capítulo 27

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Adrian Miller

Ainda não consigo acreditar que tenho Verônica sã e salva ao meu lado. A primeira coisa que
notei, era que estava exatamente como a conheci, morena. Não que a cor do cabelo dela me
importasse mais do que qualquer coisa naquele momento, mas achei isso bem curioso. Quando recebi
a notícia de que ela havia sido encontrada, no quarto de hotel barato que conseguimos encontrar no
Mato Grosso, não pensei em mais nada, corri como um desesperado até o endereço que haviam me
dado. Já estava a ponto de desistir de tudo quando os policiais disseram que, na noite anterior, não
encontraram nada na propriedade de Charles. E ainda, para minha total surpresa, os policiais
disseram que ela havia conseguido fugir.
Sonhava que esse dia chegaria, mas sempre achei que seria mais rápido. Quanto mais tempo ela
passava desaparecida, mais eu me angustiava. E claro, como todo sonho, o terror de pensar que
Verônica poderia estar morta rondava meus pensamentos.
Eu havia despejado uma torrente de perguntas ao delegado Ricardo, que, pela primeira vez,
tratou-me com o maior respeito, e não como se eu fosse um obcecado maluco. Ele viu que minhas
especulações tinham fundamento, e senti até um leve tom de desculpas em sua voz.
Nada importava, Verônica estava viva. Naquele momento, abracei Jonas, rindo como uma
criança que ganha o brinquedo há tanto tempo desejado. Não cansava de repetir: “Minha mulher está
viva! Minha mulher está viva!”. Eles compartilharam da minha emoção.
Quando fui informado de que ela havia sido encontrada, também temi pelo meu filho. O
delegado disse que ela foi encontrada muito machucada, mas ele ainda não tinha notícias do bebê.
Pensei: E se eu tivesse perdido mais um filho, mas, dessa vez, o fruto do meu verdadeiro amor?
Afastei o pensamento e tentei focar na volta para minha mulher.
Dirigimo-nos imediatamente ao local onde ela estava. Eu queria abraçá-la até esmagar todos os
seus ossos, de tanta felicidade. Mas ela parecia frágil ainda. Meu ódio por Charles Hertman só
aumentou. Minha emoção ao chegar perto dela, vê-la dormindo sobre aquela cama pequena, era
enorme. O sorriso não cabia em meu rosto de tanta felicidade. Mesmo com alguns ferimentos
causados por sua fuga e um leve hematoma em seu rosto, fiquei feliz com o desfecho. Minha Verônica
havia voltado para mim.
Apesar de tudo, estava frustrado por saber que o filho da puta ainda estava por aí, solto, impune
por seus crimes que, tenho certeza, só aumentariam conforme a polícia fosse destrinchando as
evidências.
Depois de um pouco de burocracia, exames com médicos e a felicidade em dose dupla em saber
que meu filho estava bem, rumamos de volta a São Paulo.
Sei que, em momentos como esse, as coisas nunca serão as mesmas de novo, mas tenho
esperança de que, assim que Charles Hertman for preso, conseguiremos retomar o rumo de nossas
vidas. Enquanto isso não acontecer, sinto que ele será um fantasma a nos assombrar. Mas eu
precisava tentar.
Não canso de falar para Verônica que a amo. Saber que ela acreditou que a mãe estava morta
doeu muito no meu peito. Quero fazer dela a mulher mais feliz do mundo, porque me sinto um pouco
culpado pelo que ela passou.
Eu sei que ela está fragilizada, mas tento conversar, enquanto rumamos do aeroporto para nosso
lar. Estou ansioso por presidir o encontro de Verônica e sua mãe, sã. Ainda não contei para ela os
detalhes de sua doença, mas podemos deixar uma coisa de cada vez.
— Meu amor, você está bem? Estamos quase chegando — digo deixando os pensamos de lado
por um tempo.
