Capítulo 1 - Nunca sorria para desconhecidos

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A primeira vez que Sara a viu foi no campus da faculdade. Sentada na grama conversando com suas melhores amigas Nanda e Mari, ela tinha uma visão ampla de todos que chegavam à entrada do prédio. Por isso, aquele era o melhor lugar no campus. A garota chamou sua a atenção por ser diferente de todos os outros alunos. Não carregava nenhum livro ou caderno nos braços, também não parecia com pressa pra chegar, pelo contrário, andava calmamente direto para o seu destino até perceber que estava sendo observada.

Sara a olhou de cima a baixo, a garota usava um tênis branco, calça jeans rasgada nos joelhos, uma blusa preta com as mangas enroladas e um boné azul. Mesmo de longe dava pra ver os cachos bem definidos do seu cabelo preto que ia até um pouco abaixo dos ombros. Geralmente ela não gostava de garotas que usavam boné, dava um ar muito masculino e bruto. Mas assim que a garota parou de andar, seus olhos se encontraram e suas covinhas ficaram a mostra quando sorriu, Sara se permitiu abrir uma exceção.

Mari contava uma nova versão da história sobre como o ex-namorado não aceitava o término, foi Nanda quem percebeu que Sara sorria de volta para alguém.

– Quem é aquela? – perguntou, Mari seguiu o olhar das amigas.

– Não sei. Mas é uma graça, né?

– Sério amiga? – Nanda perguntou confusa – Eu jurava que você gostava mais do tipo, sei lá...

– Feminina e delicada? – tentou Mari.

– Sabe, nem todas as meninas por quem eu vou sentir atração vão ser exatamente igual à Bárbara.

As amigas congelaram. Assim que o namoro delas terminou o nome de Bárbara foi banido. O primeiro relacionamento sério de Sara durou exatamente um ano. Bárbara não viu grandes problemas em terminar o namoro no exato dia do aniversário. Já Sara não encarou muito bem. Na verdade, durante os 364 dias de namoro, Sara acreditou que tinha encontrado a pessoa certa, aquela que fez as músicas bregas de amor fazer sentido. Elas formavam aquele tipo de casal que terminavam as frases uma da outra e ninguém gostava de ficar muito tempo perto delas por serem tão melosas. Mas foi preciso só um dia pra reverter toda a ideia de amor verdadeiro. Que na opinião de Sara agora: É uma mentira que só serve pra iludir garotas ingênuas.

– Mas foi você quem disse que ela é o seu tipo. – Nanda disse – Ou era?

– Eu não sei. – Sara admitiu – Eu não fico com ninguém desde – engoliu em seco e voltou a usar o codinome da ex – vocês sabem quem...

– A gente podia ir naquela balada que você gosta nesse fim de semana. – Mari sugeriu. – Quem sabe se descolar um beijo você saia da fossa.

– Eu não estou na fossa. – disse com firmeza – Além do mais, aquele era o lugar favorito dela. – Sara respirou fundo e olhou de volta o lugar onde a garota passou, ela não estava mais lá.

– E se a gente fosse no cinema? – disse Nanda.

– Tá maluca. Esqueceu quem trabalha lá? – Mari se referiu ao ex-namorado.

– Então vamos na praia sábado? – sugeriu Sara.

– Não dá. – disse Nanda – Tô naqueles dias.

Sara suspirou derrotada.

– Quando foi que a nossa vida social virou esse fracasso? – Mari perguntou.

– Pelo menos a gente ainda tem uma à outra. – disse Nanda.

– Eu sei que você disse isso na intenção de ajudar, mas eu ainda tô na pior... – disse Mari.

Nanda viu a hora no celular e avisou que as aulas estavam prestes a começar. Como todas as três fazem cursos diferentes cada uma foi pra um lado com a promessa de que se reencontrariam no refeitório.

