Adrian Miller
Finalmente chegou o dia do meu depoimento. Isso me deixa com dois sentimentos controversos:
medo, porque, de uma forma ou de outra, eu estou sendo investigado e preciso provar minha
inocência, tentando não expor minha mãe; alívio, porque depois de hoje poderei finalmente me
dedicar à busca por Verônica.
Se é que ela ainda está viva. Esse pensamento me dá um calafrio, deixando meus pelos
arrepiados. Preciso me controlar e ter foco. Se o investigador perceber que estou nervoso, ele
certamente usará isso contra mim. Estar em estado de nervos à flor da pele realmente não é bom.
Nada bom.
Respiro fundo umas cinquenta vezes, e começo a me acalmar.
Já estou vestido, barbeado e perfumado. Paro para tomar um café forte e comer algumas
torradas. Preciso estar forte e apresentável.
Sei que sou inocente, e não deveria estar com tantos sentimentos dentro de mim, mas a verdade é
que ser interrogado me apavora. Sei como as coisas funcionam na justiça brasileira, e se os caras
resolverem que precisam de um bode expiatório para mostrar para a mídia o quanto são fodas, eles
vão me acusar.
Depois de tomar meu breve desjejum, encontro-me com Jonas na sala, me esperando.
— Bom dia, Adrian. Você está com uma expressão boa. Isso será ótimo no depoimento.
— Bom dia, Jonas. Estou tentando me manter calmo. Não quero aqueles imbecis tirando
proveito da minha fragilidade emocional. Assim que sairmos de lá, vamos para o aeroporto. Estou ansioso para iniciar a investigação em Mato Grosso. Nossas reservas no hotel estão confirmadas,
certo?
— Certo. Olha... — ele fez uma pausa. — Você não precisa responder nada que não queira, é
um direito seu, assegurado pela Constituição, mas quanto mais cooperar, mais rápido livra sua cara.
Você pretende incriminar a sua mãe?
— Por mais suja que ela tenha se mostrado, não gostaria que fosse eu a incriminá-la. Talvez eu
possa dar algum indício de que eles devessem procurar em outros lugares. Acho que se eu colocar a
Alana no meio, talvez ela os leve até minha mãe, já que é uma vaca, como sabemos.
— Pode ser. Só tente manter a calma e, na dúvida, lembre-se de que menos é mais. Um
interrogado que não para de falar, nunca é visto com bons olhos, a menos que tenha algo bom para
dizer.
— Ok. Vamos?
Chegando à delegacia, fomos recebidos por um policial marrento, que nos encaminhou à sala do
interrogatório.
Ainda não havia ninguém lá dentro. A sala era diminuta, contendo uma câmera, um vidro
insufilmado (que, com certeza, serve para que sejamos observados) e uma mesa de alumínio com
duas cadeiras de cada lado. Sobre ela, uma garrafa de água já suada pelo degelo e dois copos
plásticos.
Fomos orientados a sentar nas cadeiras que ficavam de frente para o vidro, claro.
— O investigador Seixas em breve virá falar com os senhores — falou secamente o policial.
Aguardamos por mais ou menos 15 minutos, até o investigador aparecer. Ele parecia ter saído
de um dos filmes de ação que costumo assistir: moreno, alto e forte, com o cabelo raspado. Tão
clichê que quase tive um ataque de riso. Mas me segurei.
— Bom dia, Sr. Miller — ele se dirigiu a mim, praticamente ignorando a presença de Jonas, que
não pareceu incomodado com a petulância alheia. — O senhor foi convocado para prestar
depoimento sobre a queda do jato particular Dessault Falcon 7X, no ano passado, que culminou com
a morte de sete passageiros, entre eles, sua esposa Sara Bawer Miller. Quero que saiba que o senhor
não estaria aqui se não fosse suspeito de envolvimento com o acidente. Também tenho obrigação de
lhe dizer que tem o direito de permanecer calado, se for de sua vontade.
— Desejo auxiliar nas investigações, já que sou inocente. — Péssimo discurso, droga! Mais clichê que o investigador-saído-direto-de-Hollywood.
— Ótimo. O depoimento será gravado. — Ele posicionou um gravador na mesa, que já estava
ligado. — Sr. Adrian Miller, há um ano e três meses, mais precisamente em 16 de maio de 2014, o
avião em que sua esposa, Sara Bawer Miller, viajava saiu de São Paulo com destino à África onde,
ao que me consta, ela faria uma missão beneficente. Correto?
— Sim — optei por não abrir mais minha boca até ouvir tudo, exceto para balbuciar
monossílabos.
