Yosh caminhou com os outros alunos até uma sala em um dos corredores da parte de baixo da escola. Caminharam até uma pequena porta de ferro na entrada à direita.
Dentro da sala várias cadeiras e mesas. Era uma sala de detenção.
-Ficarão aqui até as sete horas da noite. –Disse Boris. –Farão exercícios de matemática. –Sorriu.
-Até parece. –Disse Kate. –O sinal de saída é às cinco horas da tarde.
-Menos para vocês. –Boris entregou apostilas com vários exercícios de matemática e saiu. –Sem nenhum pio. –Disse batendo a porta.
Ótimo primeiro dia de aula. Pensou Yosh. Ele estava de detenção, fazendo exercícios de matemática até as sete horas da noite, e para melhorar as coisas seu pai ficaria sabendo.
Yosh se sentou em uma das cadeiras e começou a fazer os exercícios que eram enumerados até o número cem. Yosh e Jade, a garota das mechas loiras, foram os únicos que fizeram os exercícios. Dimitri se sentou e passou a ouvir músicas. Sabatha ficou sentada lendo um livro de bolso que carregava consigo. Kate e Britany ficaram conversando sobre garotos. E os três encrenqueiros ficaram sentados lá atrás armando para bater no Dimitri fora da escola.
-Amiga! –Disse Kate. –Lembra daquele sonho que eu te falei? O dos raios vermelhos.
-Sim. –Disse Britany.
-Parece ser virose. Não fomos as únicas a ter esse sonho maluco...
Yosh foi obrigado a abandonar os exercícios. Pelo que podia ouvir era o mesmo sonho que ele tinha tido.
-...a Jade teve o mesmo sonho, meu irmão...
-Eu também. –Disse o garoto loiro se metendo na conversa. –E o Henry também. –Ele apontou para o garoto moreno de cabelos compridos.
-Sinistro. –Lucky disse fingindo tremer.
O sonho não tinha sido exclusividade de Yosh. Todos tinham tido o mesmo sonho. Yosh olhou para trás. Viu que todos na sala tinham algo em comum. O anel. A única coisa que mudava era a cor das pedras. Yosh olhou para Dimitri, e ele também tinha um anel. Sabatha também.
-O que foi? –O garoto loiro gritou com Yosh. –Perdeu algo aqui?
-Deixa de ser grosso Roger. –Disse Jade abandonando os exercícios.
-Deixa de ser grosso Roger. –Roger a imitou. –Esse nerd tem que ficar me encarando? Eu não fui com a cara dele.
-É recíproco. –Yosh disse.
-Me chamou de que? –Perguntou Roger se levantando.
Yosh balançou a cabeça e se virou. Foi obrigado a rir. Roger não sabia o que era recíproco. Não era nenhuma surpresa, mas era engraçado.
-Meu Deus. –Disse Kate. –Você não cansa de apanhar? –Ela riu. –De onde quer ver sangue saindo agora? Dos olhos?
Jade, Kate e Britany gargalharam.
Sabatha e Dimitri pareciam estar em outro universo.
Nem pareciam estar respirando. Estavam imóveis.
Yosh voltou a fazer seus exercícios. Ouvindo as conversas que rolavam na sala. Descobriu que Britany queria ser cantora, que Kate e Lucky eram irmãos gêmeos, que Pheobe era uma modelo e atriz, que no próximo ano um tal de Joey Tempestade faria um show no Brasil, descobriu também que os adolescentes do bairro costumavam ir a um tal de Power Café que ficava perto da praça, e descobriu que Jade já tinha namorado Henry por dois meses.
-Os piores da minha vida. –Disse Jade. –Um erro que não voltarei a cometer.
-Se manca garota. –Disse Henry. –Fiz por pena.
-Parem vocês dois. –Disse Britany.
-Eah! –Disse Kate. –Os dois gostaram. Andavam dizendo meu amorzinho para todos os lados. Eu era obrigada a ouvir a Jade pelo telefone às cinco da manhã dizendo que estava com saudades do “amoreco” dela.
-Passado. –Disse Jade.
O sinal tocou. Yosh olhou no relógio pensando que já eram sete horas. Mas eram três horas da tarde. Estava quase acabando os exercícios. Ele podia descansar. Pegou o caderno e começou a escrever o nome do que levaria para o lago atrás do morro. Decidiu que sairia da escola, passaria em casa e iria pegar a pedra.
