antecedência. Ainda tinha esperança de sobreviver. Mas não passou disso, uma esperança. Para além disso, ficámos sem comunicações e eu não pude voltar a falar contigo, para ouvir a tua voz uma última vez. Nós sabíamos que isto poderia acontecer, são países pobres e com poucos recursos. Mas, pensa, pelo menos parti a fazer aquilo que mais gosto: ajudar quem mais precisa. A minha missão foi cumprida. Eu não te vou dizer em que país foi, pedi que ninguém o fizesse, até porque temos o direito a pedi-lo. Não quero que fiques contra os seus habitantes. Ninguém teve culpa, é a lei da vida. Só te posso dizer que foi por um país de África, onde vivem pessoas maravilhosas e que mereciam tanto... Mas não têm nada...

Tu agora tens os nossos filhos e ninguém te tira isso. Tu sabes que tentei não vir, por causa deles, mas não foi possível e, além disso, eles precisavam mesmo de mim e seriam apenas duas semanas... Duas semanas que se tornaram numa vida inteira... Desculpa... Eu sei que agora não me tens para te ajudar, mas também sei que és a melhor mãe do mundo e ninguém melhor do que tu para os ajudar a tornarem-se boas pessoas, tal como a mãe deles. Se vai ser fácil? Não... Mas eu sei que consegues. A tua garra é mais forte que qualquer obstáculo. E também quero que saibas que o meu desejo é que arranjes um pai para os nossos filhos. Eles não podem crescer sem pai. Eu já reparei que o enfermeiro da maternidade anda interessado em ti e quero que saibas que tens todo o meu apoio para que fiquem juntos. Ele é bastante querido com os nossos bebés. Só te peço uma coisa: que nunca deixes que eu morra para eles. Peço-te que, quando eles crescerem mais um pouco, lhes expliques que têm o pai a olhar por eles, lá em cima. Peço-te que vás com eles à janela, todas as noites, e observem as estrelas. Quando virem uma a brilhar e a sorrir para vocês, serei eu a dizer-vos que está tudo bem. Mostra-lhes fotos nossas e diz-lhes o quanto fomos felizes e o quanto os queríamos. Os meus filhos... Sonhei tanto, em toda a minha, com o dia em que pegaria os meus filhos ao colo e esse dia nunca chegou... Eu iria para casa a tempo de os irmos buscar e, juntos, sermos uma família feliz, como tantas vezes falávamos... Iríamos casar no dia em que eles fizesse 3 anos, para que eles pudessem presenciar a união do nosso amor. Mas agora é tarde... Tudo passou a ser um sonho por realizar...

Eu desejo que sejas muito feliz e vivas tudo aquilo que sempre sonhámos viver. Ensina à Iara e ao Valentim os nossos valores, mostra-lhes que, quando crescerem, podem ser o que quiserem, basta serem felizes. E lembra-os sempre de que têm um pai que os ama muito e estará sempre presente, apenas não o conseguirão ver.

Mas agora tenho de ir. Está na hora de ir tomar aqueles malditos comprimidos.

Quero que saibas que te amo mais que tudo, que sempre te amei, desde o dia em que nos vimos a primeira vez. O meu amor por ti é tão forte que nem a morte será capaz de o destruir. Estarei à tua espera, na eternidade, mas não tenhas pressa. Vive e aproveita. Estaremos juntos, novamente, um dia. Sempre que sentires saudades, olha para as estrelas e pensa que eu estou ali, ao teu lado.

Até sempre, meu anjo.

Com amor,

Ricardo

Mara chorava tanto que começou a soluçar. Estava fechada no quarto e não deixou ninguém entrar. Encostou a carta ao peito e deitou-se na cama.

- Também te amo, amor. Para sempre te amarei - murmurou, ao olhar para a janela.

Um raio de sol entrava pela janela e batia numa moldura que estava em cima do móvel, com uma foto dela e de Ricardo, no dia em que começaram a namorar. Mara já não aguentava estar ali, no meio de um lugar cheio de recordações dos momentos com Ricardo, quando ainda eram dois adolescentes. Decidiu ir dar uma volta.

Jéssica foi com ela, em silêncio, no caso de a irmã não se sentir muito bem. Foram andando pela rua, até que Mara parou em frente a um parque infantil.

- Ainda me lembro do nosso primeiro beijo - começou Mara.

Jéssica olhou para ela e ouviu atentamente, sem dizer nada.

- Tínhamos ido todos à discoteca, mas eu e ele não estávamos a gostar do ambiente e decidimos sair. Fomos andando até chegar aqui. Estava vazio e acabámos por ir para os baloiços. Cada um sentado num. Começámos a falar e, do nada, calámo-nos os dois. Foi aí que ele começou a aproximar-se e me beijou. Lembro-me de sentir uma mistura de sensações e, quando parámos, ele disse que me amava e pediu-me em namoro. Foi aí que os nossos sonhos começaram. Falávamos em comprar uma casa, ter dois filhos e trazê-los todos os domingos a este parque, ao parque onde o nosso futuro começou. Agora isso está tudo destruído... - disse Mara, abraçando-se à irmã, a chorar.

- Anda, vamos para casa. Ainda é cedo para recordares esses momentos, vai-te custar mais agora porque ainda é muito recente...

As duas foram para casa e o telemóvel de Mara tocou, mas ela foi-se deitar um pouco. Jéssica atendeu e era o enfermeiro da maternidade. Ela explicou-lhe tudo o que se tinha passado e ele pediu que ela falasse com a irmã e lhe dissesse que os gémeos poderiam ir para casa no dia seguinte, apesar de não ter passado pelo processo de adaptação no hospital, sendo, por isso, aconselhado que um técnico de saúde (médico ou enfermeiro) estivesse presente nos primeiros dias. Ela iria falar com a irmã mais tarde, primeiro ia deixá-la descansar.

*

Entretanto, Vanessa já tinha sido consultada e confirmaram que estava grávida de oito semanas. A partir de agora, teria de ter em atenção todos os cuidados associados à gravidez. Estava a voltar para a república quando decidiu ligar a Rúben e marcar um encontro. Foram os dois até ao parque mais usado pelos estudantes.

- Oi, princesa - disse Rúben ao dar-lhe um beijo.

- Tenho uma coisa para te contar.

- Força.

- Eu estou grávida! - disse Vanessa.

Rúben ficou a olhar para ela.

- Tens a certeza? - acabou por perguntar.

- Sim, fui hoje à primeira consulta e disseram-me que estou de oito semanas.

- Não acredito que vou ser pai! Eu vou ser pai! Não me podias ter dado melhor notícia! - disse Rúben, abraçando-a com toda a força e dando-lhe um longo beijo nos lábios.

- Eu também fiquei contente, mas sabes que agora muita coisa vai mudar na nossa vida...

- Eu sei, mas os nossos pais podem ajudar-nos até acabarmos de estudar. É uma questão de orientarmos tudo. Temos é de pensar em arranjar uma casa para nós e os meus pais podem ajudar nisso. Estou ansioso para conhecer esse bebé! - disse Rúben, ao passar a mão na barriga da namorada.

Os dois estavam eufóricos com a notícia, realmente felizes, e foram contar aos pais, juntos, os quais ficaram com algum receio das consequências que traria para a vida dos dois jovens.

No Brilho do Teu Olhar (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora