7.

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Não conseguia acreditar em tudo aquilo.
Toda a situação que eles estavam vivendo por minha causa.
Achei que, quando o período de luto
passasse, a vida deles voltariam ao normal.
Mas me enganei.
Na manhã de quinta-feira, a rotina estava
aparentemente normal, meus pais foram
trabalhar, Davi finalmente resolveu ir para a
escola. Meus parentes que estavam na
cidade, voltaram para suas cidades. E eu,
continuei a observar.
Mas as coisas não melhoraram, conforme
os dias passaram, percebi que só piorava.
Mas Amanda, ainda está muito recente! –
você deve estar se questionando. -
Eu também pensava assim, durante
meses, fiquei a observar a rotina deles.
Minha mãe voltou a atender em sua clínica.
Mas não com o mesmo amor de antes,
naquela semana, o número de casos de
jovens que a procuraram porque tinham o
desejo do suicídio cresceu. Ela começou a se culpar, por ajudar aqueles jovens, mas
não ter conseguido me ajudar, ou identificar
meus sintomas.
Ao decorrer dos dias, ela foi se distanciando
da clínica, se tornando ausente. Até que a
fechou, meses depois.
Mas não acabou por ali.
Meu pai, dobrou sua carga horária, com a
esperança de sufocar a dor de minha perda
com o cansaço. Com isso, cada dia que
passava ele se afastava da família, quase
não aprecia em casa. E quando tinha tempo
de estar com eles, sempre levava
problemas do trabalho, sempre estava
cansado e estressado.
Aos poucos isso interferiu no
relacionamento dos três. Mae precisava do
meu pai, pois nela também doía.
Como ele quase nunca estava presente, ela
foi perdendo a vontade de fazer coisas simples, como se levantar pela manhã,
preparar o jantar, ler um livro.
Aquela situação estava matando Davi. Seu
rendimento escolar caiu, mês após mês.
Cada dia que passava, Davi estava mais
triste. Nas festas de fim de ano, não cantou,
muito menos recitou poesias como de
costume. Apenas ficou calado e sozinho. No
seu aniversário de onze anos, no dia 12 de
agosto, ele estava triste, nunca o vi tão
desanimado com um aniversário. Imaginei
que pudesse ser porque, era o primeiro
aniversário em que, não o acordei, pulando
em cima dele e cantando parabéns. O
primeiro que não o levei para tomar sorvete
depois do café da manhã, o primeiro que
não passamos juntos.
Achei que nos próximos anos, iria melhorar
e então, ele ficaria animado de novo. Mas me enganei. Ao passar dos anos, a situação só piorou.
Davi começou a repetir aquele vicioso ciclo.
Escola, casa, quarto... ele começou a se
viciar na tristeza. Até que um dia, após um
sofrer bullying no colégio, Davi chegou em
casa em lágrimas, alguns garotos o
chamaram de inútil.
Dissera-o que era tão inútil que a irmã se
matara. Por mais que aqueles meninos
estivessem errados, Davi acreditou neles.
Enquanto ele estava em seu quarto, abriu
seu estojo, pegou o apontador, retirou a
lâmina e fez seu primeiro corte.
Naquele momento gritei, chorei, tentando
avisa-lo que aquilo não era a melhor
solução, mas ele não me ouvia. Já era
tarde, eu não podia interferir no presente.
Me senti culpada por aquilo. Mais uma vez,
já era tarde demais para desejar viver.
Sinceramente, de todas as cenas que
presenciei desde o dia que acordei no quarto da morte, aquela foi a que mais
doeu. Você deve estar se perguntando: mas, e
Jean? Eulália?
Bom, Jean tentou manter a sanidade
mental, seguiu com os estudos e se formou
naquele ano, como todos nossos colegas
(não me lembro se citei, mas, o ano do meu
suicido era o ano no qual estava no terceiro
ano do ensino médio). Ele passou no
vestibular e iniciou o curso de filosofia. Era
nossa meta, ele cursar filosofia e eu, arte ou
educação física. Ainda não havia me
decidido.
Sonhávamos em dar aula juntos.
Já Eulália, continuou lecionando, mas
travou uma luta contra o suicídio entre os
alunos. Fez campanhas e promoveu
projetos interdisciplinares sobre o assunto.
Sempre a admirei muito por nunca se deixar
levar, independente das circunstâncias ela
sempre consegue enxergar em lado positivo.
Jean se formou sem dificuldades, e após 4
anos de curso começou a lecionar na
escola onde estudamos e acabou por virar
colega de trabalho de Eulália.
Os dois juntos, realizaram muitos trabalhos.
E as vezes se lembravam e rezavam por
minha alma. Por diversas vezes desejaram
me ter junto deles, o sentimento era
reciproco.
Hoje, por diversas vezes desejei voltar a
viver para lecionar ao lado deles. A cada dia
que passava me apaixonava mais por
Eulália, Jean e aquela profissão tão bela
que é ser professor.
Particularmente, sempre achei que a
salvação do mundo está nas mãos do
professorado. Mas isto é assunto para outro dia, outra história talvez, afinal terei muitos anos para contar-lhe diversas histórias.

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