Em sua lista estavam:
As luvas de borracha; A caixa de madeira; A câmera digital para fotografar o lago (antes de retirar a pedra do fundo); Roupas extras; O celular (sua mãe ligaria); uma lanterna; e algo para comer (não sabia quanto tempo ficaria lá).
-O que é isso? –Dimitri perguntou pegando o caderno.
-Coisas bobas. –Disse Yosh. –Só pra passar o tempo.
-Hum! –Dimitri disse virando as páginas do caderno.
–Você que fez? –Perguntou apontando vários desenhos de pessoas e monstros por todo o caderno.
-Sim. –Disse Yosh pegando o caderno. –Passatempo.
-São demais. –Dimitri disse. –Todos os japoneses desenham bem?
Yosh sorriu.
-Minha prima não.
Yosh olhou para o anel na mão do Dimitri.
-Onde conseguiu esse anel? –Yosh perguntou tentando saber se aquilo tinha a ver com algo que suspeitava.
Era uma teoria fantasiosa, mas, ela se encaixava. Afinal, não era normal círculos e raios vermelhos apareceram no céu. Muito menos algo real parecer um sonho. Yosh achava que as pessoas que tinham o anel tinham tido o mesmo sonho. E achava que isso estava ligado a algo maior.
-Que an... –Dimitri olhou suas mãos. Na direita tinha um anel dourado com pedras pretas que pareciam conter fumaça em seu interior. –Não sei. –Dimitri tentou retirar.
Yosh colocou a mão direita na mesa. Mostrou para Dimitri o que aparecera em seu dedo. As pedras azuis do de Yosh pareciam ter água dentro.
-O que será que é isso? –Yosh perguntou.
-Não sei. –Disse Dimitri com um meio sorriso. –Mas gostei do meu. É trevoso.
-Trevoso? –Yosh perguntou. –Isso é algo cheio de treva?
-Trevoso é algo legal, maneiro. –Dimitri explicou.
Depois de muito conversar e terminar os exercícios Yosh ouviu mais um sinal. O sexto sinal desde o das três horas.
Boris entrou na sala sem dizer nada. Apenas olhava de cara feia. Recolheu os exercícios de todos. Olhou o de Yosh e Jade primeiro.
-Estão liberados. –Yosh começou a guardar suas coisas.
–Quanto aos outros, nos vemos aqui amanhã até a mesma hora. –Boris saiu da sala.
Os que não tinham feito os exercícios protestaram, exceto Sabatha e Dimitri.
-Talvez eu nem venha à aula amanhã. –Disse Britany.
-Não fez os deveres. –Debochou Jade. –Eu fiz. –Gargalhou.
-Não estou a fim de ir para casa agora. –Disse Britany. –Vamos para o Power Café?
-Sim.
-Demorou.
Sabatha e Dimitri foram para a direita. Suas casas eram para lá. Britany e seus amigos foram para a esquerda. E Yosh foi para sua casa. Alguns passos para a direita e duas curvas para a direita.
As ruas estavam escuras e vazias. Só o velho sinistro que Yosh vira no ponto de ônibus se encontrava ali. Continuava a falar coisas incompreensíveis. Yosh passou por ele depressa.
Em casa Yosh foi abraçado por sua mãe que estava preocupada e recebeu um olhar torto de seu pai. Ele não estava nada feliz com a demora de Yosh.
-Eu estava na escola... –Yosh explicou o que aconteceu. Sua mãe se prontificou a ir à escola reclamar dos alunos arruaceiros, mas seu pai decretou uma semana de castigo sem nem mesmo deixar Yosh reclamar.
-Uma semana. Casa escola, escola casa. Agora, já para o seu quarto.
Yosh subiu sem questionar. Sabia que não funcionaria. Mas... ele já tinha muitos planos para cumprir. Tinha que pegar a pedra. E, o castigo não o impediria.
-Até parece. –Disse sozinho em seu quarto. –Como se o Dr. Hugo Willendorf alguma vez tivesse parado por causa de alguma proibição.
Yosh equipou sua mochila velha e saiu pela janela.
-Não diga nada. –Disse ao ver Kato no quarto. –Se ficar quieta eu te dou... te dou...
-Seu celular. –Disse Kato.
-Sem chance. –Yosh disse.
-Tudo bem. O papai vai adorar saber onde você está. –Kato ameaçou chamar seu pai.
-Tudo bem. –Disse Yosh. –Deixo com você por dois dias.
-Uma semana. –Disse Kato.
Yosh sabia que teria que concordar. Era assim desde que ela começara a falar.
-Tudo bem. –Disse e desceu pulando na frente da garagem. Não foi uma boa ideia. Seu pé reclamou de dor assim que tocou o chão. –Droga. –Sussurrou.