— Prosseguindo. O avião pousou nas Ilhas Canárias e, ao decolar novamente, caiu no mar,
matando os sete passageiros que estavam a bordo. Foi feita uma busca criteriosa, e todos os corpos
foram encontrados, exceto o de sua esposa e do piloto Michel Alves. Temos certeza, entretanto, que
eles embarcaram, através da listagem fornecida. A caixa-preta do avião não foi encontrada na
ocasião, e as buscas foram encerradas com a conclusão de acidente.
Eu sabia onde ele queria chegar, sabia exatamente o que tinha acontecido depois disso, mas
preferi fingir que não sabia de nada. Acho que a surpresa poderia ficar a meu favor.
— Entendo. — Aguarde, Adrian! Deixe-o terminar.
— Acontece que uma reviravolta no caso colocou o seu nome em evidência. Veja bem, não o
estou acusando, apenas dizendo que, agora, você está sob investigação. Gostaria também de lembrá-
lo que está proibido de sair do país, ok?
— Certo. Gostaria de ouvir as acusações — Jonas permanecia calado, apenas olhando o
investigador.
— A caixa-preta do avião apareceu, Sr. Miller. E as notícias não são boas para o senhor. O
piloto que estava no comando não era Michel Alves como diz a lista. Sabemos disso porque o
suposto piloto morto, foi detido cruzando a fronteira entre México e Estados Unidos com grande
quantidade de drogas. Ele foi reconhecido pela Interpol, pois já estava sob investigação, só que com
a identidade de Mikhail Ivanov. O laudo da caixa-preta concluiu que o avião foi sabotado, por falha
mecânica induzida. Não poderia haver falha acidental, já que pelo laudo da perícia, uma vistoria
havia sido feita recentemente e a aeronave estava em plenas condições de voo.
— Entendo, senhor Seixas, mas eu perdi minha esposa, não sei como posso estar ligado a isso.
Sou a vítima aqui.
— Não é o que parece, Sr. Miller. Deixe-me continuar o raciocínio. — Ele parecia impaciente.
— Ao que me consta, ele trabalhava para sua empresa como Michel Alves, uma identidade falsa.
Admiro uma empresa de grande porte como a Miller’s, não ter investigado a vida de seu funcionário,
nem ao menos uma ficha criminal. E, após ter sido preso e reconhecido como o mesmo homem morto
no acidente, investigamos todas as suas contas bancárias. Há muitos depósitos em nome de sua
empresa, claro, afinal, ele era seu funcionário. Mas, além disso, descobrimos um depósito feito na
conta dele no dia do acidente, no valor de 500 mil dólares. É uma quantia robusta, Sr. Miller. —
Permaneci calado, apenas assentindo. Minha paciência também estava se esgotando, mas se não
mantivesse a calma, poderia colocar tudo a perder. Ele prosseguiu: — Esse pagamento veio em nome
de Alana Lins. A senhorita Alana, inclusive, está aguardando para depor depois do senhor, então
cuidado com o que vai dizer.
— Se o pagamento veio em nome de Alana, porque me toma como suspeito?
— Alana é funcionária da Miller’s. Estranho o dono da empresa não saber o que se passa.
— Não vejo o porquê ficar pedindo extrato de conta bancária de meus funcionários a cada vez
que fazem suas transações pessoais. — Sabia que estava me alterando.
— Uma diretora de marketing ganha tão bem assim, senhor Miller’s? Ora, talvez eu devesse
mudar de carreira. — A raiva cresceu dentro de mim. — Ou, talvez, ela tenha sido um bode
expiatório para essa transação. Sabe o que é mais curioso? Seu ex-piloto trabalhava livremente com
um brevê falso, identidade falsa, forjou a morte num acidente que matou sete pessoas, sim porque, se
ele está vivo, alguém estava pilotando aquele avião, alguém que permanece no anonimato. Então, foi
preso pela polícia internacional por tráfico de drogas, mas, mesmo assim, o advogado contratado
para ele, veio em nome de Nora Miller, sua mãe.
— Está me acusando? Senhor Seixas, eu perdi minha esposa grávida. Que motivos eu teria para
causar qualquer problema a ela? Isso devastou minha vida. E nem ao menos temos um corpo. Já
pensou na hipótese de ela estar viva e ter também forjado a própria morte? Eu já nem sei mesmo o
que pensar — me descontrolo. — Eu sou a vítima!
— Não é o que parece. Afinal, logo depois do acidente o senhor estava casado com a Srta.
Verônica Sandler. Um casamento às pressas, em Las Vegas, nem mesmo em território nacional. Isso
diz muito para mim, Sr. Miller.
