Naquele fim de tarde de domingo, eu e Helen nos sentamos à beira do Lago Sem Nome perto da pedreira.
— Então – Disse eu pegando uma pedra e a arremessando na água escura. A pedra gorgolejou agradavelmente e uma série de pequenas ondas se propagaram. Uma gota miúda d'agua saltou como se verificasse o que havia acontecido, depois mergulhou de volta tornando-se novamente uma com o lago – Você acha que aí embaixo tem mesmo um vilarejo amaldiçoado?
— Isso é bobagem. – Disse ela. – Se bem que morar aqui às vezes parece mesmo uma maldição.
Lembro bem da sensação ao ouvi-la e foi um tanto decepcionante. Quer dizer, eu imaginava que o fato de termos nos conhecido pudesse fazê-la gostar de Sombreado.
— Eu até que gosto daqui – falei.
— Gosta mesmo?
— Bem, eu gostei de te conhecer, sabe?
Ela arregalou os olhos surpresa.
— Que fofo você.
— Eu só falei a verdade, só isso. – Respondi dando de ombros.
Foi então que ela tirou um cigarro de maconha dos bolsos e o acendeu. Eu a olhei como quem testemunhava um crime. Helen tragou feito alguém experiente e soprou a fumaça adocicada em meu rosto me fazendo tossir.
— Aposto que falou isso só porque não sabia que eu fumava.
— Não, eu – eu devo ter gaguejado feito um pateta – eu também sei fumar. – Menti.
— Ah, é? Você sabe que isso é um baseado, né? – Helen me passou o cigarro e eu devo tê-lo segurado feito quem pega uma coisa nojenta e, não, eu nem mesmo sabia o que era um baseado.
Eu olhei de volta pra ela e ela soergueu uma das sobrancelhas de forma desafiadora. De jeito nenhum eu iria voltar atrás, coloquei o cigarro nos lábios e cometi a besteira de respirar com ele na boca. A fumaça entrou pelas narinas, desceu pela garganta e eu tossi feito um paspalhão. Ela caiu na gargalhada e eu fiquei morto de vergonha.
— Você ficou vermelho – Ela pegou o cigarro das minhas mãos. – Mas ficou uma gracinha.
E me beijou.
Aquela foi mesmo uma tarde especial, os próximos dias também seriam.
Durante aquela semana tudo o que se falava em Sombreado era sobre o novo depósito de minérios que os técnicos haviam identificado. Meu pai seria o responsável pela retirada estratégica de uma enorme rocha impedindo o depósito de ser explorado.
Eu vou me eximir das questões técnicas aqui, o que ocorreu foi que a rocha era às margens da pedreira que contornava o lago. Meu pai e os técnicos decidiram que a melhor forma de abrir caminho seria por explosão por emulsão. Uma técnica que utiliza uma broca para perfurar a terra, um gel composto de nitrato de amônia e óleos minerais, e um detonador. Eles prepararam 70 furos ao longo e ao redor da rocha, preencheram eles com o gel e conectaram os detonadores.
O Lago Sem Nome repousava 10 metros abaixo do talude onde a explosão ocorreria.
Na manhã do evento o velho George Pessoa não apareceu no Complexo. Ele tentou avisar o meu pai dias atrás, mas quem poderia dar ouvidos às histórias de um velho bêbado?
Alguns dias depois, quando já houvessem cadáveres o bastante para formar uma milícia de mortos, meu pai se confessaria arrependido de não ter lhe dado ouvidos, mas sabia que ninguém poderia frear o progresso.
O velho Pessoa tinha lá seus temores, mas assim como o composto de nitrato de amônia e óleos minerais não é perigoso sem um detonador, o mal que adormecia nas profundezas do Lago Sem Nome também precisava de um, e este, não seria a rocha desmoronando sobre o lago, mas sim, Roy Caniço.
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Sombreado
HorrorArtur Chagas é um adolescente nos anos 70 que se muda com a família para o vilarejo de Sombreado quando seu pai é transferido pela mineradora onde trabalha. Após um terrível acidente durante a explosão de uma das minas, uma força ancestral retorna...