Jornada para Malpetrim

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  • Dedicado a Paulinho Valente
                                    

Primeiro dia

Eu encontrei com um mago outro dia. Cara altão, de roupa suja, cheirando a cavalo e poeira. Todos seus amigos tinham morrido na batalha... Igual aos meus irmãos.

Estou de mudança com o resto da minha família. Destruíram nossa casa, nos botaram para correr, tacando fogo em tudo. Morreram uns amigos nossos, mas na correria da fuga, nem deu para fazer nada. Quando eu estava de guarda com o mago, conversamos sobre tudo. Eu sempre gostei de magia, mas minha família fala que este tipo de coisa não presta... Que eu não sirvo para isto e que deveria me preocupar com coisas mais úteis, como abrigo e comida.
Conversei a noite toda com o mago. Ele me contou das aventuras que viveu, como derrubou um gigante minotauro, como lançava bolas de fogo com várias varas de diâmetro, ou fazer seu corpo ficar tão duro como pedra... Ele me falou de seus amigos, que morreram na batalha, do quanto eles foram legais, e como foram bravos... Assim que o sol nasceu, ele me fez um pedido. Pediu para que eu pegasse seu livro, salvando-o de ser destruído naquela guerra inútil. Nele, teria dicas de como chegar a sua casa... Além de várias magias, segredos e histórias.

Também tinha folhas em branco, que eu devia preencher com minha história.

Falei com minha mãe e meu pai... Eles não me entendem, me chamam a todo tempo de frouxo e inútil. Disseram que qualquer dia eu viro sopa para bugbear. Falaram que não importa se sou novo, tenho que me cuidar, senão já era. Não duro até o outro dia.

Depois de uns dias, o mago teve febre, por causa dos braços quebrados. Quando fui falar com ele, a cara dele estava até verde. Ele falou de novo que eu podia fugir, pegar seu livro e sumir dali. Tinha que ir para Malpetrim, procurar uma tal de Petra, que seu pai lhe devia um favor. Entregar para ela a primeira folha do livro, um bocado de seu cabelo e ter certeza que eu ia receber uma grana boa.

Eu topei, é claro. Fugir daqui, ganhar um livro e ainda por cima ganhar uma grana? Na hora! Ele me contou onde o livro tinha caído, quando derrubaram ele do cavalo. Perto do riacho, no meio de uma moita de erva de cheiro. Disse para eu levar um chumaço de cabelo, ensinou umas palavras mágicas para quando eu abrisse o livro... Disse que era para eu treinar muito antes de falar com o livro aberto e me fez repetir com ele umas mil vezes antes de ir embora.

Cortei o cabelo dele e enfiei no bolso. Cabelão grande, grosso que parecia corda, todo trançado. Saí caladinho, com a roupa do corpo e uma faca velha, falei pros vigias que ia ao matinho... Eles riram da minha cara. Deixaram-me ir. Achei o livro, junto com uma capa de couro e um embornal. Disse as palavras e consegui ler o livro. Tinha um monte de coisa, não consegui entender como conseguia ler... Mas fui virando as folhas até achar duas palavras: Malpetrim e Petra.

Todo dia, quando ia me preparar para andar mais um bocado, na direção que o sol nasce, eu parava e repetia as palavras, lia um pedaço do livro e então tudo embaralhava, eu comia qualquer coisa e andava de novo, repetindo as palavras com medo de esquecer e não conseguir mais ler...

Daí um dia eu tive a ideia de tentar escrever elas... Deu certo. De pouco em pouco, eu aprendia a ler e escrever igual ao mago... Quando fui reparar, bastava repetir de novo as palavras que eu conseguia ler por mais tempo, as letras desembaralhavam e eu fui pegando a manha.

Hoje eu consegui passar o dia todo lendo e agora nem preciso repetir as palavras do mago. É só prestar atenção e tudo clareia.
Amanhã eu quero ver se entendo o que eu escrevi, ou se as letras do mago são mágicas.

Dia 20

Hoje eu entendi o que era aquele verso que eu vinha repetindo. Sem saber, eu estava conjurando diariamente a magia Compreender Idiomas... De tanto lançar a magia, acabei memorizando as letras e por fim as palavras.

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