— Vejo que fez o seu dever de casa — ironizei. — Conheci a Verônica há pouco mais de dois
meses. Um homem precisa refazer sua vida, não é mesmo?
— Casou-se com uma mulher que conheceu apenas há dois meses? Pelo visto, não amava tanto sua esposa, Sr. Miller. Posso dizer por mim, que perdi a minha em um acidente há cinco anos e ainda
não consegui me relacionar com ninguém.
— Não estamos aqui para julgar meu enlace matrimonial. Eu realmente não sei desse dinheiro e
de nada relacionado a isso e nem ao piloto. Michel foi contratado pela empresa dentro da legalidade.
Se há alguém lesado aqui, sou eu. Onde está Michel? Alguém o interrogou? Talvez ele saiba explicar
realmente o que ocorreu. Aliás, ele pode ter relação com pessoas que o senhor nem imagina.
— Está insinuando alguma coisa?
— Nada, só que deve fazer seu trabalho por completo. Não foi encontrado o corpo de minha ex-
mulher. Portanto, não posso ser acusado de tê-la matado. Estou preso? Se não, gostaria de ir para
casa. Sabe onde me encontrar, se necessário. Também quero avisá-lo que estou indo para o Mato
Grosso, em uma viagem a negócios, e volto em três dias. Portanto, não estou fugindo.
Eu sabia que não ganharia nada com essa afronta, mas não aguentava mais. Plantei uma
sementinha de dúvida nele, tinha certeza, mas não falaria mais nada. Jonas teve um segundo de
espanto com minha atitude, mas continuou impassível.
— Ok, Sr. Miller, está liberado. Mas voltaremos a nos falar. Deixe o endereço do seu paradeiro
no Mato Grosso com um de nossos policiais.
— Obrigado. Até mais.
Saí da sala desnorteado. Jonas apenas colocou a mão em minhas costas, em um sinal de
companheirismo. Aquilo não ficaria por isso, eu sabia que águas iriam rolar, mas estava mais
preocupado com o voo que pegaríamos daqui a algumas horas. Poderia ser decisivo para salvar a
vida da minha esposa e meu filho, em seu ventre.
Passo para deixar o endereço do hotel de Charles no Mato Grosso com um policial (que eu tinha
certeza de que iria levantar suspeitas, mas dane-se!) quando dou de cara com Alana e minha mãe.
Minha mãe!
Paro de súbito, e meu sangue volta a ferver. Por isso, não me seguro:
— Sua imbecil! O que você fez? — pergunto para Alana.
— Oi, querido. Tudo bem? Não sei do que você está falando — minha mãe interrompeu.
— Mãe, me desculpe, mas não estou falando com a senhora. Meu assunto é com a Alana, a
menos que esteja envolvida. — Ela abriu a boca para falar, mas fechou-a quando Alana apertou seu braço.
— Adrian, lindo. Tudo bem? Não sei do que você está falando. — Ela fez sua cara mais cínica e
me olhou.
Minha mãe voltou a falar, com a cara mais lavada do mundo:
— Adrian, não se exalte, querido. É apenas um interrogatório.
— Eu não sabia que estava no Brasil. Por que está pagando advogado para aquele imbecil? —
perguntei para minha mãe e Alana ficou pálida.
Não deu tempo de terminar o embate, felizmente, pois o tal do Seixas chamou Alana na sala de
interrogatório e minha mãe a tiracolo. Se eu continuasse mais um minuto na frente daquela vadia, não
responderia por mim e colocaria minha busca a perder.
Depois de tanto tempo calado, Jonas disse:
— Adrian, calma. Nós sabemos que ela é culpada. Só que elas não conseguirão se explicar para
o investigador, tenho certeza.
— Jonas, elas são espertas. Começo a ver minha mãe com outros olhos. De repente, o fato de ela
ser uma assassina tornou-se crível.
— Lembre-se de que você ainda tem as fotos. Guarde-as para usar no momento oportuno.
Assenti e me dirigi, agora mais calmo, à mesa da secretária. Passei para ela endereço e
telefones de contato em Mato Grosso e saímos daquele lugar. Agora faltava encontrar o Albert em
casa para darmos início à nossa jornada. Que Verônica esteja bem, só isso que peço.
***
Cheguei em casa pronto para encontrar Albert, pegar minhas malas e me dirigir ao aeroporto,
mas a cena que vi me deixou chocado pela milésima vez.
Terry estava jogada no sofá da sala, com a saia levantada, mostrando sua calcinha nada pudica,
com as pernas para fora do sofá, e parecendo totalmente fora de si. Gelei, com Jonas atrás, me
segurando.
