Capítulo 6 - Bicho Papão

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De repente a casa começou a tremer, fazendo-me despertar com pressa. Ainda era madrugada e algo lá fora havia me despertado, todos os móveis antigos de madeira rústica começaram a se mover, muitos artigos de cozinha e livros das estantes começaram a cair no chão, o fogo da lareira crepitava. Me apoiei rapidamente na estrutura de pedra da lareira, imaginando que ela pudesse me sustentar enquanto tudo vinha a baixo. De repente toda a estrutura da casa subiu de repente, era possível ver as árvores pela janela cujos galhos da copa batiam no vidro, ameaçando quebrá-los, folhas se rasgavam e caíam, fazendo um barulho confuso para os ouvidos.

De longe avistei através da paisagem atrás do vidro da janela pássaros voando para o céu, que a essa altura parecia estar próximo das mãos. As coisas pararam de cair quando um barulho alto de madeira rangendo, de todos os lados, começou. Era possível imaginar a casa se espreguiçando no meio da floresta quando de repente ela começa a andar, devagar e desajeitada. O barulho do solo, como se um gigante estivesse se aproximando dela, era abafado por toda a estrutura de madeira velha da cabana. Cada passo era um novo tremor, eu me agarrava firme nas pedras da lareira. Uma coisa era certa, os lobos não poderiam mais me alcançar, respirei aliviada.

Me aproximei com cautela da janela assim que a casa parou de se movimentar, olhei para baixo e meu coração disparou dentro do peito, eu estava a aproximadamente três metros de altura, se não mais. Me afastei da pequena vidraça como se tentasse não pisar em falso e acabar caindo lá embaixo; se ela subiu em algum momento ela desceria e não seria nada agradável. Me agarrei novamente nas pedras, buscando uma solução rápida na minha cabeça, não havia como sair de lá, somente pulando na árvore mais próxima e escorregando para baixo e isso exigia uma habilidade que eu não tinha.

— Só pode ser brincadeira! — resmunguei, buscando um objeto mais próximo de uma corda possível. — Só pode ser brincadeira! — repeti para mim mesma em bronca.

Era uma casa pequena, como uma cabana abandonada no meio da mata. Completamente em madeira rústica e velha, tão velha que a casa rangia completamente do teto ao piso. A única estrutura mais firme ali dentro era a lareira, feita totalmente em barro e pedras. Os móveis eram todos feitos com a mesma madeira da estrutura da casa, alguns eram tão rústicos que ainda se pareciam sua matéria prima, um tronco cortado de árvore, torta e pesada. O tapete e a cortina eram feitos de remendos de panos diversos, tão coloridos que lembravam a casa de uma idosa. Só havia um salão principal não tão grande, onde era a cozinha com mesa e cadeiras e a grande lareira que servia também como fogão, com um grande caldeirão de ferro vazio e um banco longo coberto por retalhos que pareciam uma pequena cama do outro lado, como em qualquer fazenda ou sítio, o banheiro com certeza seria do lado de fora.

Tudo ali parecia velho e sujo, mas ainda assim muito aconchegante. Uma pequena escada de madeira em caracol levava para o alçapão, aproveitei a estabilidade completa para averiguar o que havia lá em cima. Subi as escadas e avistei um pequeno quarto e gaiolas enormes cheias de palha. Conhecendo bem a rotina de um sítio, era óbvio que eram gaiolas para abrir animais, me aproximei de uma delas e dei de cara com algumas crianças encolhidas, se agarrando umas nas outras.

— O que vocês fazem aqui? — busquei algum rosto conhecido e todos os rostinhos estavam sujos com fuligem.

— Zelenka! — disse a voz atrás de mim, chacoalhando as grades das grandes gaiolas. — Sou eu, Zarek!

— Zarek! — falei aliviada, correndo até a gaiola e apertando-lhe as mãos com euforia. — O que vocês fazem aqui?

— Estamos presos! — disse o óbvio. — A velha nos pegou durante a noite e nos colocou nessas gaiolas, quando cheguei já tinham muitos de nós... — soluçava. — Precisamos sair daqui, ela voltará logo! — alertou-me, seus olhos estavam arregalados e quase saltavam para fora.

— Quem vai voltar? Quem mora aqui? — analisei os rostinhos sujos. Eram Mazek, Stanislau, Zorana e Caitria também estavam lá!

— Ela, a bruxa! — disse trêmulo, as crianças começaram todas a chorar.

— Se acalmem! — disse alto, tentando confortá-los. — Vou soltar vocês, mas não faço ideia de como vamos sair daqui.

Averiguei os cadeados enferrujados e procurei a chave por toda a casa, não a encontrei. Busquei algum ferro fino que coubesse na fechadura, tentei abrir algumas e não obtive nenhum sucesso. Resmunguei, jogando o ferro para longe.

O vento soprou forte lá fora, era possível ouvi-lo uivar, quando uma gargalhada medonha soou de longe, fazendo todos gritarem e choraram, encolhendo-se uns nos outros novamente e cobrindo seus grandes e assustados olhos. Corri para a grande janela e olhei ao redor, procurando a tal figura e não a vi.

— É ela, ela está voltando! — disse a pequena e gorducha Anninka, irmã mais nova de Zorana, em pleno desespero. — Esconda-se! — alertou.

Finalmente eu conheceria a figura tão temida das lendas! Um arrepio subiu pela minha espinha e me encolhi no canto ao lado de uma das gaiolas e me mantive quieta. Eu precisava achar um jeito de roubar as chaves.

O chão tremeu em cada passo pesado, as crianças não falavam sequer uma palavra. A sombra enorme e negra surgiu diante do quarto, crescendo ainda mais enquanto andava e se aproximava das gaiolas. As mãos de galhos secos se esticaram e abrindo a pequena porta de grades de ferro enferrujado tirou de lá uma delas que imediatamente soltou um grito agudo de medo, fazendo todas as outras começarem a chorar ao mesmo tempo.

— Calem todos! — a voz arranhada e rouca falou alto em ordem. — Calem-se danadinhos! — soltou uma risada alta e grotesca.

Olhei para a sombra na parede feita através da vela acesa, um arrepio correu rápido pelo meu corpo. A grande sombra abriu uma boca enorme e cheia de dentes e em um só movimento, colocando o pequeno corpo no alto, engoliu a criança em uma só bocada. As crianças assustadas se encolheram, temendo serem os próximos.

A sombra voltou a enfiar seus longos braços finos dentro da gaiola, procurando uma nova criança quando me levantei rápido, colocando-me diante da porta e gritei o mais alto que pude. A criança já estava no alto, pronta para ser devorada.

— Coloque-a no chão! — disse com firmeza, olhando a sombra sem forma. — Coloque-a no chão agora! — insisti, a voz firme.

A sombra soltou de uma só vez o corpo da criança, fazendo-a cair. Ouvi algum osso se partir, estremeci. A sombra gritou furiosa e se esticou completamente para me alcançar, correndo até mim em passos largos e pesados, o chão tremia e a chão de madeira poderia quebrar a qualquer momento, bem próxima de mim cresceu e me engoliu com a grande boca. Não havia para onde fugir, estava tudo escuro agora. 

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