capítulo 10

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Verônica S. Miller

Não sei quanto tempo já estou trancada aqui neste quarto, sem sequer, ver a luz do dia. Às vezes,
penso ser apenas algumas horas; outras, penso que já se passaram dias.
Era para eu me sentir feliz por Charles ter viajado. Mas, de alguma forma, sinto-me perdida.
Não que ele me faça alguma falta, só que quando está aqui, sei que ninguém me fará mal e ao olhar
para esse homem sujo e seboso o tempo todo, faz todos os meus sentidos se alarmarem. Ele me olha
de tal forma, que me sinto despida até a alma. Para piorar minha situação, preciso dele. Preciso dele
como jamais precisei de ninguém em toda minha vida. Ele me traz as refeições, água... Só que não me
deixa sair dessa jaula pavorosa.
Ouço a porta se abrir. Segundos depois, a luz se acende. É ele. O carcereiro seboso.
— Trouxe o seu jantar. É bom que dessa vez não faça nenhuma birra. Já estou farto desse seu
jeito arisco — ele diz e empurra a vasilha de inox até mim. Estico meu braço para fora da jaula e
pego a vasilha. No começo eu sofri para conseguir comer desse jeito, com as mãos, sem poder trazer
a vasilha para dentro da jaula. Agora já me acostumei. Ainda prefiro que seja desse jeito. Charles
certamente não confia tanto assim em seu capanga, para que ele abra e feche minha jaula, senão teria
lhe dito para deixar que eu fizesse minhas necessidades com dignidade e não como um animal, em
cima de uma folha de jornal.
Sinto-me suja. Estou suja. Preciso de um banho. Eu quero voltar para casa, para os braços de
Adrian.
Choro enquanto como o pouco de comida que ele me trouxe. De longe, encostado na parede, ele
me observa.
— Você deve ter feito algo de muito ruim para o patrão. Por que ele te deixa assim?
Eu me calo.
— O gato comeu sua língua?
Eu o fuzilo com o olhar.
— Você é bonita. Tem curvas perfeitas. É magra. Não vai me dizer o que o patrão tem contra
você? Aposto que você colocou um bom par de chifres nele.
— Vá para o inferno! — me irrito. A simples presença desse homem me tira do prumo.
— Deve ser isso. O patrão te pegou com outro, não foi? É aquele tal de Adrian que ele vive
resmungando com Paschoal? — Ele ri.
Não abro a minha boca. Não quero falar com ele.
— Tudo bem — o seboso diz. — Já que não quer conversar, vou embora — ele diz e sai. Eu
agradeço mentalmente por ele me deixar sozinha. Só de olhar para cara dele, dava vontade de
vomitar.
Assim que termino, coloco a vasilha no chão.
Volto a deitar em minha gaiola malcheirosa. Todo o ambiente fede a urina. A minha urina. Isso é
tão degradante, humilhante... O que será que Adrian faz agora? E minha mãe? Será que ela está
bem? Será que alguém procura por mim?
Fecho os olhos tentando não pensar tanto nisso. Eu sei que Adrian virá. Ele vai me encontrar.
Sinto-me mal. Olho ao redor. Tudo gira. Pareço estar em uma enorme roda-gigante. Minha visão
fica turva e meu estômago está embrulhado. A ânsia bate em minha garganta e quando dou por mim,
estou vomitando todo o jantar. Se é que posso chamar aquilo de jantar.
Sinto-me melhor ao colocar tudo para fora, mas estou imersa ao meu vômito e o cheiro terrível
preenche todo o ambiente. Não posso acreditar que farei isso, mas se é para sair daqui e conseguir
resgatar o mínimo que seja de dignidade, eu faço qualquer coisa, então, eu grito por ele:
— Ei! Eu preciso de ajuda! Por favor! — grito o mais alto que consigo. Não há resposta. — Ei!
Ajude-me! Por favor!
Em poucos minutos, a porta se abre. Ele me olha confuso enquanto eu choro.
— Eu não estou me sentindo bem. Pode chamar um médico? — pergunto num sussurro.
Ele ri.
— Acha que sou trouxa? Bem que o patrão disse que você era esperta. — Ele se aproxima da
jaula. — Você vomitou?
— Eu não estou me sentindo bem, por favor — choramingo.
— Vou ligar para patrão.
— Não! Por favor, eu só quero sair daqui, tomar um banho. Eu juro que não vou tentar fugir. Só
chame um médico, pois não me sinto bem.
O homem me olha confuso. Por alguns minutos, acreditei que ele faria o que pedi. Minha
decepção é visível. Ele é um monte de merda, igual ao Charles. Jamais faria nada para me tirar
daqui.
Ele ainda me observa. Talvez esteja ponderando a possibilidade. Coloca a mão em sua jaqueta e
retira o celular. Ele vai ligar para o Charles. Minutos depois, ouço-o praguejar e colocar o telefone
de volta no bolso de sua jaqueta surrada.
— Você deu sorte. O celular do patrão está desligado. Vai dormir aí em seu próprio vômito —
diz rude.
— Eu quero tomar um banho. Não posso dormir aqui. Sabe o que Charles faria com você se
soubesse que deixou a mulher dele dormir dessa forma? Ele não é tão complacente, você sabe. Por
muito menos, ele atirou naquela mulher que estava conosco como se a vida dela não valesse nenhum
centavo — apelo.
— O patrão não quer que saia daí. Essas foram as suas ordens.
— Só que eu não estou me sentindo bem, e se acontecer alguma coisa comigo, terá que
responder por isso — digo, irritada.
— Droga! — ele esbraveja. — Está bem. Mas se tentar qualquer coisa, não vou ser bonzinho.
O carcereiro retira de seu jeans a chave para a minha liberdade. Aproxima-se e abre a minha
jaula.
— Venha! — Ele me puxa e não faz questão nenhuma de ser gentil. — Vou pedir para que
alguém venha limpar essa bagunça. Vamos! — Ele me carrega para fora do quartinho. Caminho
amparada a ele e sinto um ódio terrível de mim mesma por estar nessa proximidade com esse animal.
Mas o tempo que passei com minhas pernas dobradas naquela jaula pequena, me deixou com dores
por todo o corpo. Estou fraca, tão fraca que sinto que mesmo que fosse possível, jamais conseguiria
fugir daqui sozinha.
Assim que saímos da cabana, a suave brisa da noite bate em meu rosto. A noite está fresca e
quase consigo esquecer-me de toda essa merda em que estou.
— Vamos! Temos que ser rápidos — ele diz e me joga no banco do passageiro da caminhonete.
No Ele pega um pedaço de corda fina no porta-luvas e amarra meus pulsos para trás. Quando ele
termina de verificar os nós, fecha a porta e dá a volta na caminhonete. Ao sentar no banco, diz:
— Vou levá-la para a casa principal. Se disser sobre isso ao patrão, vou tornar a sua vida um
inferno, está entendendo?
— Sim — concordo num sussurro.
Durante todo o percurso, o vejo observar a minha quase nudez. Seus olhos fixam em minhas
coxas e meus seios. Ele não diz nada, mas pelo volume nojento que ele tem entre as pernas, não
precisa ser vidente para saber que tipo de pensamento está tendo sobre mim.
Ao chegarmos à casa grande, o carcereiro me retira do carro com violência e me arrasta para
dentro. Não há ninguém na mansão. Presumo que esteja tarde e que os outros funcionários já foram
embora. Com medo de estar sozinha com este homem horrível, começo a me arrepender de ter tido
essa ideia ridícula.
— Acho melhor voltarmos. Quero voltar para a minha gaiola — digo assustada. Na verdade,
estou em pânico. Droga! Por que eu vivo tendo péssimas ideias?
— Não era isso que queria? — ele sussurra em meu ouvido e sinto seu hálito fedido. Ele todo
fede. Fede a suor, sujeira, álcool...
Seguimos para dentro da casa.
— E-eu acho que não é uma boa ideia — digo olhando para os corredores escuros até chegamos
em um dos quartos.
Ele segura ainda mais forte o meu braço e assim que acende a luz do quarto diz:
— Entre!
Eu faço o que ele me pede, não porque quero obedecê-lo, mas porque meu medo me impede de
ter qualquer outra reação.
Ele tranca a porta para meu total desespero.
— O que está fazendo? Abra a porta ou eu grito! — digo firme.
— Você não vai gritar. E sabe o por quê? — Ele se aproxima de mim como um predador, retira
do bolso um pequeno canivete e ostenta sua lâmina afiada bem próxima ao meu rosto. — Porque eu
quero crer que ame essa sua língua. Posso cortá-la, sabia? — Sua voz carrega um tom de crueldade.
Engulo seco. — Venha! — Ele me pega pelos braços e me puxa até o banheiro. Sento-me num
pequeno banquinho ao lado da pia enquanto ele abre o chuveiro do boxe e regula a temperatura da
água. Olho para os lados, apavorada, e cogito correr. Ele realmente teria coragem de me
machucar? Não posso arriscar. Não enquanto uma vida cresce dentro de mim. Levo minhas mãos
instintivamente ao meu ventre. Meus braços e pernas estão sujos do meu vômito. Sinto-me tão doente!
O carcereiro faz sinal para que eu me aproxime dele. Relutante, caminho devagar até que paro
de frente para o boxe. Ele me puxa pelos braços e me joga debaixo do jato de água.
— Você tem cinco minutos — diz em tom de alerta. — Vou esperar você no quarto — ele
conclui e quase caio de joelhos para rezar ao ver que sai pela porta e a fecha. Eu realmente não sei
se conseguiria tomar meu banho com ele me observando como um animal no cio.
Eu sorrio. Nunca foi tão bom tomar um banho e lavar-me de tanta sujeira. Lavo meu cabelo, meu
corpo e minha calcinha. Terei que colocá-la outra vez e molhada, o que me deixa irritada.
Após alguns minutos, o homem bate na porta, e pelo tom da batida, deve estar exasperado.
— Não demore! — ele grita.
Tento ir mais rápido que posso.
Assim que termino, pego a toalha no suporte, me seco e coloco minha calcinha. Para fugir dos
olhares cobiçosos dele, cubro-me com a toalha e saio.
Ele está de pé, caminhando de um lado para o outro. Quando me vê, caminha a passos largos até
mim e me puxa pelo pulso. Sem qualquer delicadeza, me joga sobre a cama e suspende meus braços
até que eles tocam a cabeceira de ferro. Então, ele me amarra. O pânico me deixa mortificada. Ele
parece ler meus pensamentos.
— Eu quero voltar para a cabana. Me leve agora mesmo! — ordeno. Ele abre seu sorriso escroto
mostrando seus dentes amarelados e retira minha toalha. O ar frio deixa minha pele eriçada e o bico
dos meus seios rijos. O desespero me assola quando o vejo lamber os lábios e encarar minha nudez.
— Se gritar, eu juro que vai se arrepender — sussurra.
— Não pode me tocar! Se tocar em mim, Charles ficará sabendo — digo tentando amedrontá-lo,
só que não surte efeito.
Ele se aproxima de mim, na cama e leva as mãos até seu jeans e o desabotoa. Nem morta eu
deixarei que ele faça qualquer coisa em mim. Eu começo a entrar em pânico ao ver sua calça
deslizar por suas pernas e ele jogá-la longe. Pode parecer estranho, mas eu daria tudo para que
Charles estivesse aqui, agora. Por que ele teve que me deixar sozinha com esse nojento? Sinto meus
olhos arderem e as lágrimas escorrerem.
— Por favor! — me pego implorando assim que ele toca meus seios e os aperta.
— Não vai demorar — ele diz rudemente e então, deita sobre mim. Ao sentir seu pau roçar em
minha coxa, sinto uma repulsa enorme. Meu desespero aumenta e não posso me controlar, então, eu
grito:
— Socorrooooo! Por favor, alguém me ajudeeeee! Socorrooooo!
— Cala a boca, vadia! — ele grita e me dá um tapa no rosto. Eu apenas choro. Ele segura minha
mandíbula com firmeza e cola sua boca nojenta na minha. Instintivamente, eu lhe dou uma joelhada.
— Ai! Sua puta! — Ele trava minhas pernas com as mãos enquanto tento em vão, chutá-lo.
— Não me toque, seu nojento! Eu vou contar para o Charles e ele vai matar você! — esbravejo.
— Achou mesmo que podia se livrar de mim? Conheço o tipo de mulher que o patrão gosta.
Você deve ser uma das vadias dele. — Ele ri. — Você não dirá nada, e sabe por quê? Porque sabe
que posso tornar isso muito doloroso pra você, sua safada.
— Me largue! Seu nojento! — grito em pânico. Ele puxa minha calcinha para baixo e me toca.
— Nãoooo! Não, por favor! Nãooo. Por favor, me solte! — imploro aos prantos.
Ele segue me tocando e separa minhas pernas. Eu tento fechá-las para que ele não me toque, mas
ele é mais forte do que eu e, para piorar, sinto-me fraca. Não posso sucumbir a isso. Ele leva a mão
até sua cueca e retira seu pau para fora. Eu choro ainda mais. Não vou conseguir impedir o que está
por vir e isso me desespera, me dilacera por dentro. Eu penso em Adrian, no meu filho... e fecho os
olhos. Ele aperta meus seios, coloca seu corpo imundo sobre o meu e sinto sua língua percorrer meus
mamilos.
— É assim que você gosta, não é? — ele pergunta ajustando seu pau entre minhas pernas. Sinto nojo, raiva, ódio, desespero... E quando fecho os olhos, esperando que ele me penetre, o telefone
toca. Assustado, ele se levanta e meu alívio é imediato. Quando ele se afasta para atender a ligação,
percebo o quanto estou trêmula.
Ele olha no visor e pela cara de espanto, sei muito bem quem deve ser. Então, eu começo a
gritar:
— Charleeessssss!
Ele corre em minha direção e coloca a mão sobre minha boca para me calar.
— Cale a boca, vadia! — ele diz entredentes enquanto o telefone continua a tocar. — Abra essa
maldita boca e não conseguirá andar por dias, está entendendo?
Eu me calo.
Ele retira o canivete do bolso do seu jeans jogado no chão e aponta para o meu rosto.
— Não faça nenhum som, ou vou retalhá-la. Entendeu?
Ele atende.
— Alô! Não senhor... Sim... Claro... E-ela está na cabana, senhor... Como? Mas eu pensei que...
Tudo bem — ele diz parecendo decepcionado e desliga.
Com rapidez, ele se veste e me desamarra.
— Hoje é seu dia de sorte, vadia! — diz com estupidez e me puxa para fora da cama. —
Coloque sua calcinha e vamos!
Enxugo minhas lágrimas e coloco minha calcinha.
O carcereiro me pega pelos cabelos com força bruta e sai me arrastando para fora. Ao
chegarmos em frente à casa, ele me joga na caminhonete e sai dirigindo feito um louco.
Para ele estar tão preocupado, só pode ter acontecido alguma coisa, e posso apostar que Charles
está de volta.

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