15 anos
Essa é uma batalha que vamos vencer.
A porta bate e meus olhos fecham com o som dos passos dele se aproximando pelo corredor. O ranger da madeira do assoalho provoca arrepios em minha pele e sua voz carregada de ódio e bebida é o único som que ecoa pela casa. O tapa faz minha porta abrir ao mesmo tempo que estou enfiando umas mudas de roupa na minha mochila, meu olhar levanta para o dele, para o cara que um dia eu tive como modelo de pai e marido. Não mais. "Moleque filho da puta para onde você pensa que vai?" Ele range os dentes amarelados pelo uso continuo de nicotina e chega perto de mim cambaleando, o excesso de álcool evaporando pelos poros, o cheiro contaminando todo o ar em volta dele.
Tóxico, assim como sua presença.
"Se você der mais um passo na minha direção eu vou me defender". Ele não daria conta de mim, o cara é um porco e tá podre de bêbado. Resignado ele dá meia volta e sai do quarto me deixando em paz. Sento na ponta da cama e coloco meu coturno, termino de arrumar a mochila e assim que puxo o zíper ouço sua voz chamando na porta. "Filho, para onde você vai?" Me viro e encontro os olhos verdes e cansados da minha mãe. "Eu vou para escola mãe e depois para casa do David, vou ficar uns dias por lá. Pense na possibilidade de ir para casa da tia, por favor". Ela balança a cabeça em concordância e me dirige um sorriso que não tinha a menor dose de alegria. Eu sei que ela não vai deixar o filho da puta sozinho, ele é um doente mas ela é leal. Sua maior qualidade virou contra ela.
Jogo a mochila sobre o ombro e deixo um beijo em sua bochecha pálida antes de sair do quarto deixando essa casa. Saio sem olhar para trás e a medida que vou me aproximando da casa de David sou tomado por alivio, é como se eu pudesse voltar a respirar. Ele está parado em frente a garagem com os olhos fixos do outro lado da rua e eu viro a cabeça na mesma direção e vejo duas meninas saindo pelo portão da casa em frente. Sorrio de lado quando chego perto dele que ainda encara as garotas e só nota minha presença quando ouve o barulho da minha mochila atingindo o chão.
"Cara, dá uma olhada nas minhas vizinhas". Levanta o queixo e eu viro para olhar e me deparo com uma das meninas nos avaliando descaradamente enquanto a outra não dá a menor importância se virando rápido e pegando uma bicicleta. O sorriso dele aumenta quando a loira joga o cabelo para trás do ombro e sorri largo para nós dois e em seguida acena se despedindo. "Bonitas, se mudaram quando?" Ele dá de ombros e se vira para garagem entrando no espaço comigo no seu encalço. "Pouco tempo, eu só tinha visto os pais, primeira vez que vejo as beldades. Curti a loirinha".
Ele sorri coçando o queixo com a sombra do que pode ser uma barba no futuro. "Pelo sorriso parece que foi recíproco". Ele dá risada e eu retribuo, David é um cara bonito e sabe como usar isso a seu favor, quando ele quer alguém, ele consegue. Eu tenho meu tempo de diversão com algumas meninas da escola, ando com uns caras mais velhos o que aumenta ainda mais minhas possibilidades. Mas tenho apenas diversão, uma distração da realidade de merda dentro de casa.
Sou retirado dos meus devaneios quando ouço a voz de David mais perto de mim. "Ei cara, e como estão as merdas em sua casa?" Levanto meu olhar para ele enquanto puxo a mochila sobre o ombro de novo. "Como você mesmo disse, estão tudo uma boa merda" Balança a mão livre em frente ao rosto querendo que ele deixe o assunto pra lá. Ele não se convence. "Cara, pelo tamanho da sua mochila vou imaginar que você precisa de um lugar para ficar uns dias blz? Fica aqui em casa, tem um quarto sobrando e meus pais adoram você mano".
Jogo a mochila num canto e sento no chão, sobro os joelhos e apoio os braços neles pensando em como começar a falar. "Ele continua bebendo como uma maldita esponja". Balanço a cabeça de um lado para o outro e fecho os olhos abrindo em seguida quando vejo David sentar diante de mim e imitar minha posição esperando que eu continue. "Ela não vai deixar ele, eu sei que não". Posso sentir meus olhos começarem a arder e levanto a cabeça olhando para o teto em busca do mínimo de controle. "Pedi para que ela fosse morar com minha tia e ela recusou, ela é leal a ele. É doentio". Não gosto de compartilhar minha vida com os caras, mas David é meu melhor amigo, o cara é um irmão, mas não gosto do olhar de piedade que ele me dirige agora.
Pena em sua forma mais pura.
Sou um fodido orgulhoso, levanto e jogo a mochila sobre os ombros. "Vamos para escola, a gente vai se atrasar". Ele balança a cabeça em concordância aceitando que a conversa acabou ali.
Sento no fundo da sala como de costume e quando as pessoas que eu costumo conversar me cumprimentam me limito a levantar a cabeça em resposta. Sinto como se um mínimo de toque fosse me fazer explodir então me mantenho em uma distância segura, olhando para o quadro limpo na frente da sala, até que todo mundo se vira para porta e algumas conversas paralelas encerram e eu faço o mesmo que todo mundo logo eu vejo a vizinha do David entrar na sala, claramente ignorando o tempo frio dentro dos seus shorts jeans curtos, ela logo senta na cadeira perto da porta como se estivesse se preparando para fugir a qualquer instante. As pessoas desviam os olhares e voltam a cuidar das suas vidas mas eu não.
Eu continuo olhando a analisando de longe e como se ela sentisse meus olhos cravados em suas costas me olha por sobre o ombro e eu vejo de relance os olhos que antes estavam escondidos sob seus óculos escuros. Seriam cor de mel? Verdes? Ela desviou tão rápido que não pude ver. Vejo Ed colocar a cabeça na porta e depositar um beijo na testa dela, ele é da mesma turma do David então está em outra sala. O cara conhece todo mundo. Ele me cumprimenta e levanto o queixo em saudação, ela não vira para trás novamente, mas como é recém chegada logo descubro que seu nome é Lara.
Sussurro seu nome baixo, repetindo quando os colegas dão um 'seja bem-vinda Lara' em coro. Falo apenas seu nome, eu gosto de como ele soa em minha boca.
Lara.
Notas:
Vamos ter alguns capítulos deles jovens, mostrando como se conheceram e como a história deles começou.
Serão um pouco menores do que os outros porque servem para contextualizar a dinâmica do relacionamento entre os personagens.
É isto.
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Her - (Hes)
FanfictionSua pele. Seu perfume. Seu olhar. Sua devoção. Seu beijo. Seu amor. Seu adeus. Ela. [LIVRO I - COMPLETO] [+16] tw: contém gatilho.