Capítulo 3

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Louis mexia a panela no fogão com medo de deixar a sopa queimar. Ele era péssimo cozinheiro e nunca fizera nada para melhorar porque nunca fora necessário. Embora possamos comer comidas de humanos, nós deuses nos alimentamos de néctar e ambrosia. Por isso, Louis nunca se dera ao trabalho de aprender algo sobre gastronomia.

Ele se arrependeu de não ter dado atenção para essa tarefa humana antes. Pois, se algum dia tivesse tido interesse em cozinhar, ele não estaria passando essa dificuldade. Louis estava cozinhando o prato típico da Toscana mais simples de todos. Ainda assim, ele corria o risco de estragar e estava sempre precisando voltar para dar uma olhada na receita, que anotara em um pedaço de papel.

Sua mente estava tão agitada quanto uma britadeira, desde que voltara do campo de girassóis. Seu intuito ao sair de casa aquela tarde era apenas espairecer um pouco, antes de ir cumprir a tarefa que sua mãe lhe pedira. Entretanto, ele nunca imaginara que encontraria o mortal dormindo sozinho no meio das flores e tampouco esperou sentir o que sentira ao vê-lo.

Ele estava deveras atormentado e não conseguia forçar sua mente a pensar em outra coisa. Por isso, enquanto cortava o pão toscano em fatias e as arrumava em uma panela, ele se recordava de uma memória de sua infância. Em uma noite, ele teve muita dificuldade para dormir e sua mãe tentava de tudo para fazer com que ele pegasse no sono. Uma dessas tentativas foi contar uma história de ninar. Louis ainda era capaz de lembrar de todos os detalhes da narrativa mesmo depois de séculos. Isso porque ele pedira para Afrodite contar a mesma história todas as noites após aquela.

Ele colocou pasta de tomate e caldo de legumes em cima do pão e começou a mexer. Demoraria quarenta minutos para ficar pronto e sua mente se perdia em pensamentos enquanto ele fazia aquela tarefa manual. Todas as suas tentativas de forçar sua mente a pensar em outras coisas eram falhas. E foi inevitável recordar da história que ele conhecia tão bem e que dava sentido a sua existência.

Na época em que surgiram, os humanos possuíam duas cabeças, quatro mãos, quatro pés, dois sexos e todos as outras partes do corpo em dobro. Existiam humanos que eram homens em suas duas metades, alguns só possuíam o sexo feminino e outros eram andróginos (tinham uma parte feminina e outra masculina).

Esses seres eram muito fortes e poderosos, de tal forma que quiseram lutar contra os deuses. Zeus ficou irritado e se reuniu com os outros olimpianos para decidir o que fazer com os humanos. Os deuses decidiram que os humanos deveriam ser divididos ao meio e não destruídos. Pois assim, eles continuariam cultuando os deuses e ainda teriam que lidar com a humilhação que os deuses infringiram. Por isso, os humanos foram divididos em dois e desde então eles vagam em busca de sua metade. Isso é o amor, encontrar a outra parte de si mesmo.

A voz de Afrodite ressoava na mente de Louis como se ela estivesse ali, contando mais uma vez aquela mesma narrativa e acariciando seu cabelo. Nem parecia que ele estava em sua cozinha, mas sim no seu quarto de infância no palácio de sua mãe. Ele se recordava de sempre perguntar para a mãe o que ele deveria fazer para encontrar a metade dele quando ela terminava de contar a história. E ela sempre dizia irritada que ele era um deus, logo, já estava completo e bastava em si mesmo.

Aquela resposta nunca o convencera, nem mesmo sabendo que ele era Eros, a personificação do Amor. Ele nunca aceitara a justificativa de que isso não se aplicava a um deus porque ele sentia a falta de algo que o completasse. Ele era o amor, portanto era a própria necessidade de se sentir inteiro. Por isso, Louis esperava por sua alma gêmea pacientemente e em segredo. Contudo, ele nunca encontrara mesmo depois de muitos séculos e de ir para todos os lugares do planeta.

Enquanto não conseguia o que buscava, ele estava satisfeito em ajudar os humanos com essa tarefa. Era por isso que Louis estava contente com o seu trabalho, não tinha nada a ver com sair brincando de tiro ao alvo como eu pensava. Mas sim, com a certeza de que ele ajudaria as pessoas a se libertar da busca eterna que dava sentido às suas vidas.

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