Capítulo 24 - A pulga atrás da orelha

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7810 palavras

Aquele era um rio muito grande. Sua margem se estendia até muito além do que nossa visão alcançava em meio a densa névoa da alvorada. A travessia por ele seria o caminho bem mais rápido do que o contorno, que exigiria dias de caminhos sinuosos até conseguirmos chegar do outro lado, onde está a cidade capital. Uma clara melhor opção.

Mas é obvio que não poderiam facilitar as coisas para nós, nos dando acesso às balsas de linha. Claro que não; agora estamos famosos e conhecidos como os "mensageiros da morte", "Tormentos peregrinos" ou a "guerra eminente que caminha pelas florestas". O povo não tardou em comentar a nosso respeito enquanto todos os jornais do país se mostravam criativos com a invenção de títulos.

Pela nossa reputação, todos ficaram com medo. Logo, para manter a paz entre a população, não nos deixam entrar em contato com os meios de transporte público. Isso acabou gerando alguns conflitos entre nossas necessidades e a decisão da patrulha da região, mas conseguimos chegar a um consenso. Um frágil consenso.

Uma balsa menor, com condições questionáveis e um piloto peculiar, unicamente para o nosso transporte. Nos encontraríamos no amanhecer do dia seguinte.

— Pessoal, a gente não pode contornar enquanto vocês atravessam? — O Félix sugeria, encarando o lago escuro a sua frente com desconforto.

— Nem pensar. — Meu irmão determinou, aguardando pacientemente sob seu cavalo com um livro em mãos. — Além de demorar o triplo do tempo necessário, qualquer conflito que vocês se meterem irá afetar nossa imagem e provavelmente prejudicar nossa tentativa de aliança. Vão ficar grudados com a gente, onde eu posso ver o que estão aprontando.

O menor revirou os olhos carmesim, indo para o lado da irmã, que também não estava muito satisfeita com a ideia.

Lobisomens são seres intrinsecamente terrestres. Ao menos, todos os que conheci, nunca se aventuram como nadadores, onde não podem usar toda sua força e suas habilidades são prejudicadas. Então é natural que os gêmeos demonstrem esse incômodo.

— O que será que deve existir no fundo desse rio? — Rosally questionou com uma face temerosa e orelhas baixas.

— Monstros enormes e assustadores, doidos para comerem uma raposa no café da manhã. — Yukine diz comos olhos arregalados fixos na Kitsune, que lhe devolve um murro no ombro como resposta.

— Seu ridículo! — Ela choraminga, tirando uma despreocupada risada do elfo.

— Não se preocupe, essa é uma região improvável para habitarem criaturas desconhecidas por ser movimentada. Muito frequentada por pescadores. — Lauren explicava, tranquilamente sentada a beira do rio com as pernas convertidas na escamosa calda de peixe. Sua nadadeira se assemelhava a um enorme véu de coloração lilás e ciano sob a água.

Já se passaram alguns dias desde que se juntou a nós. Uma mulher muito comunicativa e serena. Falou bastante sobre suas antigas experiências, deixando evidente para mim que ela realmente possuía a idade dita por Jasper. Sua vasta gama de habilidades também não poderia vir de uma pessoa mais jovem.

Outra coisa que percebo em Lauren é que sua facilidade em atrair homens num raio de dois metros de distância não seja necessariamente intencional, já que ela é uma sereia; é compreensível. Me incomoda ver as vezes Yukine e Kira se derretendo enquanto ela simplesmente fala? Um pouco... De uma forma ou outra, ela tem agregado boas informações ao grupo. Mesmo eu tendo aquele pequeno desentendimento interno com ela, sou madura o suficiente para não deixar isso influenciar na minha forma de trata-la. Prefiro ser corroída por meus sentimentos a acabar descontando isso em outros.

O Nobre Coração de CristalOnde histórias criam vida. Descubra agora