Capítulo 3

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Tia Beth bateu de leve e entreabriu a porta do meu quarto colocando metade do seu corpo para dentro. Eu ainda estava de pijama, a cara inchada, culpa da noite de insônia, o cabelo preso num coque frouxo e desarrumado: - O João e a Neuza (mãe dele) estão lá embaixo à sua espera! – anunciou com olhos apreensivos.

Dei um leve sorriso, pisquei os olhos e sussurrei: - Eles vieram com vocês? – perguntei referindo-me sobre o retorno da missa.

- Não – respondeu balançando a cabeça e num tom de voz baixo como o meu. - Nós viemos caminhando e eles chegaram agorinha de carro.

- . Vou trocar de roupa e já desço – afirmei enquanto me levantava. João ir até a casa da minha família me buscar era um ritual rotineiro; ir acompanhado por sua mãe é que era inédito.

Menos de dois minutos após o anúncio da visita já estava descendo a escada, com o coração acelerado e as mãos trêmulas, principalmente por estar diante de dois pares de olhos pesados em cima de mim, muito embora a mãe de João estivesse se esforçando bem para manter um sorriso no rosto. Cumprimentei os dois de modo contido e me sentei na cadeira de frente para eles e ao lado do sofá ocupado por tia Beth e minha mãe.

- Minha mãe insistiu em vir comigo depois que contei para ela as bobagens que você falou ontem. – disse João secamente com a postura orgulhosa e o semblante desdenhoso.

- Ana, conversei muito com o meu filho e ele voltou à razão. Nós viemos aqui para que ele peça desculpas por ter te ofendido ontem – afirmou Neuza calmamente.

Eu o encarei e não vi em seus olhos nada além de indiferença; então, naquele momento, uma onda de coragem passou por meu peito e decidi seguir em frente: - Neuza, eu sempre serei grata por tudo que sua família fez por mim, mas acho que João merece tanto quanto eu a possibilidade de recomeçar a sua vida de forma mais decente e em paz.

O olhar dela se nublou imediatamente à minha fala e o seu semblante calmo foi substituído por um rosto contrariado, com os músculos tensos: - Você não está sendo razoável, Ana. O João teve mil oportunidades de seguir em frente, não faltou incentivo, mulheres e torcida. – despejou com maldade fazendo meu corpo arrepiar de tanta tensão, pois eu sempre tive a impressão (errada, descobri tardiamente) de que a família de João gostava de mim e por isso aceitava nossa união maluca.

Respirei fundo, procurando não demonstrar o tremor em minha voz e perguntei a João com sinceridade: - Se não te faltou incentivo, torcida e mulher por que você não se separou de mim de vez?

Ele apertou os olhos e esboçou um quase sorriso cheio de rancor: - Você não imagina o motivo?

- Se foi amor, o seu jeito de demonstrar o que sentia foi o pior possível.

- Você vem ou vai insistir nesta bobagem? – indagou com impaciência.

- Vou nos dar a chance de recomeçarmos nossas vidas sozinhos – afirmei com os olhos cerrados e atentos aos seus movimentos.

- Vamos embora, mãe – sentenciou João levantando-se com impaciência.

Neuza se levantou e me encarou mais uma vez: - Sempre estivemos de braços abertos para acolhê-la em nossa família, mas não será mais esta nossa postura. – ainda com o olhar repleto de empáfia completou - Aguentamos muitas briguinhas entre vocês, mas esta história de deixar a cidade... O que as pessoas vão falar? Que o João está sendo traído?

Não respondi, pois se nossa felicidade fosse realmente importante para ela aquela deveria ser sua última preocupação. Mas num ponto Neuza estava certa, todos da cidade levantariam hipóteses e especulações sobre a nossa separação, só não via chances de João não sair por cima qualquer que fosse a história que pudessem inventar, pois era o poderoso da cidade, o desejado por quase todas as mulheres, invejado por quase todos os homens e paparicado por quase todos.

Meu caminhoOnde histórias criam vida. Descubra agora