Não me contive e gritei com ela, tendo a certeza de que estava drogada de novo.
— Terry! O que pensa que está fazendo, sua louca? Você andou se drogando? — Só não avancei
em sua direção porque Jonas me segurou, pedindo calma. Toda essa história realmente estava me
deixando sem chão.
Minha irmã se sobressaltou, caindo do sofá, em uma cena que seria cômica, se não fosse trágica,
como diz o popular.
— O-oi, maniiiiinho. O-oooi, amooor.
Não sei se foi o alívio ou o ódio que me tomou. Ela não estava drogada, mas bêbada. Só que
isso não acalmava a situação. Mais uma vez, não me contive:
— Você está louca? Não basta ser uma drogada, agora é uma bêbada? Você não tem juízo? —
Jonas tentava falar alguma coisa, mas o afastei com o braço, continuando meu discurso inflamado. —
Eu te proíbo de beber na minha casa. Chega, não haverá mais acesso a bebida para você.
Ela pareceu ter um lapso de consciência, pois gritou de volta:
— Eu odeio vocês! Deixem-me em paz, que eu sei me cuidar. Se eu bebo, é culpa sua, Adrian! E
sua também, Jonas — ela falou o nome do namorado com nojo. Sem pensar duas vezes, ela pegou a
bolsa, a chave do carro e correu, antes que pudéssemos alcançá-la. Os dois minutos que ficamos nos
entreolhando, sem saber o que fazer foram suficientes para que ela fugisse e nos deixasse
preocupados. Jonas fez menção de segui-la, mas eu o impedi. Não sou a favor de ninguém dirigir
bêbado, mas segui-la só pioraria as coisas.
O que faríamos agora? Só então notei Albert observando. Ele tinha chegado no meio da
discussão.
— Oi, Adrian. Oi, Jonas. Fiquem tranquilos, ela volta. Estive aqui mais cedo e Maria disse que
sua mãe e ela brigaram. Acho que agora precisamos nos apressar. Nós receberemos notícias da
Terry, mas o horário do voo está se aproximando.
— Minha mãe sempre causando problemas! Jonas, fique com o Albert e aguarde para ver se a
Terry volta. Tem algo que eu preciso fazer antes de irmos. Se Terry não aparecer, você fica aqui. Eu
posso seguir viagem com Paulão e Albert.
Saí da sala, tentando me controlar e entrei no quarto da Sra. Sandler. Eu não esperava vê-la
acordada, mas me surpreendi em pegá-la conversando com Sandra, a enfermeira.
Ela me viu, mas não pareceu me reconhecer.
Ela perguntou à Sandra:
— Quem é esse moço bonito?
— É seu genro, Adrian — Sandra disse.
Eu acrescentei:
— Olá, Sra. Sandler, tudo bem?
— Olá. Ela falou que você é meu genro. Eu não me lembro de ter uma filha, me desculpe.
— Sua filha se chama Verônica, está grávida, não se lembra? Ela cuida da senhora há anos.
Ela pareceu buscar na memória, mas disse:
— Não, não lembro. Querida — dirigiu-se à Sandra. —, estou cansada. Peça a ele para sair,
sim?
Sandra não precisou me dizer nada. Afastei-me, fazendo sinal para que ela me acompanhasse.
Na porta do quarto, já do lado de fora, sussurrei:
— Ela está cada vez pior, certo?
— Essa doença é maldita, Sr. Miller. Ela pode reconhecê-lo ou não, é como uma droga de uma
roleta russa. Desculpe-me falar desse jeito, mas minha vó tinha Alzheimer e sei como é sofrido.
— Sem problemas, Sandra. Olha, vou me ausentar por alguns dias. Se o quadro dela mudar, não
deixe de me dar notícias. Andressa sabe onde me encontrar.
— Claro, Sr. Miller.
Meu coração estava pesado. A falta da Verônica, Terry bebendo, minha sogra sem reconhecer
ninguém. Lamentava que essa roda-gigante de acontecimentos terríveis tenha começado em minha
vida.
Mas eu farei uma coisa por vez. Preciso encontrar Verônica, sinto que só assim as coisas
entrarão nos eixos. Esse é o foco, cuidarei do resto depois.
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Eternamente Minha
Genç Kız EdebiyatıOlho atônita para o corpo de Sônia, já sem vida. Estou trêmula e sinto meus batimentos cardíacos acelerados. Charles está calado e apenas me observa. Ajoelho-me diante dela e, mesmo horrorizada, consigo sussurrar: - O que foi que você fez, Charles? ...