Os sons tinham cessado. Antes pode ouvir a luta, vidros se estilhaçando, gritos e resmungos. Tiros. Cheiro de pólvora. Cheiro de sangue. Não podia ver nada, a escuridão do porão só lhe permitia vislumbres de luz advindo do andar de cima, essa luz era tapada com os passos dos invasores...Ou será de seus pais? Não tinha ouvido a voz deles. Não mais. Será que também estavam escondidos?
Não fale nada. Não importa o que ouvir, não saia daqui. Prometa!
Havia feito uma promessa. Não podia quebra-la, por isso, mordeu o lábio inferior contendo a vontade de gritar por sua mãe. Os rosnados e uivos vindos de cima apenas o deixavam mais assustado. Quem eram? Por que invadiam a sua casa? Seus pais eram caçadores, iriam destruí-los! Sim, só precisava esperar...
– Revistem a casa. Deveria ter mais um! –Mandou alguém, sua voz era uma mistura de rosnado e ganido. Saia meio cavernosa como se sua garganta e boca não fossem adaptadas para a fala.
– Não consigo farejar nada.
– Deviam ser três. Só matamos dois! Falta um! –Enfatizou aquele que deveria ser o chefe.
Mataram?
Desta vez deixou escapar um soluço, lágrimas quentes rolavam por sua face. Não podia ser. Seus pais... Eles não podiam ter morrido... Eles eram os melhores caçadores...
Movimentos nas tábuas de madeira, passos em direções diversas. Som de objetos e moveis sendo lançados ao chão.
– Não devemos deixar nenhum Jägered vivo! –Desta vez o comando terminou em um longo uivo. O som parecia se propagar por toda a casa. O pequeno humano escondido sentiu seu corpo tremer com aquele horrendo som. Queria gritar por sua mãe e por seu pai. Não podiam estar mortos! Não podia acreditar! Aqueles lobos estavam mentindo!
Uma das tábuas rangeu e por fim se quebrou, um pé peludo e com garras atravessou o buraco recém-formado. O garoto levou as mãos trêmulas a boca. Mais rugidos e rosnados.
– Espere... Isso é um porão?
– Farejem!
Um focinho alongado agora adentrou pelo buraco. Suas narinas se dilatavam e contraiam enquanto farejava. Uma fumaça esbranquiçada era emanada de sua boca repleta de dentes. Saliva escorria, pingava sonoramente no chão de pedra do amplo porão.
Só poucos centímetros o separavam de sua presa. A criança podia ouvir o seu coração batendo tão rápido e alto que temia que os próprios lobos também escutassem. Seu corpo estava paralisado. Talvez devesse ter fugido quando os intrusos estavam ocupados revistando os andares superiores, mas tinha feito uma promessa...
O lobo inspirou fundo e por fim disse.
– Não há nada aqui embaixo! Só mofo e coisas velhas.
– Devemos procurar fora? Pela a floresta?
– Esqueçam! –Disse o chefe - Se ele fugiu, que seja! O seu destino, cedo ou tarde, será o mesmo de seus malditos pais.
– O que faremos com os corpos.
Uma risada, seca e fria, foi emitida.
– Comemos.
Os lobos uivaram em júbilo.
Não.
Os sons agora ouvidos de uma natureza totalmente diferente. Algo que a criança não queria nem imaginar o que seriam. Rasgavam. Mastigavam. Selvagens. Monstros.
Fechou os olhos. Aquilo era apenas um pesadelo. Só podia ser. Não era real. Iria acordar e seus pais estariam ali, ao seu lado lhe dizendo que não precisava se preocupar...Sempre o protegeriam dos monstros malvados. Sempre...
Algo úmido e quente gotejou em sua bochecha o fazendo abrir, subitamente os olhos. Tocou o local.
Vermelho.
Levantou o olhar para o teto.
Uma grande mancha vermelha jazia sobre si. Várias gotas do líquido rubro caiam, escapando pelas fendas das tábuas... Como uma chuva macabra.
Vermelho.
Rubro.
Escarlate.
Sangue.
Ali ficou, deitado sobre o chão frio do porão. Não conseguia parar de olhar para o teto... Aos poucos, o medo e desespero que sentia se convertia em mais profundo ódio.
Vingança.
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Capuz Escarlate - Legado do Lobo
Mystery / ThrillerA ordem Capuz Escarlate, desde da terceira grande guerra, mantém a paz entre os humanos e os não-humanos. São a balança, a espada e o escudo da nação de Arcadia. Todos os admiram e os temem. Sua marca: um capuz de coloração vermelha tal como o sang...