Eu odiava dias quentes. Me arrumava para ir para a escola, saía de casa com meu melhor sorriso e ficava na esquina esperando minha mãe sair de casa para ir trabalhar. Então eu voltava, tomava um banho frio e ficava trancado no escuro e gelado do quarto torcendo para aquele dia quente ir embora logo. Aqueles dias eram os que eu mais sentia falta do meu pai. Enquanto, deitado, eu esperava o sono me preencher novamente, as lembranças me preenchiam primeiramente. Quando eu tinha oito anos ele costumava me levar no parquinho da praça central, todas as tardes quentes de verão, após a escola. Levava sempre um jornal ou um livro para ler quando eu cansava de brincar com ele e ia fazer amizade com as outras crianças. Ele foi embora, sem dizer tchau, em uma tarde quente de três de agosto quando eu tinha nove anos.
Desde então, eu nunca soube mais nada que tivesse a ver com ele além da saudade que eu sentia. Não sabia se estava vivo, se ainda estava na cidade, se tinha outra família. Por anos vi minha mãe definhar em lágrimas, em uma tristeza que minha alma de criança não acreditava ser possível existir, em uma raiva que era sempre descontada em mim — e ainda era de vez em quando — e em dívidas que só há pouco tempo ela conseguiu, finalmente, quitar. Agora estávamos bem. Razoavelmente bem. Mamãe parece melhor, apesar de seus olhos transbordarem solidão. Eu tento cuidar dela, mas não consigo. Eu digo para ela ir à academia (ela gostava de se exercitar), eu digo para ela sair com as amigas do trabalho, para ela namorar... mas ela não diz que está bem. Que não quer se envolver. Tudo bem, eu acho que tudo tem o seu tempo.
Mas eu sinto saudade dele. Ainda. E raiva, também, porque se ele ainda estivesse aqui mamãe não estaria tão quebrada e eu não me sentiria tão vazio. Mesmo que nossa casa esteja intacta, nossa estrutura desabou. Há alguém tocando a campainha, espero não ter sido pego.
Anoiteceu, finalmente. Jungguk estava aqui. Eu já falei dele outras vezes. É um amigo da escola. Um amigo que eu beijo de vez em quando atrás da arquibancada da quadra do colégio e que me faz odiar menos os dias quentes. Bom, ele me pegou. Ele sabe das minhas escapadas nos dias de calor e hoje decidiu não me fazer ficar trancado no quarto gastando luz. Ele me pediu umas roupas emprestadas. O nosso uniforme é bem quente... ele se trocou na minha frente, sem pudor algum. Esse garoto me atenta! Ele sabe que eu gosto dele, mas ainda não tocamos nesse assunto. Enfim... ele perguntou se eu queria passear e eu fiz uma cara de desgosto, então ele disse que existiam coisas boas para se fazer em dias quentes. E que o céu estava lindo.
Jungguk me convencia das coisas facilmente, mas se nós dois fôssemos pegos matando aula... eu nem gostaria de pensar. Mesmo a contragosto, eu decidi ir com ele. Acho que seria injusto fazer ele matar aula por mim e nem ao menos acompanhá-lo onde quer que fosse o lugar onde ele queria me levar. Eu me surpreendi quando chegamos na casa dele. Ele me perguntou se estava tudo bem ficar por ali, ele achou que seria confortável, então meu coração apertou. Eu quis chorar e bater nele, mas que culpa Jungguk tinha? Ele só queria me agradar e eu não queria estragar aquilo.
Eu apenas concordei que seria confortável.
Ele entrou em casa e trouxe um pote de sorvete de morango, o meu favorito, com duas colheres, e sentamos no roda-roda. "O céu está lindo, Jiminie" e eu fiquei em silêncio observando a imensidão azul enquanto o gosto doce gelado de morango preenchia minha boca. Eu apenas concordei com a cabeça e olhei para o garoto à minha frente. Ele parecia perdido demais na própria imaginação, sorria sozinho enquanto seus olhos grandes e redondos refletiam a luz. Nesse momento, eu sorri também e comecei a girar, devagar, o brinquedo. Jungguk se assustou levemente e riu, mas se aproximou de mim conforme eu aumentava a velocidade e tentava fugir dele.
Eu não sei como, mas nossos lábios se tocaram.Era gelado, doce e mais saboroso que o sorvete que compartilhávamos. Eu podiaesquecer do calor, das lembranças tristes, da minha família desestruturada e deque eu não era bom para mim mesmo. Ali, naquele roda-roda, tinha alguma coisaboa. Eu conseguia sorrir, conseguia sentir um calor gostoso no corpo que não seassemelhava ao inferno do dia, eu podia substituir a tensão pelo conforto.Conseguia até eu precisar voltar para casa e tudo voltar a ser lembrança.