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Me diga algo, diga algo novo

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Me diga algo, diga algo novo.

Chegar a nossa casa mais cedo do trabalho nunca foi tão angustiante. A visão do corpo dele escondendo o dela e arrastando as mãos imundas por sua pele me fez enxergar nada mais do que vermelho. Avancei e soquei o quanto pude até ouvir seu grito desesperado e prestar atenção ao que estava acontecendo ao meu redor. Minha mulher tremia com minha filha nos braços e pedia para eu não fazer isso na frente dela então subitamente eu parei e David levantou o filho da puta que fez questão de falar sobre Nova York. Me virei para Lara quando eles saíram e cada vez que eu tentava me aproximar ela se afastava, eu sei que as lembranças a torturavam tanto quanto a mim. Cada degrau que ela subia com Eduarda nos braços me fazia querer correr e agarra-la contra mim, mas eu sei que não é o momento.

Olho em volta e noto a bagunça que está na casa e começo automaticamente a catar os brinquedos e jogar no cesto, coloco o tapete e o cercado no lugar, varro os cacos da mesa que empurramos quando caímos no chão e juntando tudo em sacos vou até a porta de casa e ogo no cesto que fica do lado de fora. Senti a brisa do final de tarde de encontro ao meu corpo e fiquei ali por um tempo esfriando meu sangue que corria mais quente que o normal por minhas veias. Ed era meu amigo, ao menos eu pensava que sim, nos conhecemos desde moleques e montamos nossa banda na garagem do pai do David por volta dos 15 anos de idade. Foi quando conhecemos Lara e sua irmã, elas eram da vizinhança e volta e meia passavam devagar em suas bicicletas desejando ouvir um pouco do nosso som, todos nos encantamos pela beleza das duas irmãs, mas Lara arrebatou meu coração.

Quando toquei I don't want miss a thing do Aerosmith e ela cantou de volta com os olhos fechados e no momento em que a música acabou ela abriu os olhos eu me perdi naquela imensidão verde. Eu nunca a tinha visto de tão perto a ponto de notar a cor dos seus olhos, sempre que me lembro disso acho que me apaixonei ali. Éramos tão jovens e imaturos, nossa banda cresceu, começamos a tocar em bares locais e eventualmente em espaços um pouco mais conhecidos e eu a levava para todo canto. Assumimos o namoro com 16 anos, os pais dela me odiavam, eles não queriam sua menininha com um roqueiro com a família desestruturada, mas eu mostrei que eu podia cuidar bem da filha deles e hoje tenho a estima de ambos. Formamos no colégio, ela entrou na faculdade e eu segui com a banda em turnê, fazíamos muitos shows pelo mundo e tudo que eu sentia era saudade, o tempo era tão apertado para nos vermos, muita gente não acreditava em nosso relacionamento, poderiam não expor mas pensavam que não daríamos certo mas aos 22 anos nos casamos e em seguida veio a nossa menina que hoje tem três anos.

Desandamos algumas vezes porque nenhum relacionamento é perfeito, mas seguimos juntos e eu faria tudo por ela. Dei a volta para entrar em casa e encarei a escada por alguns segundos, eu não queria subir para encontra-la lá em cima, eu sei como ela se sente quando lembra daquele dia.

As memórias são claras para mim também.

Sento no sofá da sala e passo a mão devagar no corte e sinto latejar, o sangue secou mas a dor de cabeça é latente. Fecho os olhos mas escuto seus passos se aproximando e ela para diante de mim acariciando devagar o local do corte, abro os olhos e a vejo colocar a maleta de remédios ao meu lado, mas não posso evitar perceber que ela está arrumada.

Muito arrumada.

Seu vestido de renda branco com mangas longas faz um contraste forte com seu cabelo preto, seus saltos também pretos absurdamente altos e a porra do batom vermelho. "Lara, a gente precisa conversar e não fugir. Eu não consigo mais". Ela engole seco e continua os movimentos mecânicos pegando os remédios e limpando meu ferimento, minha cabeça recua para trás em reflexo e esse é o momento que seus olhos carregados em sombra preta param nos meus. Eu busco desesperadamente pelos dela.

Você está fazendo todo mundo de bobo, Lara. Nenhuma falha enquanto você finge.

Ela acariciava meu rosto enquanto limpava meu ferimento, minha angústia só aumentando. "Você vai sair com ele, Lara?" Seu corpo ficou rígido em minha frente, sua postura ereta em desafio quando ela cuspiu. "Eu não sei do que você está falando". Seus olhos verdes inflamaram em direção aos meus, e eu mais uma vez não tinha nada. "Não consigo, eu não aguento mais isso, Lara". Ela jogou todos os remédios e curativos apressadamente na maleta e se virou para a cadeira onde sua bolsa estava, pegou e pendurou a alça em seu ombro, cruzando os braços em uma postura defensiva. "Então peça o divórcio Harry. PEÇA!!"

"Estava tudo bem porra, antes do filho da puta vir aqui, por que Lara? Eu não quero perder você".

Sua postura vacilou e seus olhos brilhavam suspeitosamente enquanto ela desviava os olhos dos meus seguindo firmemente até a porta da nossa casa. "Não me espere acordado". 

Horas depois, sentado no mesmo sofá onde ela me deixou encarando a babá eletrônica que mostrava uma Eduarda dormindo tranquilamente, escuto o som da sua chave destrancando a porta e o que eu vejo não podia quebrar mais meu coração.

Eu acreditei em você. Eu dei tudo só para te encontrar, mas você está levando tudo de mim.

Seu vestido branco estava sujo, seu batom vermelho era apenas uma sombra em seus lábios carnudos, seus saltos estavam em suas mãos e seu cabelo estava desgrenhado como fica depois que fazemos amor da maneira mais intensa que é possível.

Você deixou ele foder você essa noite Lara?

Fiquei em pé olhando enquanto ela trancava a porta atrapalhadamente.

Ele pagou seus drinques? Você deixou ele sentir o sabor da bebida em sua língua?

Ao notar a minha presença na sala seus lábios entreabriram, seus olhos perdidos em mim. "Harry...". Ergui o indicador e fechei os olhos enquanto puxava uma longa respiração, o ar enchendo meus pulmões que eu podia sentir queimar. Abri os olhos devagar e comecei "Não perca seu tempo Lara, eu não vou brigar com você esta noite. Só quero avisar que amanhã temos um show aqui, você precisa ficar em casa para cuidar da Eduarda". Dei as costas e subi para o nosso quarto me jogando na cama e fazendo um esforço para dormir antes que eu pudesse perceber se ela escolheu a nossa cama ou a poltrona no quarto da nossa filha.

Eu não preciso das suas palavras mordazes, eu não preciso que você me castigue mais Lara.


Notas: AMANDO a interação de vocês, os votos, comentários e surtos. Isso me dá um ânimo para escrever mais que vocês não fazem ideia.

Acreditem quando digo que estou sofrendo também. 


Her - (Hes)Onde histórias criam vida. Descubra agora