Prólogo

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INADEQUADAMENTE EXCEPCIONAL

Por Gabriela Vidor

O tecido negro fora puxado em suas extremidades, alinhando a vestimenta quase frouxa em seu lugar. Dedos longos buscaram a escova sobre o criado mudo, arrastando-a pelos fios claros, e organizando toda a bagunça para trás.

— Todo esse teatro pra que? — Pelo espelho, as duas únicas pessoas que ocupavam a sala, conseguiam ver uma a outra sem precisar torcer o pescoço. O mais alto deles, cruzou os braços, jogando todo seu peso para uma das pernas. — Não acha tudo um pouco exagerado? Você não precisa fingir ter uns parafusos soltos.

Dentes brancos brilharam pelo espelho, um sorriso reluzente e audaz.

— O que acha que pretendo aqui pai?

O senhor de meia idade suspirou profundamente e olhou seu filho enrijecendo seu semblante. Suas sobrancelhas grossas e negras estavam juntas, sua boca crispada e sua postura ereta demais. Tudo produzindo uma excessiva tensão pelo ar.

— Eu não irei mudar de ideia. Você sabe disso, não é mesmo?

Mãos tatuadas foram enluvadas por tecido negro e o clique do botão se prendendo se reverberou pela sala.

— É isso que eu pretendo aqui Behar... Muitas nuances de negócios e objetivos...

— Do que você está falando?

O sorriso da pessoa voltada para sua imagem só se ampliou.

— Eu vim para fazer acordos e todo blah, blah, blah... Mas, como o senhor mesmo disse... Você não irá mudar de ideia, irá? — A lâmina reluziu, sendo tirada de dentro do esmoking Black-tie. — Eu me lembro de tudinho que me ensinou, e te agradeço muito por isso... Por tudo, na verdade.

Os olhos de Behar se estatelaram pela faca brilhante tão bem segura na mão da pessoa que havia criado. Do desconhecido que havia criado. Ele sabia o quão sua prole era insana, mas nunca esperaria algo como sua morte por isso. Nunca esperaria que seu fim seria pelas mãos de quem havia cuidado com tanto esmero, com tanta disciplina.

Seu oriundo descendente, diminuiu o espaço entre eles, girando a lâmina lânguida pelos dedos delgados. Sua aproximação fez o mais velho recuar.

— Eu gosto muito mais das armas brancas... E sabe o porquê disso, pai? — A questão ficou no ar sem ser respondida. O mais novo apenas vislumbrou o que tinha na mão em pura adoração. — O contato. A aproximação. O prazer. A adrenalina dos riscos da preza também ter uma chance... Tudo isso me energiza. Me faz adorar essa preliminar que estamos tendo nesse exato momento.

— V-você n-não...

— O que? — Interrompeu gargalhando. — Eu não faria isso? Tem certeza? — Seus olhos brilharam em êxtase e seus lábios se apertaram em uma linha sem deixar que o sorriso assombroso sumisse. — Você realmente me conhece? Apostaria sua vida nisso, papai?

Ele se emudeceu. As palavras em tom de chacota o fizeram temer muito mais do que já temia. O fizera temer por muito mais do que somente a própria vida.

— Você acha que é uma pessoa boa, papai? — A faca se aproximou do rosto oleoso, descendo pelo meio dos lábios que tremiam e pressionando todo o caminho até a jugular. — Você é igualzinho a mim... Eu realmente te gratifico por tudo que me fez. Afinal, você me tornou o que sou hoje.

— Por favor...

O utensilio afiado desceu com um só movimento, perfurando o abdômen profundamente. O mais novo pode sentir cada camada se romper, cada fibra ser forçada, tudo ser rasgado com violência afiada. Sangue escarlate escorregou pela luva, descendo e umedecendo o tecido limpo. Olhos frios observaram Behar piscar inerte e balbuciar se afogando em seu próprio sangue. Ainda podia sentir as vísceras sob a lâmina, ainda sendo cortada, ainda sendo revirada.

Inadequadamente Excepcional (EM REFORMA)Onde histórias criam vida. Descubra agora