Capítulo 1

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O som ensurdecedor de um tiro.

Foi isso que o acordou.

E quem tinha atirado?

Oh... Viu a arma em sua mão. Sorriu.

– Ops! –Deu uma risada baixa e fitou a parede oposta de seu quarto. Um buraco de bala. Fumaça ainda saía dele. Não seria o último e nem o primeiro, outros buracos idênticos aqueles se somavam a parede formando um estranho padrão. Alguns poderiam até considerar arte.

Tentou ignorar o tremor nas mãos e o palpitar do coração. E pensar que pesadelos só metiam medo em crianças... Pelo o visto, não iria se livrar tão cedo daquilo. Afinal, não era apenas pesadelos e sim lembranças que insistiam em assombrá-lo.

–Talvez eu devesse dormir com armas descarregadas... –Mirou o seu revólver Colt calibre 44 que ainda residia em sua mão direita, com a outra mão livre buscou o irmão gêmeo, logo encontrou o outro Colt embaixo do travesseiro. Sempre dormia com as suas armas. Também sempre dormia tendo certeza que elas estavam carregadas com suas balas de prata.

–Victor! –Batidas fortes e constantes advindo da sua porta de entrada. Soltou um resmungo e se deixou cair novamente na cama. Não queria se levantar. Ainda estava cedo.

O som irritante de seu despertador acabara de o contradizer. Contrariado mirou com o revolver o inocente relógio digital, mas acabou por desistir. Já seria o terceiro relógio aquele mês, devia começar a apreender a não colocar a culpa em objetos inanimados por seu mal humor matinal.

–Victor! Atenda essa maldita porta!

Pelo visto, não tinha outra opção. Se levantou, antes desligou o alarme e se dirigiu a porta, antes de abri–la notou que ainda tinha as armas nas mãos. As colocou sobre a mesa, perto da entrada e foi atender a porta.

–Finalmen...OH! Pelos deuses! –Disse uma mulher de peitos fartos comprimidos em um decote obsceno e cabelos verdes (pelos eram a cor desta semana, mês passado era amarelo-limão). Victor sempre se questionava por que uma mulher com mais de 60 anos ainda persistia em uma moda obviamente para pessoas mais jovens. As calças estavam extremamente apertadas, de modo que se podia contar as marcas de celulite como facilidades, pareciam uma cadeia de montanhas. Sim, eram cordilheiras!

–Victor! Vá se vestir! –Mandou.

–Você sabe que durmo nu. Já devia estar acostumada, depois de tanto tempo sendo síndica e tal. –Deu os ombros totalmente alheio ao embaraço da senhora.

–Isso não significa que tenho que concordar com esse...Esse atrevimento.

–Eu estou nu, em minha casa. Creio que isso não se classifica como algo ilegal.

–Você não tem nenhum respeito?

Victor rolou os olhos. Não iria responder aquela pergunta.

–O que você quer afinal?

–Não me venha com esse tom! Ouvi o tiro que acabou de dar!

–Bem, realmente deveria ter ouvido, é um calibre 44.

–Você não pode acordar atirando desta forma! Pense nos vizinhos!

–Eu penso neles, por isso minha parede é blindada. Mais ou menos. Não tenho dinheiro para blindar de fato, então coloquei uma placa de metal por debaixo do papel de parede. O engraçado é que esses tiros nunca têm como alvo a placa. Acho que mesmo dormindo eu sei aonde devo atirar para deixar uma marca... Ainda mais, eu não tenho vizinhos do outro lado da parede, logo não estou colocando ninguém em perigo. Moro no último andar, dona Carmen. Não precisa fazer toda essa confusão por...

–Primeiro, é senhorita Carmen. –Falou isso quase enfiando a sua longa unha postiça no meio da cara de Victor –E segundo, que seja a essa última vez que algo assim ocorra! Na próxima, rua!

–Sério? Eu sou o único inquilino que pago o aluguel em dia. Devia repensar bem sobre essa ameaça.

Carmen estava vermelha de raiva, bem que podia ser maquiagem. Sempre andava com muita maquiagem de tal maneira que era bem provável que ninguém conhecia a sua face real.

–Você foi avisado! –Nisso ela se virou, dramaticamente, mas Victor notou que ela antes deixou escapar alguns olhares nada discretos para o local logo abaixo do umbigo do rapaz.

–Quanto melodrama. –Resmungou fechando a porta, realmente deveria descarregar os revólveres antes de dormir, seria muito enfadonho ter que procurar outro apartamento. Sentiu vontade de voltar para cama e tentar voltar a dormir... Talvez pudesse recomeçar o dia sem sustos e sindicas pervertidas.

Mais um som persistente cortou o silencio de seu apartamento.

–Eu não acredito...–Soltou um grande suspiro. Olhou para os lados, ouviu, mas não via. Onde estava o seu celular? Suas roupas estavam espalhadas por todo o chão. Quais era do dia anterior? Meio difícil dizer. Encontrou finalmente o seu casaco vermelho e de lá retirou o aparelho que vibrava loucamente.

Jacob Grimm.

O nome brilhava e piscava.

–Por que ele está ligando para mim? –Inqueriu sem saber se devia aceitar a ligação ou não. Relutou. Mordeu o lábio inferior sem saber o que fazer. Se não atendesse se livraria de uma bronca, pelos menos temporariamente. Porém, o resultado seria que a bronca podia ser multiplicada pelo o grau de fúria que Jacob... E esse grau poderia ser muito alto. Resolveu atender.

–Alo?

– Jägered. –A coisa devia estar mesmo feia, o chamar pelo o sobrenome não era um bom início de conversa –Onde você está?

–Em casa. Onde mais?

–Deveria estar em meu escritório a meia hora atrás.

–Deveria?

Houve uma pausa. Jacob devia estar massageando a testa tentando manter a calma, Victor praticamente podia vê-lo fazendo isso.

–Você esqueceu de nossa reunião?

–Bem... Lógico que não. –Respondeu rapidamente, ao mesmo tempo buscava uma roupa limpa, ou seja, pegava alguma roupa do chão, cheirava e avaliava se o cheiro podia ser aceitável, infelizmente a maioria das candidatas não estavam passando no teste – A reunião. Sim! Nunca iria esquecer!

–Então, se você não esqueceu, apesar de eu constantemente te lembrar, por que o atraso?

–Trânsito?

–Você mora a dois quarteirões de distâncias, além disso, não tem carro para dirigir.

–Eu poderia ter...

–Poderia, mas não tem. Te dou 15 minutos, passando deste limite de tempo, acredite, estará realmente encrencado.

–Jacob, já tenho 18 anos, não sou mais uma criança.

–Oh! Sim! És um adulto responsável? Prove isso chegando na reunião. –Nisso desligou antes mesmo de dá Victor um direito de resposta.

–Perfeito. –Soltou um suspiro se jogando no seu sofá cinza, antigamente era branco previa que até o fim do ano seria negro e fitou o teto. Por alguns segundos temeu que alguma gota de sangue caísse no seu rosto. Sequelas do pesadelo? Não... Suas lembranças constantemente o assombravam, seja dormindo ou acordado. O faziam recordar daquela fatídica noite que mudou totalmente a sua vida. Era um aviso. Não deveria esquecer o que prometera a si mesmo naquela mesma noite em que seus pais foram assassinados e comidos.

Iria caçar aqueles lobos.

Iria matá-los.

Esse é seu objetivo de vida.

Por isso, se tornara um Capuz Escarlate. 

Capuz Escarlate - Legado do LoboOnde histórias criam vida. Descubra agora