O Outro Lado

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“Incrível, não?” Disse o demônio, sentando-se ao lado do anjo. “Eles não fazem nenhuma ideia. Chega a ser engraçado.”

O anjo revirou os olhos.

“Você não tem guerras para causar? Incêndios a começar?” Indagou o anjo, irritado com a presença de alguém do Outro Lado.

“Ah, não. Isso eles já fazem sozinhos. E mesmo se não fizessem, não é minha área. É muito mais divertido enfraquecer sinais de internet e fechar cruzamentos.” O demônio o encarou com seus olhos flamejantes. “E você? Não tem guerras para acabar ou incêndios para extinguir?” Ele já sabia a resposta.

“Essa parte não é comigo. Eles também já resolvem sozinhos. Com um pouco de dificuldade, mas resolvem.”

O demônio deu uma risadinha.

“Somos bem parecidos, você e eu.” Ele deu um peteleco na auréola de seu companheiro angelical, que a ajustou cuidadosamente.

“Parecidos!? Você é um demônio!”

“Seu espanto é compreensível. Mas, se você parar pra pensar… nós dois só seguimos ordens.”

Houve um minuto de silêncio. Ambos observavam o rápido fluxo da cidade que se localizava a alguns metros de distância.

“E você acha o que você faz errado?” Perguntou o anjo.

“Sinceramente? Eu não sei. Essas coisas são muito complicadas. E não é como se discutir moral com um demônio seja uma boa ideia em primeiro lugar, especialmente pra vocês do outro lado.” Outro minuto de silêncio se passou. “Você deveria cair qualquer dia desses, ver como é lá embaixo.” Ele retomou, sarcasticamente. O anjo descartou a ideia imediatamente.

“Ia dizer se você se interessaria em voltar lá pra cima, mas suponho que cair seja um caminho sem volta.”

“Eu não me interessaria do mesmo jeito.” O demônio chutou uma pedra estranhamente firme e pontuda para a estrada ao seu lado, pedra essa que em breve seria a causa de um pneu furado. “Ei, quem você acha que vai ganhar?”

“Ganhar?”

“É. Quando o apocalipse começar.”

“Ainda é muito cedo pra pensar sobre isso.” Disse o anjo, com um leve tom de preocupação em sua voz.

“Talvez não.”

O brilho alaranjado do sol poente brilhou sobre as asas dos dois seres peculiares que sentavam à beira da estrada. Na distância, um par de faróis se aproximava. O demônio pigarreou, levantando-se.

“Bem, acho que tenho que ir agora. A conversa foi boa, mas tenho coisas a fazer, e acho que você também.” Ele olhou para os faróis. “Boa sorte com isso, a propósito. Até mais amigo.” Suas grandes asas com penas de corvo se estenderam, e levantou em vôo.

Então assim, o demônio continuou a causar inconveniências diárias; o anjo tentava milagrosamente fechar um buraco em um pneu. E os humanos? Bem, estavam indiferentes a tudo isso. Afinal, o que é o homem senão uma cobaia das forças divinas?

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