Silvana, mais conhecida como Silva Cano Alto, uma das mais temidas figuras da Masmorra da Serpente, agora se dirigia ao apartamento de Matias, um velho amigo e colecionador de livros e músicas de fora (principalmente as de sua época) a quem Silva devia uma boa quantia e ele também lhe devia sua vida e muitos anos de amizade.
Não que Matias fosse uma pessoa gentil ou sociável, parou lá condenado por ter incendiado propositalmente a própria escola aos 16 anos de idade. Cento e oitenta pessoas morreram naquele dia, tentou suicídio três vezes no reformatório e de lá foi encaminhado ao fim do mundo, onde encontrou suas motivações ordinárias de explodir e cremar pessoas vivas enquanto escuta os sucessos dos anos oitenta, beber até entrar em coma alcoólico, talhar os seus horríveis bonecos de madeira, e claro, conversar com a Silva, único ser que chegou a considerar em toda curta viva.
Matias gostava de pensar que a sua terceira tentativa de suicídio dera certo e que estava no purgatório, talvez fosse Silvana o próprio diabo, ou a mulher dele. E mais uma vez estava ela, depois de seis meses desaparecida, quase dada como morta por ele, com uma cara de quem atraiu problemas.
-Sabe como é, o tempo daqui se passa de forma lenta demais-Silvana gostava de divagar antes de chegar ao ponto definitivo- desculpa eu ter me ausentado, as coisas estão difíceis para mim por agora.
-Você só sumiu por seis meses Silvana, pensei que tivesse morrido. Me assusta assim de novo e eu mesmo te mato… o que você andou fazendo?
- Você sabe… em casa, com o som do heavy metal no último volume, dias me virando apenas para pegar uma luz dá vista para fora, ou sentar-me e pensar um pouco- Silvana começa a desabafar para Matias, fugindo de seu olhar ao observar a prateleira com fileiras de discos velhos- a insônia veio e não me deixou mais, alguns meses e quase fiquei sem me alimentar.
-Nada de novo sob o sol, você está ficando velha querida, de onde eu vim isso se chama crise da meia idade…
-Deixa eu terminar de falar caramba!
-Vai, continue...
- Ótimo! ... um dia resolvi tomar um pouco de sol e vi que o problema estava no tempo, estou velha, e percebi que havia coisas das quais não estava mais disposta a suportar, claro que não deixando de alucinar pela falta de sono e comida, entendi que o foco de toda a minha irritação se concentrava no criadouro de caramujos do Senhor Babosa. Aquele criadouro vizinho do prédio.
-O que você fez com o Babosa? Matou ele?
-Não, só dei fim as minhas noites de alucinações com caramujos percorrendo o meu corpo. Obviamente que o Sr. Babosa se tomou de uma enorme cólera, aí eu acabei com o dever de lhe pagar em peso pelos seus invertebrados.
-Então você foi cobrar o açúcar do Franco?
-É, como soube assim tão rápido?
-É muito previsível para mim Silva, preguiçosa como é, faz mais a sua cara querer encarar o Franco que trabalhar pelo peso daqueles caramujos.
-Bom… Fui lá no Panic Switch, contudo fazia tempo e não lembrava muito bem, só sabia que eram dois irmãos, um mais feio que outro, o balcão estava escuro e eu meio alucinada.
-O que você fez? - Agora Matias mantinha toda a sua atenção em Silva, que apenas sentou-se em uma de suas poltronas empoeiradas para terminar de confessar.- Parti a testa daquele energúmeno do Beto na mesa do bar, na frente do Franco e companhia.
-Ótimo Silva, depois de ficar devendo ao desgraçado do Babosa você me vem espancar o Beto, braço direito do Franco- Matias se levantou, estava começando a pensar, tentar se conectar com o que acontecia a Silvana. Era verdade, melhor Franco que Babosa, contudo Franco tinha mais homens ao seu serviço, inúmeros pesos e uma mente afiada. E depois de observar o clima quente de sua janela quebrada um insight o fez dirigir uma pergunta direta a amiga:
-Te seguiram?
-Claro que sim, os irmãos, depois me lembrei que foram eles, cogitei emboscá-los, e então percebi, era o que Franco queria, bastasse que os tocasse e minha paz estaria perdida. Daí mudei minha rota para a estação abandonada-agora Silva mantinha um sorriso de canto no rosto- entreguei eles de bandeja para os canibais.
