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Aproximava-se meu sétimo dia de
falecimento. Como já havia falado a vocês,
minha família leva essas tradições muito a
sério. Por mais que a diversidade religiosa
seja grandiosa entre eles, todos acreditam
no sétimo dia.
Lembro-me de minha avó me explicando o
significado da celebração. Ela dizia que se
Reza uma Missa de sétimo dia para fazer
alusão ao dia que o Senhor descansou. É ainda uma oportunidade para aqueles que
ficaram, louvar a Deus pelo dom da vida
daquele que partiu. Além se ser para
aqueles que ficaram, uma oportunidade de
pensar como está a própria vida.
Mas meus primos que não era cristãos
diziam que, sete dias, era o período que a
lua demorava para completar um ciclo
completo. Ou seja, seria o período que o
espirito levaria para realizar a passagem
para o cosmos.
Para ser sincera, nunca compreendi muito
bem esses quesitos. Mas também nunca
questionei, achava bem interessante a
diversidade religiosa. Por mais que sempre
fui cristã praticante.
Como imaginei, não demorou muito para
chegar o dia da celebração. Toda a família
estava reunida. Também havia amigos e
algumas pessoas da cidade. A celebração ocorreu as 19:00 horas. A
noite estava tranquila, agradável. Com um
ar melancólico e reflexivo.
Durante a celebração ninguém disse uma
palavra se quer. A única voz que ecoou pela
igreja foi a de padre Lucas, o padre da
paroquia.
Pe. Lucas fez reflexões sobre a vida. E
quando a celebração chegava ao fim, ele se
levantou, respirou fundo e disse:
- Caríssimos irmãos, não é segredo para
nós, a dor que estamos sentindo neste
momento. Amanda, foi uma garota
exemplar, com um coração de ouro, muito
amada por sua família e amigos.
Caríssimos, neste momento, convido-os a
dizer uma palavra, apenas uma palavra que
defina quem foi Amanda para você. O silêncio invadiu a matriz. A noite continuava tranquila, lá fora, o vento cortava os muros de concreto, balançava as árvores
e uivava quebrando o silêncio que ainda se
mantivera por alguns minutos.
Em um breve flashback visualizei minha
vida religiosa. Vi minha apresentação,
batismo, primeira comunhão e crisma. Vi
todos os trabalhos que participei e realizei.
Cada festa, cada teatro... também vi o exato
momento que me afastei de tudo aquilo,
meses antes de meu suicídio. Toda aquela
lembrança foi interrompida pela voz de
minha mãe, que quebrou o silêncio da
matriz São José. Ela ecoou:
-Amor.
E depois se calou, seu olhar estava vazio e
distante.
- Amizade. disse Jean.
- Sabedoria. Ecoou Eulália.
- Carisma. Disse tio Jorge
Perseverança.
Disse meus avós.
Me surpreendi ao ouvir meu papai e Davi.
- Arte, heroísmo, amor. Disse Davi. Sua voz
estava trêmula, seu olhar triste. Lágrimas
escorreram e sus
-Carinho, simpatia, minha princesa. Falou
papai, enquanto tentava conter as lágrimas
que insistiam em cair.
Todos os que estavam presentes disseram
uma palavra, a maioria das pessoas
estavam com o olhar distante e vazio.
Aquilo me doía. Nunca havia visto eles
assim. E senti inútil. Só queria reverter a
situação e viver. Abraçar eles mais uma vez
e pedir perda por tudo, principalmente a
Davi e meus pais.
Só queria dize-los pela última vez que eu os
amo. Mas já era tarde demais para isso. Quando a celebração terminou, todos se
dirigiram para suas respectivas casas,
mergulhados em melancolia e revestidos
pelas profundezas do silêncio.
Beirava as 21:00 horas, a noite continuava
tranquila, porém um pouco mais fria.
Na praça próxima a igreja, estava
acontecendo sarais de poesia.
Comemoração de três anos do evento que
era organizado pela juventude da região,
onde era revelado grandes talentos da
poesia de mensagem.
Resolvi ficar por ali, observando os jovens
poetas.
Após alguns minutos observando-os, me
veio um flashback. Pude ver as primeiras
vezes que participei do sarau. Uma mistura
de medo e alegria. As mãos trêmulas e suadas segurando o microfone. Era uma sensação única a cada poesia recitada.
Vi também a primeira vez que levei Davi
para se apresentar. Ele estava ansioso e
tremia muito, mas, quando começou a
recitar, a sensação que tive, foi que ele
nasceu para ser artista, poeta. Ele e a arte
eram um só. Era impossível não se
emocionar. Ele recitou:
“Ei, você! Não desista de seus sonhos! Sei
que está difícil, sei que tens chorado,
escondido sua insatisfação com a escola,
com o trabalho, com a família.... Mas não
desista agora!
Você sobreviveu 100% dos seus piores dias
até aqui, chorou seus piores problemas,
gritou com seus melhores amigos, riu com
seus melhores amigos! Mas também sei
que várias vezes fostes traídos... Calma!
Não quero que relembre as coisas ruins,
elas se foram, passaram. Sabe, eu sei a cor
de seus olhos, mas nunca saberei o que
eles viram, sei o tom de sua voz, mas nunca
saberei as palavras que nunca foram ditas.... Sei teu nome, mas talvez nunca
vou saber tua história....Às vezes a vida te
vira ao avesso pra te mostrar que o avesso
é o seu melhor lado... Pra te dizer pra você
ser ousado, e deixar seu sorriso aberto, é
por ele que o amor costuma entrar... Ouça
bem, ninguém merece seu desgaste mental.
Se você cair, se levante e faça melhor seja
melhor, viva melhor! E então mostre a eles
que você é capaz! Mas ei, por favor, não
desista agora...”
Quando acabou de recitar, ele correu para
me abraçar e disse:
-Obrigado Amanda, foi incrível. Obrigado.
Seus olhos brilhavam e demorou alguns
minutos para que ele parasse de tremer. Foi
incrível.
Aquela lembrança durou poucos minutos,
mas foi o suficiente para sentir saudade,
remorso e raiva. Gritei o mais alto possível,
sons de aflição, medo, raiva, tristeza. Me senti tão inútil, tão sozinho, tão culpada. Me
apaixonei pela lembrança. As lembranças
doem, pois mesmo que as pessoas mudem,
aqueles momentos que já se foram, nunca
vão mudar.
Eu queria tanto que isso tudo fosse um
sonho, queria tanto acordar na minha cama,
abraçar meus pais e irmão. Queria tanto ver
o nascer do sol com eles, leva-los no sarau,
viver ao lado deles, como nunca havia vivido... já era tarde demais, aquilo nunca mais iria acontecer, tudo que me resta são as dores das lembranças e o silêncio agonizante.

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