Livro 3: Capitulo 2

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― Ainda estou me perguntando porquê. – falei em voz alta.
― Por que?
― Pense bem mãe, se eu não tivesse me atrasado para o trabalho, se eu tivesse me lembrado da prova na faculdade, se meu carro não tivesse enguiçado no meio do caminho, eu provavelmente não estaria aqui agora, preocupado por essa garota que nem conheço.
― Deus sabe o que faz – ela disse – Ainda bem que foi você que a encontrou, talvez outra pessoa não teria tanto cuidado.
Cuidado? Revirei os olhos, eu poderia ter quebrado a cabeça dela, mas tudo bem, para a minha mãe eu sempre era um bom garoto.
Meu pai atravessou o corredor como uma bala, sem nem nos cumprimentar.
― E agora? – falei.
― Vá atrás dele, preciso dizer a ele que me comprometi a cuidar da menina.
― E você acha que ele vai aceitar? Ele não quer cuidar nem de mim.
― Faça o que eu te pedi, que do seu pai cuido eu – ela disse me dando um sorriso confiante.
Foi fácil encontrar o velho foi só ouvir sua voz, com sua gentileza forçada perguntando como Pandora estava.
― Como se sente menina? – ele perguntou.
― Eu já tive dias melhores – falou – Pode ficar tranquilo senhor, eu sei que o que aconteceu foi uma acidente não é minha intenção prejudicar o seu filho.
Fiquei emocionado com aquela declaração, mas não podia deixar que meu pai a intimidasse.
Então entrei. Vi que havia um agente da polícia e o médico, ela estava sentada com o olhar mais defensivo que já vi.
Voltei os olhos para o meu pai.
― O que o senhor faz aqui?
― Vim ver como estava a menina – ele disse como se não tivesse pretensão nenhuma com a visita.
Olhei para ela que abaixou os olhos era como se ela estivesse evitando me olhar nos olhos.
― Vem comigo, a mamãe quer falar com você – falei.
― Muito bem, até mais senhores – ele olhou para ela – senhorita.
Saímos e eu o encarei.
― O senhor, não pensa no que está fazendo?
― O que quer dizer?
― Ela está sofrendo de problemas emocionais, precisa de cuidado para falar com ela.
― E quem disse que eu não tenho cuidado?
― Eu te conheço faz vinte e um anos, sei muito bem como o senhor é.
Fui na frente, eu não tinha muita paciência para falar com ele, deixava isso para minha mãe.
E ela falou com ele, sua reação foi esperada.
Começou a bufar e dizer que não ficar de babá para uma louca e que ela podia ser até perigosa e saiu.
Eu fui atrás dele.
― Porque não pode ser capaz de ter um ato de caridade com uma pessoa doente?
― Porque eu não tenho casa de caridade, apesar da sua mãe não concordar.
― Eu também não concordo.
― Se Carry estivesse aqui...
― Ela é dura, mas não insensível – apontei.
― Não quero mais falar com você Mattew.
― Claro que não, foi por isso que eu saí de casa!
Ele parou na calçada.
E me olhou furioso, seu rosto se pintou de vermelho e eu tive certeza que ele ia gritar, mas ele respirou fundo.
― Vocês podem fazer o que quiserem – disse e se foi.
Respirei fundo, mesmo que ele tivesse aparentemente aceitando, eu não sabia se era uma boa ideia deixá-la perto dele.
Porque nós queríamos fazer com que ela se curasse e não entrasse em uma depressão maior.
Quando me virei percebi em uma das janelas do terceiro andar Pandora me observando.
Ergui a mão tentando um comprimento e ela me virou as costas.
Eu não era tão rejeitado assim desde a época do colégio. Eu devia deixar para lá, afinal já tinha feito minha parte.
Pedi desculpas o que mais ela queria?
Mas se ela mesma havia dito que sabia que o que aconteceu foi um acidente, porque ainda estava com raiva de mim?
Por isso e apenas por isso, continuaria insistindo.

― Então quer dizer que a garota é uma fera? – Téo perguntou tomando seu cappuccino quente enquanto eu tomava sorvete, estávamos saindo da faculdade de Columbia, porém Téo não cursava arqueologia como eu e sim engenharia.
― Não sei se ela é uma fera de verdade ou é apenas a depressão que a faz agir dessa maneira.
― A Elisabeth já veio me perguntar se ela era bonita.
― Que? – falei chocado – Você acha que isso é aquela coisa de sexto sentindo que as mulheres têm?
― Eu não sei, só sei que falei que ela uma baranga, uma mendiga praticamente.
― E ela acreditou?
― Eu acho que sim, se convenceu quando eu falei no estado que a encontraram e nesse momento ela deve estar achando que sua Pandora é uma das loucas do central Park ainda bem que eu não disse que ela é rica.
Comecei a rir.
Talvez eu devesse ligar para marcar um encontro, mas não estava nada animado para falar com ela.