-Por isso que eu te adoro Silva, apenas uma mente afiada com a sua pra ter se ligado que o Franco tem ótimos rastreadores, ele queria que você os matasse, deixasse suas marcas neles e caça-la com esse rastro,- comenta Matias sentando-se ao lado de Silva a forçando se espremer um pouco na poltrona pequena, parou pra pensar e isso o animou, uma preocupação em sua mente se sanou naquele momento mas ainda não entendi muito bem onde você quer chegar, quer dizer, o Franco não vai te pagar, quanto ao Babosa eu nem quero pensar, embora ele não passe de um idiota.
-Ah Matias, eu tenho os meus contatos. As pessoas aqui precisam se apegar aos gostos para manter a sanidade em um lugar sem uma rota de fuga, como prostitutas, comida e bebidas, no caso do Franco, ele coleciona tesouros e sei que tem um sítio onde mantém todas as espécies de animais encontrados nesse buraco, entretanto meu caro Matias, descobri que ele tem um em sua alta estima, um cavalo de nome Rocinante e cuida dele como se fosse sua bonequinha de luxo, embora o animal seja tão orgulhoso e valente que ninguém pode domar ou montar nele, o próprio Franco ficou encadeirado tentando fazê-lo. Eu quero esse tesouro Matias, quero domar esse animal, algo que ninguém pode, eu vou humilhar o líder e todos os seus capangas de merda, vou montar no Rocinante e fazer dele meu troféu!
-E como fica o Babosa?
-Ainda na parte fácil da trama, nos venderemos o peso do animal aos Mantas Negras, a parte complicada é que vamos roubá-lo de volta.
-Querida Silvana, é um plano louco e complicado. Suponhamos que eu te ajude, o que ganharia com isso?
-Sabia que o Franco tem uma adega de vinhos contrabandeados e alguns barris da melhor cevada?-Ah é, isso me interessou muito, me fez até querer deixar de te cobrar pelos meus álbuns do Led Zeppelin.
-Espero, e pode ser que tenha mais por aí. O problema é algo que vejo agora- Silva se ilumina pela primeira vez em meses, algo a estava movimentado, como uma chave de partida para o que ela costumava ser fazia muito tempo- Meu Deus! Quanta tolice! Não era para os canibais, Bart e Curt, seriam o nosso contato direto!
-Droga! Odeio admitir que esteja certa, eram a nossa porta de entrada, seria muito fácil persuadir aqueles dois. Só que agora já era Silva, você mandou a nossa chance para o estômago dos Lambe Dedos.
-Não, não, não… eles, esperam um pouco sabe, fazem uma limpeza nos caras antes, não to afim de te explicar, só se prepara Matias, precisamos sair daqui voando.
-Droga Silva, eu odeio aquele lugar! Está cheio de caveiras, caramba, e aqueles caras são mal-encarados, eles fritam o pinto dos caras no espeto.
-Deixa de besteira mano, os Lambe Dedos são meus xarás de longa data, ‘como você mesmo diz; “vai ser moleza”.
Matias observou Silvana calçando as suas botas de cano alto, uma marca registrada dela. Ele sorriu feliz ao se lembrar de quando a viu pela primeira vez, e o motivo de segui-la e deixá-la arranhar os seus preciosos discos, havia nela uma combustão que o movimentou, o fazendo tardar as suas tentativas suicidas. Só que algo o preocupava nos últimos dias, a sensação de que ela estava cansada de tudo, o que era esperado de alguém que simplesmente nasceu naquele antro, ela viveu tempo demais sem nenhuma expectativa, travando lutas sem condições, guerras sem lados e vivendo por refeições vazias. Afinal, quem quer viver sem esperança de futuro?
Então ela vem bater em sua porta dizendo tudo aquilo e lhe propondo mais uma ação suicida e sem sentido, foi o jeito dela dizer que ainda poderia lutar.
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Panic Switch
FantasyIvo Roteaugen foi liberto de uma masmorra comum e levado para a bizarra Masmorra da Serpente, uma espécie de purgatório dos vivos administrado pelos poderosos Mantas Negras ou Os Filhos do Furor. Se vendo obrigado a confrontar a sua própria hipocri...