Com o pé dolorido Yosh correu até o morro. Foi mais rápido para chegar até o lago dessa vez.
A lanterna pôde ser desligada quando chegou perto da lagoa. A luz roxa da pedra deixava o lugar com uma ótima iluminação. Como a de uma lâmpada economia envolta por um plástico roxo.
Antes de entrar na lagoa Yosh tirou fotos do lugar. Estava perfeito. O bambuzal iluminado pela luz roxa. A água brilhante.
Pronto. Yosh se preparou para entrar na água. Desta vez não poderia parar por causa do comportamento da água. Ali não era diferente do chuveiro. Quando esticou a mão na direção da água ela se enrolou em seu braço. Yosh colocou as luvas
-Seja o que Deus quiser. –Yosh disse e pulou na água.
Era bom ficar debaixo d’água. Era morna e se podia ver tudo ali. Peixes, girinos, plantas aquáticas e a pedra brilhante no fundo da lagoa.
Yosh foi nadando, estava mais rápido que o de costume. Sua rapidez quase fazia as luvas saírem de suas mãos. Teve que segurá-las por duas vezes.
Yosh não sabia há quanto tempo estava debaixo da água, pareciam séculos, mas ele não tinha vontade de sair. Sentia como se pudesse respirar ali embaixo d’água.
A sensação de liberdade tomou conta de Yosh. Por alguns instantes, quando percebeu que realmente estava respirando debaixo d’água, nadou com os peixes se esquecendo da pedra roxa. Não sabia se ele tinha poderes ou se a água tinha alguma mágica. Mas aproveitou bastante para nadar.
Quando se lembrou da pedra sentiu que duas horas tinham se passado.
Tenho que pegá-la. Pensou parando sobre a pedra. Era um losango roxo com seis pontos. Yosh o pegou, mas não se deu conta de que suas luvas já não estavam em suas mãos.
Tocou a pedra e se arrependeu.
Foi como tocar ácido.
Yosh deu um berro fazendo toda a água se afastar. Fechou os olhos tentando largar a pedra, mas ela não saia. Yosh abriu os olhos e viu imagens desfocadas. Parecia um alienígena com a pele muito branca, algum tipo de tigre mutante e algo preto diante deles.
As figuras se moviam. O tigre mutante e o negócio preto desapareceram. Então o alienígena estranho passou a encarar Yosh.
Salve-me. O alienígena sussurrou.
Yosh enfim conseguiu largar a pedra que brilhava com muito mais força do que antes.
Yosh caiu desmaiado no fundo da lagoa e a água voltou para o seu lugar. Yosh ficou desmaiado debaixo d’água por meia hora. Quando acordou foi para a superfície, meio
confuso. Pegou sua luva que fora parar perto de um dos bambus e foi pegar a pedra.
Agora a pedra estava dentro da caixa de madeira. Yosh vestiu a roupa seca. E desceu o morro. Deixou para trás uma lagoa normal, sem nenhum brilho.
O que a fazia brilhar estava a caminho de sua casa.
Yosh olhou para o relógio. Saíra de casa às sete e meia, o relógio já marcava dez horas da noite. Seu pai com certeza já tinha percebido que ele não estava em casa. E ele não estava nem um pouco a fim de ir para casa e ouvir o blá, blá, blá de seu pai. Yosh saiu procurando o tal Power Café.
Não foi difícil achá-lo. Um grande letreiro escrito POWER CAFÉ brilhava em neon que ia mudando de cor. As janelas de vidro deixaram Yosh ver o lugar lotado. Vários computadores estavam espalhados pelo Power Café, no centro do bar tinha um pequeno palco e logo atrás um balcão. O lugar perfeito para jovens. Música, internet e muita porcaria para lanchar.
Britany estava cantando no palco do Power Café e todos a estavam assistindo. Do lado de fora Yosh não conseguia ouvir nada. O Power Café era a prova de som, pois ficava aberto até muito tarde e seu barulho poderia incomodar as pessoas que moravam ao lado.
Yosh caminhou para a porta de vidro. Quando colocou a perna direita para dentro uma mão o agarrou pelo ombro.
Yosh tremeu.
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Anelaris - O Encontro dos Mundos
FantasiLivro I O fim do mundo como conhecemos começa quando nove crianças têm o mesmo sonho na mesma noite. Isso seria razoavelmente normal se não fossem os acontecimentos que sucedem esse estranho sonho: catástrofes e ataques. Depois de uma viagem inesper...