I: O AFOGAMENTO DAS PLANTAS

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— Está morta — anuncio.

— Uhm? — pergunta Lucas, do outro lado da sala. Seus óculos estão pendurados precariamente na ponta de seu nariz. As lentes quase redondas refletem a luz e escondem seus olhos de mim.

— A nossa figueira. Está morta.

— Ah — ele murmura, e os empurra para cima — Que pena. Eu sei como você gostava da figueira.

— Nossas plantas estão todas morrendo — digo — Todas.

Lucas demora para responder. Mesmo longe, consigo ouvir o arranhar de sua caneta tinteiro. Estou em pé, virada para a enorme janela, encarando a chuva torrrencial castigar nosso quintal. Ele está do lado oposto, ao lado das cortinas fechadas, sentado a sua escrivaninha exageradamente grande. Não sei o que escreve.

— É a chuva, meu amor. — Ele diz finalmente — A chuva mata a nós todos.

Rio. Não que ele esteja errado, mesmo que dramático. De onde estou, vendo um mundo tornado instável pelo vidro molhado, tenho todos os motivos para concordar com ele. É como se estivéssemos dentro de uma cachoeira prateada. Lá embaixo, o jardim menor mais parece um pântano. Quando a tempestade passar, vou ter muito trabalho.

— Sua mãe ligou — aviso — Ligou, acredita? Essa história de telefone ainda não me desce.

— Você tem uma alma muito velha, Eco.

— Não é isso — argumento, e, finalmente, me afasto da janela para me sentar em uma poltrona. A lareira no centro da sala me encara com olhos cansados. Dentro dela, há apenas as cinzas da noite passada. — Gosto de olhar para as pessoas enquanto falo com elas. Ou ver os detalhes de sua caligrafia. Essa história de telefone... Lucas, acenda a lareira para mim, hum?

— Peça para Tomás.

— Mas eu pedi para você.

Ele suspira, mas o ruído de sua caneta contra o papel não para.

— Me deixe terminar minha carta, e então, acendo.

Me acomodo melhor na poltrona. Penso na minha figueira. Era para ela ter durado. Foram sementes caras. Quando a chuva acabar, lidarei com os danos. Por agora, só me resta lamentar. Certamente, a culpa não pode ser só da chuva. Não sou a melhor mãe botânica.

Gostaria muito de ser.

— Para quem escreves? — pergunto.

— Minha amante secreta. Ela é uma dançarina francesa e está me pedindo para fugir para Paris com ela. Estou dizendo que minha noiva não sabe cuidar das plantas, então certamente vou aceitar.

— Bem, isso cabe perfeitamente nos meus planos de abandonar meu noivo negligente por um charmoso mordomo chamado Tomás.

— Ótimo.

— Ótimo. Realmente ótimo.

Volta o silêncio. Talvez devêssemos rir, mas por alguma razão, Lucas e eu nunca rimos das nossas piadas. O ar parece fazê-lo por nós, assumindo uma trépida eletricidade.

— Estou escrevendo para seu primo.

Me deixo encarar o teto por alguns segundos de silêncio. Então, me viro para encarar meu noivo.

— Primos, primos. Tenho primos demais. Deixe isso pra lá, por agora. Acenda a lareira.

Ele continua escrevendo em silêncio, e acho que está me ignorando. Ouço-o levantar de sua cadeira atrás de mim. Lucas anda devagar, se apoiando em sua bengala escura. Ele para a minha frente, encarando a paisagem. A luminosidade pálida que banha a sala, tornando todos os pretos foscos e todos os brancos pérola, ilumina o lado bom de seu rosto. Não que o outro seja ruim, esse só é melhor.

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