A aula de hoje era um seminário, Sara fazia anotações e se lembrou de prestar atenção na reação do professor, já que o seu grupo seria o próximo a se apresentar. Infelizmente, o grupo era um dos piores que já viu. Dos quatro alunos apresentando estava claro que apenas um tinha feito todo o trabalho. Era ele quem corrigia os colegas e passava o slide no tempo certo. Os outros liam todas as informações direto do papel e um deles na hora de apontar para a foto do autor de referência no quadro pareceu confuso.

– Espera, quem é esse ai?

– É o autor que a gente tá apresentando. – respondeu o menino do slide.

– Mas não era o Machado de Assis?

– Esse é o Machado de Assis. – respondeu sem paciência.

– Ele é negro?

O professor tirou os óculos e esfregou o rosto. Sara riu e voltou a anotar em seu caderno. Sem querer ela começou a pensar que Bárbara teria gostado de ouvir essa história. Ela contaria com detalhes as reações do professor, como o grupo era desajeitado e Sara reencenaria os melhores momentos só para fazê-la rir.

Quando tentou se lembrar do sorriso de Bárbara algo estranho aconteceu. De repente surgiu a imagem da menina de cabelos enrolados. O jeito com que ela sorriu quase como se já a conhecesse a intrigou. Seu estômago vibrou de uma maneira engraçada quando ela se imaginou tirando aquele boné pra poder ver melhor rosto dela. Sara se repreendeu por pensar nisso, mas se amor à primeira vista fosse real, ela imaginou que seria algo parecido com isso.

Uma das meninas do grupo retomou a aula lendo suas anotações sem ousar olhar os alunos a sua frente. Ela segurava os cartões com tanta força que dava pra ver os nós de seus dedos ficando brancos. No meio da frase os cartões caíram espalhados pelo chão. Sara olhou na direção do professor e viu que ele estava batendo a cabeça contra a mesa de leve. Um pouco acima, onde o professor estava alguns minutos antes dele se auto lesionar, Sara viu a garota misteriosa outra vez pela abertura na porta.

A garota não tinha um celular nas mãos, mas estava claro que falava com alguém. Sara quase levantou da cadeira com o susto. Procurou ver com quem ela falava, mas não viu ninguém. O professor percebeu o movimento de Sara.

– Navarro! – ele chamou – Nossa estudante exemplar, diz pra mim que você tem uma observação digna para salvar seus colegas.

O grupo olhou para ela. Dava pra sentir o desespero daquele aluno que passava os slides. Sara quase podia escutar o pedido de socorro que ele emanava pelo olhar.

– Posso ir ao banheiro?

O professor pareceu decepcionado e estranhou a pergunta já que não é comum alunos da faculdade pedirem permissão a nada. No caminho, Sara ajudou a menina tímida a coletar os cartões do chão e quando saiu da sala se arrependeu ao se deparar com o corredor vazio. Mesmo sem ideia de aonde a garota foi, ela confiou nos seus instintos e seguiu o corredor ficando na ponta dos pés de cada porta pra ver se a encontrava.

A cada passo Sara se perguntava o que estava fazendo. O que esperava que a garota misteriosa dissesse a ela? E o que Sara queria dela? Não tinha resposta pra nenhuma dessas perguntas e ainda assim a cada porta que passava sua esperança de encontra-la aumentava.

Quase passou direto pela porta do almoxarifado sem se importar em olhar, mas um movimento na sala chamou sua atenção. Lá estava ela. Sentada em frente a um computador digitando rápido. Na verdade, a menina estava na frente de três monitores e pode ver que usava dois teclados diferentes. Sara pensou que ela até poderia ser aluna de T.I., mas o prédio ficava do outro lado do campus a mais de vinte minutos dali. E outra, por que ela estava na sala do zelador?

Olhando assim, mais de perto Sara pode ver que os olhos da menina eram castanhos, mas não iguais aos de Bárbara. Contra a luz do sol os olhos da ex ficavam quase âmbar e os da garota da informática eram bem mais escuros. Vez ou outra a menina mordia o dedo mindinho e voltava a digitar em uma velocidade quase sobre-humana. Ela estava tão distraída observando que quando percebeu que havia uma pessoa parada atrás dela era tarde demais.

Quebrando regrasOnde histórias criam vida. Descubra agora