Klizvand

1 0 0
                                    

Klizvand jazia em cima de uma mesa. Marcie já estava ali sentada chorando há três dias. Seus olhos estavam fundo, e de tanto chorar, as lágrimas secaram e os olhos ficaram avermelhados de tão ressecados. Sua boca estava rachada, a pele brilhando por causa da oleosidade, e o cabelo acinzentado caía sobre a face.

Klizvand perdera toda a cor que pudera um dia ter tido. No peito havia uma estaca de madeira, exatamente entre os pulmões. Marcie já havia tentado removê-la, mas sem sucesso. Sua carne estava rígida e não mostrava sinais de decomposição, a não ser pelo globo ocular que estava completamente enegrecido.

James havia solicitado a ajuda de grandes magos da dimensão filosófica e eles chegariam para examinar o cadáver naquela tarde. Eram três da tarde quando James entrou no cômodo.

— Eles chegaram, querida — disse entrando silenciosamente.

Marcie parecia não ouvir.

Seus pensamentos vagavam. A morte de Klizvand já era prevista por ela desde quando ele saíra de casa. Sabia que ele estava por fazer algo ruim e que em algum momento iria pagar por isso. Ele se parecia com o pai: bonito, forte e com olhar intimidador. Mas ela não sofrera menos por isso. O criara com todo amor possível.

Lembrara-se de um de seus almoços com ele, quando colocava os pratos na mesa. Não servia carnes, esperava que assim o desejo dele por sangue não despertasse. Chamara-o para almoçar e depois de alguns minutos ele entrara pela porta dos fundos. Parecia assustado. Marcie então vira suas mãos, havia algo nelas. Uma gota de sangue caíra no chão. Ele disse que não queria matá-lo. Ela o fez enterrar o pequeno pássaro.

Josh entrara no cômodo, sem tanto esforço para fazer silêncio quanto James. Mas preferira ir para o canto e ficar nas sombras. Ainda sentia muito ódio de Klizvand. Sua vontade era desmembrar o corpo e atear fogo e apenas ficar observando qualquer resto dele. Só não o faria em respeito à Marcie. Então encostou-se numa pilastra e lá permaneceu.

— Marcie? — Chamou James.

— Eles podem vir. Já estou de saída.

— Você não precisa sair — disse James pousando a mão em seu ombro.

— Eu não conseguiria ver o sofrimento do meu filho morrendo, nunca — ela se levanta lentamente e olha para James e depois para Josh. — Só peço que deixem o corpo como está quando terminarem.

— É claro, querida.

Marcie segurara a mão de seu filho, lhe dera um beijo na face esquerda, arrumara seu cabelo e saíra cabisbaixa.

Josh se imaginara tirando a estaca do peito do vampiro e enfiando em seus olhos, e quando percebera estava a dois passos da mesa. Os magos entraram, Josh os cumprimentou com um aceno de cabeça e voltou para a pilastra.

* * *

Eles começaram. Primeiro um círculo surgiu ao redor da mesa, deixando James e Josh do lado de fora. Era como um globo de energia transparente e em movimento. Cinco minutos haviam passado e nada havia se alterado, os magos permaneciam na mesma posição: em pé com as mãos apontadas para o corpo. Só então Josh percebeu o que estava acontecendo e dera uns passos à frente para ver melhor.

Os poros da face de Klizvand se dilataram lentamente até se rasgar, revelando a carne que estava num tom avermelhado que se aproximava do marrom. As veias e artérias saltaram da carne e se romperam, uma a uma, mas sem derramar uma gota de sangue sequer. Não havia sangue. Os tecidos fora se derretendo, se tornando uma gosma vermelha.

James teve náuseas ao ver aquilo. Josh por um momento ficara preocupado por Marcie, esperava que eles desfizessem tudo isso, e deixassem o corpo intacto como a mãe pedira.

Minutos depois, o crânio estava completamente exposto, deixando apenas os olhos. Dois dos três magos pegara um olho cada um. A fibra óssea do crânio se desfez até deixar o cérebro completamente exposto. A massa tinha um aspecto gelatinoso asqueroso, entre as ondas dos miolos havia sangue seco. O terceiro mago o pegou nas mãos.

Eles romperam o globo e o terceiro mago pediu para que Josh e James se juntassem a eles e os dois o fizeram.

Então eles se reorganizaram para fechar o círculo de forma a sempre ficar uma parte de Klizvand entre eles. Josh, por exemplo, segurava em uma das mãos um dos olhos do meio-vampiro e na outra tocava o crânio.

Então a magia retornou, ligando todos eles a Klizvand. Josh começou a sentir muito frio, principalmente nas extremidades do corpo. Os olhos de todos foram forçados a se fechar. O frio se dissipara, mas um peso se abateu sobre os ombros, causando um dor suportável, mas que incomodava bastante.

Quando finalmente reabriram os olhos não viam mais o interior da sala em que estavam. Todos tinham a mesma visão e ângulo: as ruínas de Mortvand. Ainda saía fumaça por entre as pedras. O olhar então se voltou para o chão, vendo de pé o corpo de quem se olhava: Klizvand. O olho piscou quando ficou ligeiramente embaçado, provavelmente por causa de uma lágrima.

Ele começara a caminhar por entre os destroços das paredes de sua antiga fortaleza. Limpou os olhos com uma das mãos e com a mesma pegou uma pedra e atirou com tanta intensidade que devia ter derrubado pelo menos dois orvalhos da floresta à frente.

Um lampejo atrás dele chamou sua atenção, o que o fez virar. Katy o encarava sorrindo de maneira afetuosa. Correu para abraçá-la e ela não negara o gesto. Mas quando olhou para o seu peito, ele vira as mãos dela segurando uma estaca. Forçou os olhos e olhou para seu rosto. Os olhos dela eram amarelos, e não azuis. A face se desfigurou e formou sua verdadeira aparência: Steward.

Fora a última coisa que ele vira antes de morrer.


O Reino da MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora