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Uma vez o cristão ouviu dentro em sua alma o soluço de Iracema: seus olhos buscaram em torno e não a viram.

A filha de Araquém estava além, entre as verdes moitas de ubaia, sentada na relva. O pranto desfiava de seu belo semblante; e as gotas que rolavam a uma e uma caíam sobre o regaço, onde já palpitava e crescia o filho do amor. Assim caem as folhas da árvore viçosa antes que amadureça o fruto.

— O que espreme as lágrimas do coração de Iracema?

— Chora o cajueiro quando fica tronco seco e triste. Iracema perdeu sua felicidade, depois que te separaste dela.

— Não estou eu junto a ti?

— Teu corpo está aqui; mas tua alma voa à terra de teus pais, e busca a virgem branca, que te espera.

Martim doeu-se. Os grandes olhos negros que a indiana pousara nele o tinham ferido no âmago.

— O guerreiro branco é teu esposo: ele te pertence.

A formosa tabajara sorriu em sua tristeza:

— Quanto tempo há que retiraste de Iracema teu espírito? Antes teu passo te guiava para as frescas serras e os alegres tabuleiros; teu pé gostava de pisar a terra da felicidade e seguir o rastro da esposa. Agora só buscas as praias ardentes, porque o mar que lá murmura vem dos campos em que nasceste; e o morro das areias, porque do alto se avista a igara que passa.

— É a ânsia de combater o tupinambá que volve o passo do guerreiro para as bordas do mar, respondeu o cristão.

Iracema continuou:

— Teu lábio secou para a esposa, como a cana quando ardem os grandes sóis; perde o grato mel e as folhas murchas não podem mais brincar quando passa a brisa. Agora só falas ao vento da praia para que ele leve tua voz à cabana de teus pais.

— A voz do guerreiro branco chama seus irmãos para defender a cabana de Iracema e a terra de seu filho, quando o inimigo vier.

A esposa meneou a cabeça:

— Quando tu passas no tabuleiro, teus olhos fogem do fruto do jenipapo e buscam a flor do espinheiro; a fruta é saborosa, mas tem a cor dos tabajaras; a flor tem a alvura das faces da virgem branca. Se cantam as aves, teu ouvido não gosta já de escutar o canto mavioso da graúna; mas tua alma se abre para o grito do japim, porque ele tem as penas douradas como os cabelos daquela que tu amas!

— A tristeza escurece a vista de Iracema e amarga seu lábio. Mas a alegria há de voltar à alma da esposa, como volta à árvore a verde rama.

— Quando teu filho deixar o seio de Iracema, ela morrerá, como o abati depois que deu seu fruto. Então o guerreiro branco não terá mais quem o prenda na terra estrangeira.

— Tua voz queima, filha de Araquém, como o sopro que vem dos sertões do Icó, no tempo dos grandes calores. Queres tu abandonar teu esposo?

— Vêem teus olhos lá o formoso jacarandá, que vai subindo às nuvens; a seus pés ainda está a seca raiz da murta frondosa, que todos os invernos se cobria de rama e bagos vermelhos, para abraçar o tronco irmão. Se ela não morresse, o jacarandá não teria sol para crescer àquela altura. Iracema é a folha escura que faz sombra em tua alma; deve cair, para que a alegria alumie teu seio.

O cristão cingiu o talhe da formosa indiana e a estreitou ao peito. Seu lábio levou ao lábio da esposa um beijo, mas áspero e amargo.

Iracema - José de AlencarOnde histórias criam vida. Descubra agora