— Estou cansada demais, Adrian. Você não faz ideia pelo que passei. — Ela suspira. — Sabe,
por alguns momentos eu acreditei que você não se importasse.
Aquilo me atinge como um soco no estômago. Como ela pôde pensar isso? Será que isso era
culpa daquele desgraçado também? Na certa, ele havia enchido sua cabeça com mentiras, que eu
teria que desmistificar uma a uma. Mas não pude conter a raiva: dele, por tê-la feito acreditar que eu não a amava; e dela, por ter caído na conversinha dele.
— Como você pode ter sequer cogitado isso? Será que todo o amor que eu demonstro por você
até hoje não foi suficiente? Eu movi mundos e fundos para te achar, não poupei esforços, e você
ainda me fala uma coisa dessa? — Sou injusto no meu comentário, eu sei, mas não consigo controlar.
Ela não parece estranhar meu comportamento.
— Olha, sei que não deveria ter desconfiado de você, mas você não sabe de nada,
absolutamente nada. Eu vivi o inferno físico e emocional nas mãos daquele homem. Então, por favor,
não me julgue. — E o silêncio se estabelece entre nós até chegarmos em casa. Era estranho tê-la ali,
ao meu lado, porém, tão distante.
***
Assim que piso na sala, Verônica diz que vai encontrar sua mãe. Ela não pede por minha
companhia. Eu não me importo porque sei que elas precisam desse tempo juntas. Oriento-a em
relação aos nomes dos enfermeiros e digo onde ela está.
— Se precisar de alguma coisa, é só me chamar — digo e dou-lhe um beijo carinhoso.
Na sala, Jonas me espera sentado e noto que está entediado. Fico me perguntando como ele
conseguiu chegar aqui tão rápido e, além disso, ele mal me cumprimenta.
— Adrian, tenho notícias não tão boas. Você está sendo chamado para prestar depoimento
novamente sobre o acidente do avião. Eles enviaram a intimação há uns dias, mas só hoje parei para
checar as correspondências. O depoimento é amanhã pela manhã.
— Meu Deus, Jonas. Ainda mais essa? Será que nunca terei paz?
— Calma, meu amigo. Não tema. Vá lá e faça o seu melhor.
Tentei me acalmar, mas nada tirava o peso das acusações que me seriam impostas.
***
No dia seguinte, saio cedo para não me atrasar. Verônica queria me acompanhar, mas não acho
bom que ela passe por mais esse estresse. Ela se mostra compreensiva, embora chateada. Nossa
noite não foi como eu esperava. Eu pensei que ela estaria mais feliz e receptiva após ter visto a
melhora de sua mãe, por ter voltado para casa e ter recebido o carinho da Terry e Maria, que
choraram ao vê-la.
Para amenizar, digo que o tempo dela será melhor gasto com a mãe do que com um depoimento
maçante. Ela, então, concorda.
Jonas está ao meu lado. Ele irá me orientar em tudo no trajeto.
Após um longo percurso, chegamos.
Conheço a velha sala de interrogatório, e não posso pensar na ironia que seria ver Charles em
uma delas, como um ratinho acuado. Um sorriso com a cena que me veio à mente me dá forças para ir
em frente.
Somos recebidos pelo mesmo policial da outra vez. Aguardamos na sala minutos que pareceram
eternos, quando o delegado do caso entra. Noto que não é a mesma pessoa que nos interrogou da vez
passada. Isso me soa estranho, mas tudo bem.
— Bom dia, Sr. Adrian Miller. Sou o delegado Souza e estou oficialmente conduzindo as
investigações. — Ele não está sendo irônico, tampouco grosseiro. Isso é um bom sinal.
— Bom dia, Sr. Souza.
— Hoje, faremos o último dia de interrogatórios antes do julgamento de Mikhail Ivanov, o
Michel, como conhece.
— Julgamento? Então, ele foi condenado? — Jonas parece tão descrente quanto eu. Afastamo-
nos por alguns dias e tudo ganha uma reviravolta inacreditável. Quero mais detalhes, não controlo a
ansiedade.
