Capítulo 1 - O trauma

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Já era quinta-feira quando Milena Aquino arranjou coragem para ir assistir aula. Porém, se tivesse tido a curiosidade de checar seu horário de aula, com certeza teria desistido: Direito Romano I, a matéria que estava no topo da sua lista das mais chatas do curso.

Ausente e distraída, acomodada em seu lugar, ao fundo da sala, Milena abriu o fichário e caçou as últimas folhas. Puxou a lapiseira e começou a rabiscar alguns versos.

Batatinha quando nasce

Espalha a rama pelo chão...

Querido, se aqui estivesse,

Eu te daria um beijão!

Releu a composição, cheia de orgulho, mas antes que tivesse tempo de dizer a si mesma: "bom trabalho!" escutou uma voz masculina lhe criticando:

– Mas que rima sem nexo! Até meu priminho de três anos faz melhor!

Indignada, ergueu o rosto ao intrometido. Tratava-se de um rapaz alto, de olhos claros, cabelos negros, porte atlético e olhar penetrante. Apesar do desaforo que dissera, a voz dele tinha um timbre tão melódico que até parecia voz de cantor.

– Qual é cara? - ela respondeu num ímpeto, atraindo a atenção de alguns dos colegas. – Não tem nada melhor pra fazer, não?

Karina Araújo - uma loira de cabelo comprido e uma das melhores amigas de Milena -, saiu do aglomerado de amigos com os quais conversava e veio depressa em auxílio da amiga.

– Ei, não precisa reagir tão mal a uma crítica... - dizia o moreno, mas Karina não o deixou continuar.

– O que acontecendo aqui, César? - questionou ela, metendo-se entre os dois e logo o empurrava de lado, afastando-o da carteira de Milena. – Por que você deixou ela brava? Essa é a amiga que eu te falei... - avisou, tentando transmitir a ele qualquer coisa com o olhar.

César não captou a mensagem. Em pouco mais de uma semana, Karina lhe falara de uma dúzia de amigas - pois Karina era daquele tipo de pessoa que se enturmava rápido, e mais rápido ainda ficava inteirada da vida de todos. Assim, antes que César entendesse o que os olhos de um azul claríssimo queriam dizer, Milena ajuntou os materiais e deixou a sala feito um tiro.

– Ei, Estressadinha! Calma aí... - exclamou ele e já partia atrás dela, mas Karina o segurou.

– Deixa quieto.

Ele só se deteve por causa do tom pesado e sério da loira.

– Que vacilo, César! A Milena passando por uma fase difícil. Foi ela que perdeu o namorado em um acidente de carro.

César piscou abalado. A notícia teve um efeito similar ao de uma bomba em seu íntimo. Endireitou a postura e ficou encarando Karina por alguns instantes, sem saber o que dizer.

– Foi mal... - ele falou por fim.

– É, foi mesmo! Ela só passou de ano porque os professores ajudaram. E esse semestre ela quase não veio pra aula.

A cada instante César se sentia pior.

– Eu não imaginava... Vou lá pedir desculpas!

– Esquece! Ela já deve estar no ponto de ônibus agora.

– Mas com sorte ainda alcanço ela! - retrucou e saiu correndo.

ooOOOoo

Caminhando com passadas arrastadas e os olhos grudados no chão, Milena resmungava:

– Sujeitinho sem graça! Até meu priminho de três anos faz melhor... E quem aqui está querendo ser Drummond?

Lutando por Justiça (Me Deixa Ficar no Lugar Dele)Onde histórias criam vida. Descubra agora