Perdas e novos desmoronamentos

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Papai havia conseguido. Depois que voltei da faculdade, exausto, com meus olhos pesando mais que o meu próprio corpo, me deparei com mamãe sentada no sofá chorando, agarrada a papéis e almofadas. Seus soluços me causaram medo nesse dia, mas o que me atingiu não foi uma súbita onda de tristeza e sim de cansaço. Pouco nos falávamos desde que me assumi gay e desde que disse para ela que estava com um garoto. Mesmo que não estivesse mais há muito tempo, isso não importava agora. Ela precisava de mim.

Sentei ao seu lado no sofá e a reação que ela teve foi me abraçar forte. Ela murmurava desculpas, praguejava-se por não ser uma boa mãe e claramente não sabia mais o que fazer, assim como eu. A minha única reação foi abraçá-la de volta e murmurar, também em meio às lágrimas, que tudo ficaria bem.

Mesmo que não ficasse.

Minha mãe me explicou que ela não conseguiu ganhar o processo judicial que meu pai havia aberto para tomar nossa casa. Ele tinha muitas cartas na manga como, por exemplo, ter contribuído com a maior parte da renda para manter a casa e outras questões que incluíam o casamento e divórcio deles. Tínhamos dois meses para sair e buscar outro lugar para morar.

Dois meses e não fazíamos ideia de onde ir. Nem de como conseguiríamos dinheiro tão rápido para nos afastarmos do que chamamos de lar por tantos anos.

Consigo visualizar, como uma imagem material, seus olhos inchados e vermelhos me pedindo perdão pela sua incompreensão contra minha sexualidade. Aquilo me dilacerou. Eu sabia que ela ainda não compreendia, mas o que importava naquele momento era não mais me ferir. Mamãe estava em pedaços murchos e vê-la daquele jeito roubava cada vez mais o ar de meus pulmões. Eu não sabia como ajudá-la. Ela disse que precisava ficar um pouco sozinha, então eu deixei. Lutei contra a minha vontade de dar e receber carinho, de conversar o que por muito tempo reprimimos por causa dos nossos problemas com o meu ex-pai e da minha sexualidade que eu ousei expor em um péssimo momento.

A verdade é que eu estava tão perdido que não fazia a mínima ideia de como dar continuidade aos meus passos falsos. As únicas pessoas que eu ainda insistia em manter contato eram Seokjin e Hoseok, meus melhores amigos. Eu me sentia mal mentindo para eles, dizendo que tudo estava bem, enquanto por dentro eu sentia que não podia fazer mais nada por mim mesmo. Nem por ninguém, o que ainda manteria uma ligação com a vida...

Decidi respeitar o pedido da minha mãe ao pé da letra e saí de casa para caminhar um pouco. Acabei parando na estação de trem de Busan. Entrei por uma mediação sem pagar e sentei nos bancos apenas para observar o vai e vem dos trens, para pensar em tudo o que havia se tornado a minha vida e o que eu havia feito com ela. Eu não conseguia entender como eu me sentia tão triste se havia pessoas passando por tantas coisas piores. Se as violências sofridas por elas não podiam sequer se equiparar as minhas violências. E ainda assim eu sentia como se estivesse prestar a morrer o tempo inteiro, como se minha razão estivesse quebrada e meu ar tornando-se cada vez mais rarefeito

Eu não tinha mais propósito.

Na faculdade.

Na família.

Nos amigos.

Em mim.

E não havia motivos plausíveis, a minha força só esvaía com o passar dos dias. O peso do mundo me esmagava e eu não sabia como sair ileso.

Então ele aparece para mim mais uma vez. No trem das três e meia, Jeon Jungguk desceu segurando uma mochila surrada. Tinha olhos cansados, bocejava a cada segundo e tinha a expressão um pouco triste. Eu gostaria de saber o motivo para confortá-lo, mas não tinha mais esse direito. A mera visão de sua passagem comprimiu meu coração e meus olhos, trazendo à tona lágrimas que eu não entendi o motivo de chegarem tão rápidas e violentas.

Era saudade.

Era tudo o que eu não podia controlar.

Ele não me viu e agradeci mentalmente por isso. Se ele me visse, meu estado pioraria 100%. Ele só foi embora, cansado, com o corpo meio curvado e cabeça baixa enquanto permaneci sentado em lágrimas repassando toda a minha vida na mente. Foi então que decidi que era a hora de dar fim a toda aquela agonia sem solução. Era a hora de dizer adeus. 

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