— Delegado, estive fora por uns dias, acho que o Sr. acompanhou o problema com minha esposa
desaparecida agora que tudo foi exposto na mídia. Portanto, não estou a par do que está acontecendo,
já que também não tive contato com quase ninguém nesse período.
Ele começou a falar pacientemente:
— Sr. Miller, o piloto Mikhail Ivanov finalmente sucumbiu ao nosso interrogatório e confessou
que foi pago para sabotar o avião em que sua esposa Sara viajava.
— Filho da puta! — Ele não se abala com minha falta de educação.
— Mas isso não é o pior. Ele confessou que era amante de sua mãe, Nora, e que sua funcionária
Alana sabia de tudo e participou ativamente dessa sabotagem.
Meu mundo caiu. Também sabia do caso extraconjugal dela com o piloto, exposto por Amélia e
Albert há alguns dias, mas ouvir isso da boca de um delegado, em um interrogatório que, agora, eu
não sabia para que serviria, me deixou chocado e triste.
Jonas, então, pergunta:
— Delegado, se tudo está esclarecido, porque meu cliente foi chamado?
— Ele precisa dar o último depoimento para fins jurídicos, até para sabermos que ele realmente
não sabia de nada. Preciso que ele me conte detalhes, inclusive, que possam servir como agravante
para a pena dos três envolvidos.
Sem pestanejar, exclamo:
— Farei o possível para colocar esses safados na cadeia, mesmo um deles sendo minha mãe!
Nas duas horas seguintes, contei tudo o que sabia sobre a vida da minha mãe, sobre Alana, as
impressões que eu tinha das duas e de Mikhail. Enfim, falei com o coração tudo o que pude para
ajudá-los a ficar muito tempo apodrecendo na cadeia.
Na saída, de novo encontrei minha mãe, agora detida e sozinha. Ao passar por ela, digo, com
nojo:
— Espero que a senhora e sua safadeza apodreçam na prisão. Não pense que ter criado um filho
de outra mãe a torna uma pessoa boa. Você é tão má quanto qualquer assassino. Ou até pior, já que
matou o próprio neto. Eu tenho nojo de você. Nojo!
E saí, sem olhar para trás. Mas o dia estava ficando cada vez mais interessante: meu pai está
parado na porta da delegacia. Ele me cumprimenta, tímido.
— Adrian, meu filho! Não acredito nisso tudo! — Ele finalmente me abraça. Fica envergonhado,
diante de toda a tragédia que se abateu sobre ele e nossa família. Se eu estava sofrendo, ele
certamente sofreria mais.
— Pai! Quem iria imaginar? — Dou um suspiro triste. Meu pai é um bom homem e não merece
estar passando por isso.
— Seguirei minha vida, filho. Como tenho feito. Eu sempre soube que sua mãe não era flor que
se cheire, mas o que não fazemos por amor, né? Só que nunca imaginei que ela chegaria a tanto.
Achei que sua maldade se limitava a fofocar sobre a vida alheia e bolar pequenos planos para
estragar chás da tarde e festinhas da alta sociedade. Eu deveria ter desconfiado do porquê de tanto
ódio que ela sentia de Sara e até mesmo de Verônica. No fim, acho que sua mãe fez tudo isso por
Alana. Ela sempre quis que vocês se casassem.
— Só que ela se esquece de que não tem o controle da vida de ninguém. O senhor depôs
também? — Ele assente.
— Depois do meu depoimento, ouvi os policiais dizendo que você estava aguardando, então te
esperei. Precisava lhe dizer que estou do seu lado. Odeio sua mãe por ter lhe feito tanto mal. A você
e a Sara. Aquela falsa da Alana, tive que me controlar para não esganá-la. Que mulher horrorosa! E
como anos e anos de amor podem, rapidamente, ruir, quando uma das partes mostra que ter ódio no
coração é mais importante do que fazer uma relação funcionar.