― O que foi? Vai terminar com ela?
― Nós não somos namorados exatamente – apontei.
― Mas ela acha que são.
― E por que diabos ela acha isso?
― Talvez por que faz um tempo que vocês saem, são três meses me lembro bem pois foi uns dias antes de eu ter comprado meu notebook.
― Três meses – me surpreendi – Não é menos?
― Eu tenho a nota fiscal ainda do note você quer ver?
Revirei os olhos.
― Não precisa cara.
Joguei o copinho do sorvete no lixo.
― Sabe o que eu acho? – ele disse.
― O que?
― Que você precisa relaxar, você saiu de casa muito cedo sabe, ficou bem responsável, ao menos comparado ao que você era no ensino médio.
― Relaxar? – bufei – acorda homem, já somos adultos não tem mas essa de Hakuna matata acabei percebendo isso com a Pandora. Ela não completou dezoito anos ainda e está completamente sozinha, ela está tendo que ser adulta jovem demais e talvez seja por isso que ela não esteja bem.
― Mas se ela não completou 18 anos quer dizer que podem colocar ela num orfanato?
Eu ri sem humor.
― Está se esquecendo que ela é rica, ao que parece ela pediu a emancipação, legalmente ela é dona de si.
― Eu nem sabia que isso existia.
― Provavelmente eu só sei por causa do meu pai – Dei de ombros – continuando, nesse caso ela já não está bem para tomar decisões, meu pai contatou os advogados dela na Itália e sabe o que disseram?
― O que?
― Que confiavam que ela estava sendo bem tratada, nenhum vai vir até aqui apesar de já terem disponibilizado uma conta no banco para o tratamento dela.
― Tem certeza que ela não é da máfia?
― Talvez, ela tem cara de mafiosa – falei e dei um tapa na cabeça dele – claro que não, Vá num restaurante caro e peça um vinho Constantino, você meu pai e eu nunca compraríamos uma garrafa dessas.
― Então você tem sorte porque se ela fosse milionária e ainda por cima mafiosa você nesse momento poderia estar boiando no rio Hudson.
― Você superou os limites de piadas sem graça por um dia inteiro Teodoro, sua mãe te mandou aqui para estudar ou acabar com a minha paciência?
― As duas coisas, você sabe que eu não viveria sem meu pequeno Mattew.
Nós éramos amigos desde que eu me entendia por gente, ele sempre esteve lá comigo, vezes tirando zero nas provas, vezes correndo descalços nas ruas e vezes correndo dos valentões na escola no único ano que estudei no Brasil.
Eram muitos anos de amizade por isso me sentia à vontade para contar qualquer coisa.
Tirei o colar do dela do bolso.
― O que é isso?
― É  dela.
― Virou trombadinha agora?
― Teodoro mais uma dessas e eu juro que eu te mato – o ameacei com os punhos fechados.
― Tudo bem – ele riu – mas por que está com ele?
― Porque...
― Isso é ouro? – ele o tirou da minha mão, balançando a cabeça positivamente – e está pesado hein.
― Me devolva isso – tomei dele – só estou com ele porque caiu quando a estavam levando para ser atendida, essa joia me intriga, parece uma peça milenar e essa forma? Não que eu entenda muito de joias, mas é obvio que tem uma simetria perfeita.
― Talvez você esteja tão acostumado com as antiguidades que se impressionou com essa joia.
― Não Téo, estou falando sério essa joia, não parece ter sido feita nos tempo de hoje.
― Pode ser que seja de família, os Constantino estão em que geração?
Eu não sabia exatamente, mas se tinha notícia dos ancestrais dela desde a época dos Borgia.
― É, talvez você tenha razão, mas veja o nome escrito em grego, antigamente o P tinha um formato de trave, mas mesmo assim esse pingente tem o formato de P.
― Mas uma prova de que seja apenas coisas da sua cabeça.
― Você também estaria encucado se estivesse no meu lugar, ainda mais da maneira como ela apareceu.
― E a armadura e a espada? Você já viu de perto?
― Não, mesmo que eu quisesse guardaram, são as coisas dela, não posso mexer, aí você vai me dizer, a espada e armadura podem ser coisas de família, eu também não duvido milionários podem se dar ao luxo de ter essas extravagâncias, mesmo assim você tinha que ver as coisas que ela disse pro psicólogo, se ela não estivesse tão mal, mesmo que não fizesse sentindo algum, juro que acreditaria.
― E você vai se arrastar aos pés da patricinha de novo?
Patricinha, era exatamente o que ela era, pois a história dela mesmo que fosse mentira deveria ter seu fundo de verdade a família Constantino realmente descendia dos Patrícios da Roma antiga.
― Eu não vou me arrastar aos pés dela, vou ver como ela está, hum, você acha que eu devia levar flores? Garotas gostam de flores não é?
― Melhor que flores, leve chocolates são mais úteis, ela pode comer.
