O beijo e a morte.

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Capítulo 8.

O beijo e a morte

“Não sabes, desgraçada, que os lábios da garrafa são como os da mulher: só valem os beijos quando o fogo do vinho ou o fogo do amor os borrifa de lava?” DE AZEVEDO, Álvares. Noite na Taverna.

Justin Bieber

Ajeitei a jaqueta de couro preta nos ombros e abri a porta do quarto. A luz das lâmpadas do corredor, petulantes, atingiram minhas córneas, fazendo com que minhas pupilas se contraíssem imediatamente e eu espremesse os olhos, incomodado com as ondas luminosas.

Meu corpo, durante as últimas horas, se acostumou tanto com a escuridão que era difícil estar de volta a um ambiente iluminado. Meus músculos doíam, os olhos ardiam e eu tive que me lembrar diversas vezes da minha intenção, para não voltar correndo para debaixo do cobertor como um moleque assustado. 

Eu havia passado o dia na cama. Rolando de um lado para o outro, remoendo as tragédias da minha vida de forma masoquista e desorientada. 

Eram quase seis horas da tarde e, finalmente, eu estava colocando os pés para fora do meu santuário. Estava saindo do quarto, onde eu cultuava lamúrias e sofrimentos, para afogar minhas mágoas em copos de bebida ou no corpo desgastado de uma prostituta qualquer. 

O calor do álcool e do sexo seriam os únicos capazes de me fazer desviar meus pensamentos. O prazer carnal e momentâneo que eles me proporcionariam fariam com que os olhos da cor violeta, que empesteavam meu coração de paixão, desejo e saudade, fossem trancafiados em um baú escondido em meu subconsciente.

Cheguei ao topo da escada que me levaria à sala de jantar, no andar de baixo, e puxei a calça para cima. Se meu detestável avô me visse andando com jeans rasgados e a cueca para fora, com certeza arrumaria uma forma de me prender em casa até que eu me colocasse em “trajes apresentáveis”. Me prenderia em casa até que eu estivesse engomado e banhado por colônias fracas, assim como Isaac... O que, na verdade, seria uma merda, uma vez que eu estava me dirigindo para um bar ordinário ou para o bordel mais próximo.

De repente, na base da escada, avistei um chumaço de cabelos dourados que, em questão de segundos, mostrou fazer parte de uma cabeleira loira que eu conhecia bem. Harriett, em seu vestido preto de babados, carregava alguns lençóis brancos e dobrados, e subia os degraus olhando para os pés. Observei-a por alguns momentos até que seus olhos azuis se levantassem até mim, e, quando assim foi, ela engasgou de surpresa.

- S-s-senhor Bieber! – Ela exclamou, alta e esganiçada, e depois corou, como se tivesse se envergonhado do ato.

Deixei que algumas risadas saíssem por meus lábios ao ver o embaraço da garota. Desci as escadas até chegar a ela e estiquei uma das mãos, para afagar sua cabeça. A menina ergueu o olhar infantil e maravilhado até mim, e, novamente, se forçou a falar:

- D-d-desculpe a surpresa, s-senhor Bieber. Eu re-realmente não e-e-esperava encontrar o s-senhor aqui. P-pensei que estivesse do-doente. 

Balancei os ombros, sabendo que ela se referia ao fato de eu ter passado o dia no quarto. 

- Eu estava sem humor para sair. 

- M-mas o s-senhor já está melhor? 

- Já, sim. – Sorri para ela e pude jurar que o rosa de suas bochechas se tornou mais acentuado. Deixei uma risada leve escapar e depois franzi o rosto, me lembrando da pergunta que atormentava meus pensamentos. - Harriett?

- S-sim?

- Meu avô está em casa? – Quis saber. – Digo, você o viu na sala? 

A menina pensou. Ponderou por tempo o bastante para que eu pudesse analisar sua silhueta. Suas coxas magras me lembravam as de Elizabeth, há vários anos atrás, e ativavam o lado sacana do meu cerébro, de modo que eu maldizesse meus pensamentos poucos segundos depois. 

Alvura Púrpura, por lan.Onde histórias criam vida. Descubra agora