4.

359 30 0
                                    

Quando Davi chegou em casa, ele subiu as
escadas, entrou no seu quarto, deitou-se na
cama chorando e adormeceu em poucos
minutos.
Minha mãe por sua vez, se dirigiu a meu
quarto, pegou minha coleção de conchas, sentou-se no tapete, chorando, como se
não aceitasse o fato de minha morte.
Naquele dia, eu me apaixonei. Mas foi
diferente, a paixão não era pelo garoto que
corria na praça, nem pela garota que lia na
praça, muito menos pela professora do
secundário. Eu me apaixonei por minha
mãe. Pela forma como ela segurava as
conchas e o suor passava de suas mãos
para as mesmas e as lágrimas se
misturavam com o suor quando caiam em
suas mãos, me encantei com o jeito em que
ela se debruçou na cama e após alguns
minutos, se levantou e caminhou até meus
livros, pegou-os e folheou um por um.
Depois pegou meus poemas e começou a
lê-los, então me apaixonei pela forma que
seus olhos brilhavam, conforme em lia, me
apaixonei pelos sorrisos tristes, e pela expressão confusa que foi estampada em
sua face quando ela pegou minhas partituras musicais.
Isso é coisa de louco... -ouve em breve
silêncio
Coisa da minha louquinha. - disse ela quase
que em um sussurro. Mesmo sabendo que
ela não podia sentir, tentei abraça-la.

Uma hora depois, meu pai chegou, minha
mãe ainda estava no meu quarto, e ele foi
ao seu encontro, bateu na porta, entrou e
disse, enquanto a abraçava:
-Ana? Meu amor, você precisa descansar
um pouco.
Ela balançou a cabeça,
concordando com ele, então o respondeu com voz rouca:
-Eu vou e deitar um pouco.
-Amor, antes de ir, preciso te dizer uma coisa, quero saber se você concorda.
Sente-se aqui ao meu lado. Durante minha
volta para casa, agora pouco pela manhã,
estava pensando.... Ela o interrompeu. –
Pare de dar voltas Fabio, diga logo, vá ao
ponto. – Minha mãe odiava que dava voltas,
quando falava com ela.
-Tudo bem, desculpa. Eu estava pensado
em colocar a carta de despedida da
Amanda e jogar no rio, ela amava ir naquele
rio.
-Por mim tudo bem, não seria bom deixar a
carta por aqui- ela respondeu com tristeza.
- Então vou ir até o rio, acabar com isso
rápido. Volto a tempo de te ajudar com o
jantar está bem? – ele a abraçou, beijou-lhe
a testa e se retirou, dirigindo-se a garagem,
entrou no carro e foi em direção ao velho
rio, enquanto escutava MPB acústico no
rádio.
Quando papai chegou ao rio, me recordei
de quando pescávamos juntos aos fins de semana, lembrei dos lanches, das músicas
que tocávamos juntos ao redor da fogueira,
eu tocava e ele cantava, nas diversas vezes
que acampamos
naquele local. Eram momentos
singulares, únicos, perfeitos...
Papai demorou alguns minutos para sair do
carro, quando saiu, pegou uma garrafa de
vidro transparente, uma rolha, minha carta e
um bilhete que dizia - “não repita esse ciclo,
nunca.” Pela última vez, ele leu a carta
conforme lia, as lágrimas molhavam seu
rosto, suas pernas bambeavam e em um
certo momento, ele caiu de joelhos, na
pequena balsa que usávamos para pescar.
Quando acabou de ler, levou as mãos ao
rosto, tentando conter as lágrimas que
insistiam em cair. Em um momento de
desespero e euforia, gritou meu nome, o
mais alto possível, chorando e soluçando
enquanto colocava a maldita carta na garrafa, tampou com uma rolha e lançou o
objeto na correnteza.
Naquele momento, eu me apaixonei por
meu pai. Me encantei por sua sensibilidade,
pelo brilho tristonho presente em seus
olhos, me apaixonei pela forma sincera com
ele chorou, sem esconder as lágrimas,
conforme lia pela última vez minha
despedida. Me apaixonei pela calmaria com
ele dirigiu até e casa.
Me apaixonei pelo homem sensível,
companheiro, que me contava histórias
antes de dormir, vi ali, meu primeiro amor.
Meu papai.
Quando meu pai chegou em casa,
foi direto ao encontro de minha mãe, ajuda-
la com o jantar como prometido antes de ir
ao rio.
Enquanto os dois cozinhavam, Davi, meu
irmão, saiu de mansinho do quarto dele, e se dirigiu ao meu quarto, sentou-se por
alguns minutos em minha cama, depois se
levantou, abriu meu guarda-roupas e pegou
minhas pelúcias. ele amava aquelas
pelúcias. Naquele momento, me lembrei
que eu sempre brigava com ele quando ele
pegava meus ursos.
Naquela noite, eu e apaixonei por meu
irmão. Me apaixonei pela forma na qual ele
pegava as pelúcias, abraçava e colocava
em cima da cama, me encantei com sua
sensibilidade e inocência quando deitou-se
entre as pelúcias e sussurrou baixinho,
enquanto fechava os olhos:
-Eu te amo Amanda...
Alguns instantes depois, se levantou, pegou
as pelúcias uma por uma e as colocou no
guarda-roupas da mesma ordem que eu as colocava.
Naquele momento me lembrei de nossas
pequenas aventuras juntos, das vezes que
ele sentia medo, vinha de braços abertos a
meu encontro e pulava buscando refúgio
em meus abraços ou quando acordava em
plena madrugada, invadia meu quarto e se
deitava ao meu lado, geralmente no canto
da parede. Me lembrei dos jogos de futebol,
e das vezes que passeávamos juntos e toda
vez antes de sair dizia:
- O que acontece no passeio fica no
passeio!
E ele com sua inocência (que já não era
muita) colocava o dedo indicador em frente
aos lábios e soltava um “shii” depois pegava
na minha mão e saiamos.
Também lembrei das vezes que pegava no
pé dele e ele não deixava barato e pegava
no meu também. Todas as vezes que fomos
chatos um com o outro, foi por amor. Mesmo com sete anos de diferença ele era
meu confidente, contava tudo para ele,
afinal, já não era um menino, já tinha dez
anos, já era um rapaz. mas para mim, ele
ainda era um nenê. E para sempre ele será
meu pequeno, grande homem.
Meu irmão era tudo pra mim, e eu o amava
mais que tudo.
Davi saiu de mansinho do meu quarto e
voltou para o seu. Como se nada tivesse
acontecido
-Davi! O jantar está pronto. Se lave e venha
comer gritou mamãe!
-Já estou indo!
Então ele se lavou desceu as escadas
correndo e se sentou à mesa ao lado de
meu pai, como sempre fazia. Mas, aquela
noite foi diferente, meu lugar, (a cadeira de
frente para Davi) estava vazio como
esperado. Os olhares deles, pareciam gritar por socorro. Durante todo o jantar eles
trocaram umas doze palavras. O que me
doeu profundamente. Geralmente o jantar
era o momento ais agitado e feliz do dia,
todos eram falantes.
Conversávamos sobre tudo, principalmente
sobre como havia sido o dia.
Meus pais trabalhavam o dia inteiro. Meu
irmão, estudava pela manhã e depois ia
para o futebol, onde passava a tarde. Eu
por minha vez, estudava pela manhã e
durante a tarde ficava em casa, realizando
meus afazeres.
Então quando a noite chegava, nos
reuníamos para jantar, aproveitávamos para
conversar e permanecer unidos, após
comermos, assistíamos “tv” juntos, ou
apenas sentávamos na sala para
compartilhar histórias, Davi e eu costumávamos recitar poesias.
Mas naquela noite cada um seguiu para um
cômodo da casa. Minha mãe foi para o
quarto ler um livro. Meu pai ficou na sala
assistindo televisão. Davi subiu para seu
quarto sem dizer uma palavra se quer e foi
escrever poesias. Ele era um grande poeta!
Sem querer me gabar. Mas, foi eu que
ensinei a ele tudo que sabe sobre poesia,
desenho, literatura, música.
Sempre que podíamos eu o levava aos
sarais do bairro, onde aos poucos ele foi se
descobrindo. Eu tinha... Quer dizer eu
tenho-tenho muito orgulho dele.
Meu pai apareceu na porta, bateu e entrou.
Davi escondeu rapidamente os versos que
havia escrito. papai não era muito fã das
artes, dizia que tínhamos que ser doutores,
mestrados, letrados. Mas, sempre nos
apoiou. A ideia de ter filhos sorridentes já
era o bastante para ele.
Davi meu filho, hora de dormir- disse
enquanto se aproximava.
-Já estou indo papai.
Então deitou-se. Papai se aproximou,
beijou-lhe a testa o abraçou e disse,
enquanto bagunçava seus cabelos em um
gesto de afeto.
- Boa noite meu pequeno. Te amo
- Boa noite papai, também te amo.
Respondeu enquanto se virava para a
parede.
Meu pai passou por meu quarto, acendeu a
luz, olhou tristonho para minha cama e
sussurrou:
- Boa noite Amanda, te amo. Esteja você,
onde estiver...
Ele apagou a luz e saiu, de cabeça baixa, dando passos curtos  Eu fiquei desnorteada. Não conseguia mais
ver aquilo tudo. Então subi no telhado para
espairecer um pouco. Já era dez e meia. O
céu estava limpo, a lua estava cheia,
parecia estar mais próxima da terra. As
estrelas brilhavam mais que nunca, como
se aquela, fosse a última noite que elas
apareceriam no céu. O bairro estava
tranquilo. Eu conseguia ouvir o som dos
grilos, vagalumes, corujas e morcegos
passavam por mim e a brisa fresca e suave
fazia com que tudo fosse perfeito.
Após alguns instantes admirando a vista da
cidade do telhado de minha velha casa,
desci até o jardim, me deitei na grama
macia, que começava a se umedecer por
causa do sereno. Fechei meus olhos por
alguns instantes, respirei fundo prendendo
o ar e soltando-o aos poucos.
A noite foi tranquila, a maior parte do tempo
fiquei pensando em tudo que havia acontecido com meus pais e irmão naquele dia. E em como interferi de firma negativa
na vida deles, mesmo que nunca fosse
minha intensão.
Quando percebi já estava amanhecendo.
Nunca em todos os meus Dezessete anos,
havia visto o nascer do sol. A noite se
despedia daquela parte do mundo, o clarão
da aurora trazia novas oportunidades. Os
pássaros iam despertando, aos poucos
saiam de seus ninhos cantando as mais
belas canções trazendo alegria às primeiras
horas do dia. As plantas estavam cheias de
gotas de orvalho. As flores diziam “Bom dia”
com seus perfumes, as árvores dançavam
com a brisa fresca que passou por ali,
dizendo “Olá”.
Mais uma vez, fechei meus olhos e respirei
fundo. Buscando entender o motivo pelo
qual eu não tinha parado para ver o nascer
do sol, ou observar a noite, os pássaros as
flores, as árvores.... Mas naquele dia, eu me
apaixonei pela natureza. Mais uma vez Eu desejei viver, mas já era tarde demais para isso.

Me apaixonando pela vida Onde histórias criam vida. Descubra agora