— Por que não vem para casa comigo? Eu gostaria muito que você visse a Verônica.
— Verônica! Fico feliz por, enfim, ter dado tudo certo, filho. Tenho sido um pai ausente, egoísta,
não te dei força e nem ao menos fiquei ao seu lado nos momentos mais difíceis da sua vida. Obrigado
pelo convite, mas acho que preciso ficar sozinho. É assim que resolvo as coisas.
— Eu te entendo, pai. Sei que para o senhor também não está sendo fácil. E também tem a
empresa. Eu fiquei tanto tempo fora e o senhor ajudou como pôde, estando em Los Angeles — digo.
— Se mudar de ideia, me avise. Terei o prazer em recebê-lo em minha casa.
Despedimo-nos, eu com lágrimas nos olhos e Jonas apenas observando. Fomos para casa em
silêncio.
***
O resto do dia de ontem passou relativamente tranquilo, mas percebo que Verônica não está
bem. Isso me deixa chateado.
Sei que é natural, claro, mas uma parte infantil de mim achou que as coisas se resolveriam como
mágica. Então, dormimos mais uma vez sem nos falar.
Meu celular toca: era Jonas. O que será agora?
— Adrian, tudo bem? Olha, o delegado Ricardo me ligou. Charles continua sumido. Eles
fizeram uma busca criteriosa no Mato Grosso, acionaram delegacias regionais, alertaram
aeroportos, e nada dele.
— Droga! Eu nunca terei paz enquanto esse desajustado psicótico não for preso.
— E tem mais...
— Claro... — digo, com ironia.
— O Dr. Carlos foi encontrado morto em sua clínica, de madrugada. Ele foi baleado 15 vezes.
Não há sinal de arrombamento. O corpo foi descoberto quando as primeiras pessoas chegaram
para trabalhar.
— Meu Deus! Charles?
— Hum-hum, muito provável, embora essa seja uma opinião minha. Charles não saiu do Mato
Grosso, a menos que ele tenha subornado muitas pessoas, o que, dado o tamanho da notícia, eu
duvido.
— É óbvio que ele não faria o serviço sujo. Foi alguém a seu mando. E as câmeras da clínica?
— Todas desligadas. Quem fez o serviço foi profissional.
— Estou sem palavras. — Nesse momento, Verônica irrompe no quarto. — Olha, tenho que
desligar, depois nos falamos. — Eu a cumprimento: — Bom dia, meu amor!
— Bom dia. — Por que ela está soando tão fria?
— Olha, Verônica, desde que nos encontramos, você me trata com frieza, está esquisita e me
evita quase o tempo todo. Eu não tenho culpa de nada, a não ser por ter sido um descuidado idiota,
mas eu não te machuquei, eu vivi meus dias atrás de você. Então, você pode, pelo menos, ser um
pouco grata?
— Eu estou bem.
— É óbvio que você não está bem. É compreensível pelo trauma que passou, mas não desconte
em mim, amor.
A palavra amor a tirou do campo indestrutível em que ela estava imersa.
— Me desculpe. Eu ainda não sei como agir com tudo isso. Eu só... — Ela parece assustada ou angustiada com algo, e me pego pensando no que poderia ser. Será que ela não me ama mais como
antes? Esse pensamento me apavora.
— Olha, tenho uma sugestão: vamos procurar um terapeuta especializado em pós-trauma, o que
acha?
— Não sei...
— Querida, ninguém passa pelo que você passou e não tem acompanhamento terapêutico. Nem
sei o porquê disso ainda não ter sido sugerido quando o médico a examinou, mas quero escolher a
dedo o profissional que ficará com você. Afinal, precisamos estar equilibrados e fortes para a
chegada do nosso filho, não é?
— Talvez você tenha razão.
Ela me abraçou forte. Minha mulher estava quase de volta. E ainda era minha.

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