Capítulo 3 - Uma visita noturna

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A casa estava completamente escura e silenciosa, o único barulho possível de ser ouvido eram as serenatas dos grilos e cigarras, junto ao som de corujas. Essa hora da noite, qualquer barulho baixo era um estrondo. O clima gótico de um sítio costuma ser muito medonho pra quem nasceu e foi criada na cidade, tudo parecia espontaneamente sinistro, cheio de mistérios e acontecimentos sobrenaturais. Era impossível não esperar espíritos malignos saírem do além para mover cadeiras na cozinha ou vagar pela casa arrastando correntes quando a noite caía.

Na altura desses dois anos morando com meus avós eu ainda me sentia desconectada do lugar. Quase não dormia direito, acordava de madrugada para sondar as sombras conferindo se elas estavam no mesmo lugar de antes em meio ao breu do quarto, se as portas e janelas estavam devidamente fechadas. Era muito comum acordar com pesadelos estranhos que mesclavam o acidente de carro e as histórias que minha avó nos contava nos dias de fogueira, tudo parecia se complementar dentro da minha cabeça de alguma forma incompreensível.

Dias atrás havia sonhado com um automóvel girando em câmera lenta e os vidros espatifados que ficavam estáticos no ar, até que surgiam as luzes coloridas, verdes, lilás e vermelhas, todas juntas vagando devagar e contornando os vidros aos pedaços e então caía bruscamente no chão e os vidros eram jogados para todos os lagos possíveis, em cacos. Nesse momento um barulho alto na minha cabeça me fazia lembrar do acidente, os vidros se partindo e o barulho dos ferros sendo amassados pela forte colisão com o solo e então eu acordava aflita, sem poder respirar, gritava até que a vovó aparecesse na porta com uma vela acesa para me ajudava a controlar a respiração.

Tudo era muito confuso e piorava cada dia mais, muitas vezes eu evitava esses transtornos fazendo o possível para não dormir, tirava cochilos leves e acordava assustada com algum barulho do lado de fora e imaginava ter visto uma sombra na janela ou no canto das paredes dentro do quarto. Deitava na cama e relembrava as canções que meus pais cantavam pra mim quando eu era pequena, entre uma história e outra antes de dormir, completamente relaxada. Eu as cantarolava e fechava os olhos, imaginando minha mãe cantá-la para mim ao pé da cama. Com dificuldade pra dormir, resolvi repetir o ritual de sempre, fechei meus olhos e cantei a canção de ninar, quando ouvi passos rasteiros atrás da porta. Me encolhi e abri os olhos, assustada, buscando algum feixe de luz para descobrir de onde o barulho saía.

— Baba? — disse controlando a voz.

Os passos pesados fizeram a madeira velha ranger do outro lado. Ouvi os passos novamente se aproximando da porta do quarto devagar, quando algo bateu uma vez na porta. Toc toc.

— Vovó? — disse assustada. — Fred, é você? — apalpei a cama procurando a gata Ziav e encontrei uma bolota de pelos longos enrolada em si mesma em cima da coberta grossa.

Toc toc, uma nova batida na porta de madeira fina.

— Vô, é você? — havia me lembrado que meu avô costumava voltar tarde da cidade, poderia ser ele sonâmbulo.

Todos os meus pelos do corpo se arrepiaram instantaneamente com a nova batia e nenhuma resposta, me encolhi na cama puxando a coberta na altura dos olhos. Era tudo uma só escuridão, eu podia enxergar muito pouco tendo a lua cheia no alto do céu iluminando uma pequena parte do quarto. Corri os meus olhos pelo quarto, procurando alguma possível assombração, quando uma voz feminina muito fina e rouca sussurrou atrás da porta "Toc toc".

— Quem é? — falei com firmeza, tentando provocar medo em quem quer que estivesse atrás da porta. Sem sucesso, minha voz saiu tremula e falhada.

"Baaaaaaa...", a voz fina e rouca falou pausadamente, ecoando a palavra confusa no silêncio da casa, "Baaaaaa...".

BABAOnde histórias criam vida. Descubra agora