― Claro! Como eu não pensei nisso antes, ela vai ficar feliz com isso.
Liguei para a minha mãe para saber como estava Pandora, ela me disse que na mesma situação, mal falava e ficava junto a janela olhando insistentemente para o céu.
Acordei cedo no dia seguinte, sorte minha era domingo e eu não precisava trabalhar, havia comprado bons chocolates, mas não caros devido ao meu baixo capital, mas achava que era o suficiente para deixa-la, hum, menos triste.
Peguei o casaco e meu cachecol azul, e me olhei no espelho.
Eu devia colocar meu melhor sorriso para anima-la. Infelizmente para os dois foi difícil manter o sorriso.
Quando cheguei ela estava discutindo com uma das enfermeiras.
― Por favor menina você tem que tomar os remédios.
― Eu não preciso de remédio algum, quero me deixem sair agora! – ela gritou.
― E para onde vai?
Ela arregalou os olhos e caiu no chão aos prantos.
― Vá embora! – gritou.
A enfermeira saiu me levando junto.
― Eu não vou poder vê-la?
― Ela tem se negado a tudo, não quer comer, não quer ver ninguém, se recusa a tomar os remédios e está manhã tentou pular pela janela.
Engoli em seco.
Eu não estava preparado para lidar com aquilo, mas eu podia ouvir o choro dela do lado de dentro e não podia simplesmente cruzar os braços.
― Me deixe entrar, você não perde nada se me deixar tentar, talvez ela não queira te ouvir porque já trabalha aqui.
― Não acredito que seja por isso, mas vá até lá – ela assentiu – o que é isso?
Ela perguntou apontando para a caixa em minhas mãos.
― Chocolate – falei – talvez ela goste.
Ela sorriu, e abriu a porta para que eu entrasse.
― Eu já disse que...
Pandora se interrompeu no meio da frase, ela balançou a cabeça negativamente e se encolheu no chão fechando os olhos.
― Parece que você ainda não quer me ver – falei.
― Eu não sei quem você é, então vá embora!
― Você sabe.
  Ia me sentar ao lado dela mas pensei melhor e fiquei na porta mesmo.
― Eu sou o Matt, o idiota que passou com o carro por cima de você, eu não queria que houvesse ressentimentos entre nós.
― Não me importa quem você é ou que você fez só quero que vá embora – ela disse inflexível
― Se está com raiva...
― Abra os seus olhos para que eu perderia tempo sentindo raiva dos outros?!
― Então porque não quer me ver? – perguntei confuso.
― Eu não quero ver ninguém! Por que está se achando especial?
― Eu tenho a impressão que é comigo sim, você não estava de olhos fechados pra enfermeira e pra mim.
― O que você quer?
Ela se virou de repente me encarando furiosamente.
Fiquei mudo por um instante. Aqueles olhos eram impressionantes ainda mais emoldurados por aquelas grossas e bem feitas sobrancelhas escuras.
Quase me dei um tapa, estava quase babando em cima dela.
― Eu te trouxe chocolates – estendi a caixa para ela.
Pandora olhou para caixa e para mim.
― Eu não sei o que é isso – falou.
Imaginei que fosse o que o médico disse, que ela começava a mentir para escapar da realidade.
― Tudo bem, eu te explico – abri a caixa – o Chocolates são feitos com cacau, bom a fruta não tem muito a ver com isso, mas esse é o resultado final, uns são mais amargos ou mais doces depende da quantidade de leite que se coloca. O que mais? Os bombons são recheados, de qualquer coisa tem maracujá, brigadeiro, coco. 
― Você fala demais – ela disse parecendo mortalmente entediada.
― Não é a primeira vez que eu escuto isso – sorri.
Ela já não me encarava nos olhos, estava na defensiva de novo.
― Se você não tem confiança, eu posso comer primeiro para que veja que não tem veneno.
― Não me importaria se tivesse, - ela me olhou – por favor, se quer me ajudar me traga veneno o mais potente que tiver.
O que era mais chocante era que ela não estava brincando, respirei fundo.
― Não acho que deva ter muita graça em morrer.
― Para mim viver está sendo uma tortura – sua voz estava tão melancólica, ela parecia tão devastada que tive vontade de abraça-la, mas sabia que aquilo seria demais.
― O que aconteceu? Porque está assim – não resisti perguntando.
Ela praguejou algo que não entendi, parecia grego.
― Eu já disse! Vocês não acreditam por que não querem!
― Tudo bem, mas você deveria ser mais sincera use a cabeça se você não se ajudar...
― Para que eu vou me ajudar? Por Deus! Eu não tenho motivo nenhum para fazer isso, agora vá embora e não volte mais.
― Tudo bem, eu vou embora.
― Lhe dou minha benção – escarniou.
― Eu vou, mas eu volto.
― Não volte.
― Desculpe senhorita, mas eu não cumpro ordens.

Contos de Pandora [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora