Capítulo 1 - I Started Something I Couldn't Finish

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Durante toda a minha vida eu lidei com descobertas. Aos seis anos, caí da gangorra que ficava no antigo parque atrás da igreja que minha mãe frequenta, fazendo-me descobrir que eu tenho batimentos cardíacos quando pude senti-los na garganta. Aos doze, descobri que a única coisa que consegue me acalmar quando acordava de madrugada embrulhada de suor pelos pesadelos era cantarolar There is a Light That Never Goes Out baixinho debaixo das cobertas.

Aos quatorze, descobri que tinha algo diferente em mim em relação as outras garotas. Aos dezesseis, descobri que essa diferença incomoda uma quantidade muito grande de pessoas.

Por todos esses anos eu acreditei que os romances eram destinados apenas aos músicos, e que o amor era uma mera formalidade para que as pessoas possam inspirar suas criações. Mal sabia eu que ele não é tão simples quanto naquelas canções de amor, e que somos capazes de encontrá-lo nos lugares mais inesperados. 

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Tentei não tratar aquela manhã diferentemente de qualquer outra. Não sou tola o suficiente para acreditar que a minha mãe faria o mesmo, e a convicção de que ela provavelmente entraria apressada e atropelando sentenças assim que ouvisse o barulho estridente do despertador foi confirmada quando recostei sobre a moldura da cama. Ouvi o contato dos saltos-altos contra o piso de madeira.

"Minha filha graças a Deus eu não tive que arrumar um escândalo hoje para te acordar. Dormiu bem? Vai pentear esse cabelo, passar um rímel na cara... Mas rápido, você não quer e nem pode se atrasar no primeiro dia de aula." - Ela disse sem intervalo entre as sílabas. Típico da dona Nara. Louca, controladora, sistemática e a única pessoa que eu conheço que usa sapatos de salto e batom vermelho essa hora da manhã. Impecável, eu diria se não estivesse muito ocupada bocejando e não fazendo menção nenhuma de levantar e fazer algumas das coisas que ela pediu. Ou melhor, ordenou.

"Mãe, corta essa... Não são nem oito horas da manhã." - Minha voz saiu rouca e falha enquanto eu contava até três mentalmente para entrar no chuveiro, não que eu estivesse muito preocupada em estar bonita para o primeiro dia na faculdade. Meus anos de ensino médio foram marcados por atrasos significativos e desculpas esfarrapadas por chegar no meio do segundo horário e com cara de quem só não apareceu de pijama para não levar suspensão. Mas, ao contrário do que muitos pensaram, eu me formei mesmo com as ausências minimamente calculadas para não reprovar por pontualidade. E, bom, faculdade é outro esquema. Ninguém no meu pé registrando meus passos e nunca mais abrir um livro de química na vida. Sem mencionar minha escolha de estudar em outra cidade, que me custou longos dois anos de discussão na mesa de jantar com dona Nara furiosa e minha tia Marta dizendo "Querendo ou não, Nara, a culpa é sua... Ninguém mandou planejar um parto pra dezembro. Agora tem que lidar com uma filha sagitariana e essa rebeldia e ânsia por liberdade." Porra de astrologia, as pessoas veneram os astros demais. É tudo uma desculpa para culpabilizar terceiros por destinos fracassados, ao invés de fazer alguma coisa efetivamente para mudar seu curso.

Os pensamentos corriam livres enquanto eu massageava os cabelos e a água morna escorria pelo meu corpo, perdi a noção de quantos minutos se passaram enquanto eu ponderava sobre a minha escolha, sendo interrompida por batidas nada singelas na porta do banheiro. Revirei os olhos e enrolei uma toalha ao redor do busto.

"Espero que você não use aqueles pedaços de pano que você chama de blusas pra faculdade. Sério, Lisa, eu até entendia aquela rebeldia e as roupas pretas de quando você tinha 15 anos. Mas você tem que passar dessa fase, olha só, já está indo para a faculdade, tem que pensar no seu futuro. Como que você pensa que vai arrumar um emprego com essa caveira horrenda rabiscada no braço?" - Ela destilou, enquanto me seguia apressada para dentro do meu quarto, e como eu já previa, abriu minha mala para redobrar as roupas que estavam por cima. Melhor não reclamar, já prevendo o discurso que viria a seguir, mas não pude deixar de perceber sua feição contorcida enquanto corria os olhos pelas roupas que eu havia separado. 

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