III Verão de 1972

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Naquele fim de tarde de domingo, eu e Helen nos sentamos à beira do Lago Sem Nome perto da pedreira.

— Então – Disse eu pegando uma pedra e a arremessando na água escura. A pedra gorgolejou agradavelmente e uma série de pequenas ondas se propagaram. Uma gota miúda d'agua saltou como se verificasse o que havia acontecido, depois mergulhou de volta tornando-se novamente uma com o lago – Você acha que aí embaixo tem mesmo um vilarejo amaldiçoado?

— Isso é bobagem. – Disse ela. – Se bem que morar aqui às vezes parece mesmo uma maldição.

Lembro bem da sensação ao ouvi-la e foi um tanto decepcionante. Quer dizer, eu imaginava que o fato de termos nos conhecido pudesse fazê-la gostar de Sombreado.

— Eu até que gosto daqui – falei.

— Gosta mesmo?

— Bem, eu gostei de te conhecer, sabe?

Ela arregalou os olhos surpresa.

— Que fofo você.

— Eu só falei a verdade, só isso. – Respondi dando de ombros.

Foi então que ela tirou um cigarro de maconha dos bolsos e o acendeu. Eu a olhei como quem testemunhava um crime. Helen tragou feito alguém experiente e soprou a fumaça adocicada em meu rosto me fazendo tossir.

— Aposto que falou isso só porque não sabia que eu fumava.

— Não, eu – eu devo ter gaguejado feito um pateta – eu também sei fumar. – Menti.

— Ah, é? Você sabe que isso é um baseado, né? – Helen me passou o cigarro e eu devo tê-lo segurado feito quem pega uma coisa nojenta e, não, eu nem mesmo sabia o que era um baseado.

Eu olhei de volta pra ela e ela soergueu uma das sobrancelhas de forma desafiadora. De jeito nenhum eu iria voltar atrás, coloquei o cigarro nos lábios e cometi a besteira de respirar com ele na boca. A fumaça entrou pelas narinas, desceu pela garganta e eu tossi feito um paspalhão. Ela caiu na gargalhada e eu fiquei morto de vergonha.

— Você ficou vermelho – Ela pegou o cigarro das minhas mãos. – Mas ficou uma gracinha.

E me beijou.

Aquela foi mesmo uma tarde especial, os próximos dias também seriam.

Durante aquela semana tudo o que se falava em Sombreado era sobre o novo depósito de minérios que os técnicos haviam identificado. Meu pai seria o responsável pela retirada estratégica de uma enorme rocha impedindo o depósito de ser explorado.

Eu vou me eximir das questões técnicas aqui, o que ocorreu foi que a rocha era às margens da pedreira que contornava o lago. Meu pai e os técnicos decidiram que a melhor forma de abrir caminho seria por explosão por emulsão. Uma técnica que utiliza uma broca para perfurar a terra, um gel composto de nitrato de amônia e óleos minerais, e um detonador. Eles prepararam 70 furos ao longo e ao redor da rocha, preencheram eles com o gel e conectaram os detonadores.

O Lago Sem Nome repousava 10 metros abaixo do talude onde a explosão ocorreria.

Na manhã do evento o velho George Pessoa não apareceu no Complexo. Ele tentou avisar o meu pai dias atrás, mas quem poderia dar ouvidos às histórias de um velho bêbado?

Alguns dias depois, quando já houvessem cadáveres o bastante para formar uma milícia de mortos, meu pai se confessaria arrependido de não ter lhe dado ouvidos, mas sabia que ninguém poderia frear o progresso.

O velho Pessoa tinha lá seus temores, mas assim como o composto de nitrato de amônia e óleos minerais não é perigoso sem um detonador, o mal que adormecia nas profundezas do Lago Sem Nome também precisava de um, e este, não seria a rocha desmoronando sobre o lago, mas sim, Roy Caniço.

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