Capítulo 7

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Saí ao meio dia da biblioteca e outra funcionaria me substituiria. Ao chegar em casa fui arrumar as minhas roupas dentro da bolsa, já que decidira ir bem cedo para a casa dos meus avós. A minha mãe não quis ir daquela vez, mas também não questionei. Foi até um bônus para mim, já que ela não ficaria enchendo o meu saco o tempo inteiro.
Decidira que naquela noite iria ver Fernanda. E nós duas sabíamos que aquela noite seria diferente. Mesmo sem tocarmos no assunto, estávamos cientes de que naquele dia santo, faríamos uma coisa que vai contra as regras das religiões. Estaríamos nós condenadas a chama do inferno? Era difícil responder, quando na verdade essa cidade já pegava fogo de tão quente. Talvez já estivéssemos pegando fogo e nem sabíamos.
Quando anoitecera, decidi ir vê-la. Coloquei a melhor roupa que trouxe, sem pensar muito em detalhes, apenas escovei os dentes, me banhei em perfume e fui ao seu encontro.
Novamente ela me esperava em frente da sua residência.
O nosso abraço foi mais caloroso e demorado. No meu estômago tinha uma nuvem de borboletas me fazendo ficar nervosa ao extremo. Seguimos o ritual de todas as outras vezes: sentamos em frente da sua casa, ela no meu lado esquerdo, iniciamos a conversa com coisas aleatórias.
– Eu tinha um ódio da cara que você fazia – ela disse rindo. Eu ri também.
– A sua também não era das melhores – rebati. – E por que a senhorita entrou em contato comigo? – lhe lancei um olhar provocativo.
– Foi mais um desafio. Vi você online e pensei: por que não levar um vácuo? – nós rimos.
– Credo! Logo eu que sou tão simpática.
– Agora é. Antes? Jamais. Quem diria que a gente estaria aqui hoje, conversando sobre isso – ela disse se aproximando para beijar-me a bochecha.
Fechei os olhos para sentir o toque da sua boca no meu rosto e desejei aquele toque em outro lugar. Então a olhei nos olhos e me aproximei. Mas quando estava quase tocando os seus lábios, ela suspirou, se afastou e passou a mão no rosto.
– O que foi? – perguntei.
Ela balançou a cabeça negativamente e se aproximou novamente. Nós duas nos aproximamos bem devagar e nossos lábios roçaram. Foi como um choque, e a minha vontade era de avançar nela. Mas, deixei que ela me mostrasse o seu tipo de beijo. E naquele momento soube que era lento, delicado e gostoso. A sua boca se abria a procura da minha e eu permitia que ela me tomasse por inteira. E foi então que dei o meu primeiro beijo lésbico. Sentia-me feliz por ter sido com ela e estava tudo tão especial.
Passei a mão na sua nuca, fazendo com que ela ficasse mais próxima. E ela me abraçou forte. Nossos seios mais uma vez se tocaram e era excitante.
Beijamo-nos por muito tempo, aproveitando cada segundo. Mas sempre tinha uma pausa para retomar o fôlego e conversar.
– Que beijo bom – ela disse. Era o meu pensamento também. Como resposta, lhe beijei novamente.
– Vamos para o meu quarto – ela fez o convite. Fiquei surpresa e ela percebeu. – Não vou fazer nada contigo, juro. Pelo menos nada que você não queira – ela riu.
– Acho melhor ficarmos aqui – mas a minha vontade era de ir para o seu quarto e permitir que ela fizesse o que quisesse.
Não aceitei por medo. Medo de que eu não soubesse agrada-la.
Ela não insistiu e ficamos ali mesmo.
Beijei-a. Beijei-a e beijei-a. Sentia-me feliz por beijar uma mulher. E ao sair dali, não pude conter a minha alegria. Mandei mensagens para os amigos mais próximos contando eletricamente que havia beijado uma mulher pela primeira vez. Não conseguia esconder nem de mim mesma a alegria que sentia. Sentia-me realizada. As divindades sabiam o quanto eu queria isso. E sentia-me mais realizada ainda por ter sido com Fernanda. Ela era especial.
Mas nem todo mundo conseguia entender e respeitar. Ao chegar à casa dos meus avós, constatei que eles já estavam dormindo. Olhei o horário no meu celular e era 23h00min, mas a vizinha ainda estava acordada e ao me ver, me chamara para fazer companhia, já que a sua mãe havia viajado. Como ela era da minha idade, nos dávamos bem e também conhecia Fernanda.
– Onde você estava? – ela me perguntou bem desconfiada.
– Fui ver Fernanda – respondi.
– Você ficou com ela? – tinha um misto de reprovação.
– Não – neguei, porque sabia que ela era tão tradicional quanto as outras pessoas. E mesmo que fossemos colegas, não queria que ela soubesse.
– Acho melhor você ser mulher de verdade e voltar para o seu macho – ela me disse na maior tranquilidade e sorrindo.
Olhei bem para a cara dela, com nojo e pena. Fiquei irritada, mas sabia que não valia a pena discutir com quem não tinha nem um pingo de inteligência. Era como se discutisse com um zumbi. Só iria me irritar ainda mais.
E na mesma noite em que havia beijado uma mulher, também havia sofrido o primeiro preconceito. A interpretação da sua fala consistia em dizer que eu, ou melhor dizendo, as mulheres precisavam exclusivamente de um pênis para serem mulheres. E ao interpretar, senti mais pena. Já que eu havia beijado uma mulher, o que eu era então, a não ser uma mulher também? Foi então que me lembrei da expressão “macho-fêmea”. E não, NÃO. Não somos macho-fêmea, somos apenas mulheres. Mulheres.
– Boa noite – levantei e me retirei do lugar.

Flor De GirassolOnde histórias criam vida. Descubra agora