Prólogo

582 40 12
                                    

Era uma tardinha fria de agosto em meio à um temporal. Mãe e filho, em uma sala escura, apenas mantinham suas cabeças próximas. Cada momento era crucial para o que aconteceria a seguir. Nenhum dos dois sabia o que viria depois, mas seus corações batiam tão vigorosamente que apenas o barulho da forte chuva era capaz de abafar esses sons.

— Fique calmo, na, meu filho? Por favor. — A mulher abraçava firmemente o corpo do menino, que chorava inconsolável, em meio as suas mãos trêmulas.

— O que vai acontecer com a gente, mãe? — A jovem de longos e lisos cabelos vermelhos apertava ainda mais seus braços a cada palavra do filho.

— Nada, meu amor. Logo seu pai estará aqui para nos ajudar, kha? — Nesse momento, eles ouvem um tiro vindo de algum lugar. O menino joga-se no chão, ao mesmo momento que escuta o som estrondoso, sendo incapaz de entender bem o que era.

A porta do local é aberta com um chute e dezenas de homens com roupas pretas e alguns coletes entram por ela. A mãe se deita sobre o filho, com medo do que pode acontecer após isso. Ela sente o cheiro de terra úmida e o corpo do menino faz um som de dor abaixo dela.

Dois dos homens aproximam-se, enquanto os outros mantém suas atenções em proteger a entrada. O desespero começa a se tornar maior quando a criança, ainda presa ao chão lamacento, começa a gritar desesperadamente. Um senhor alto e forte se aproximou, tocando os cabelos avermelhados que agora possuem marcas escuras.

— Não toque nele! Me leve, mas deixe ele em paz! Por favor, eu estou te implorando! — Em nenhum momento, mesmo com os gritos do pequeno jovem mestre, a senhora fez menção de sair de onde estava.

— Escute! Nós precisamos sair daqui. — Ao olhar para o chão, o homem notou o sangue escorrendo no chão. — Algum de vocês dois está machucado e nós não podemos perder mais tempo!

Os sons de tiros e a visão de cada vez mais pessoas sendo jogadas ao chão eram claras aos dois. A adrenalina fez com que o garoto empurrasse sua mãe de cima de si, levantando-se rapidamente e se virando para quem estava falando com ela.

— Onde está meu pai? Eu só saio daqui com ele. — Os gritos de aflição eram ecoados na pequena peça lamacenta.

— Se acalme, ele estará aqui assim que possível. — O homem se virou para a mulher, que agora estava sentada ao chão. — Vamos, eu já disse que não temos tempo.

— Escute, onde está Jyu? — A dama perguntou ao homem baixo e acima do peso em sua frente, no exato momento que mais um alto grito de morte pôde ser escutado.

— Eu já disse que ele estará logo atrás de nós!! Agora vamos, parem de pestanejar! — Segurado por aquele que jamais havia visto, o garoto foi arrastado, fazendo com que sua mãe fizesse o mesmo.

Passando por uma mesa com alguns utensílios grotescos, o segurança baixinho colocou, em ambos, um colete a prova de balas. Apenas uma pistola estava sobre a mesa, fazendo com que o homem olhasse, nervoso e preocupado. Apesar de desejar poder fazer algo, estava fora do seu alcance.

— Não terá armas para vocês dois aqui embaixo. Um terá que ir sem. — Temendo pela vida do seu filho de apenas 12 anos, uma mãe desesperada não hesitou antes de pegar o revólver e entregá-lo nas mãos do menino.

— Escute, meu filho. Não deixe ninguém se aproximar de você, certo? Se proteja e, caso algo acontecer comigo, procure sua tia. — O jovem concordou, segurando o objeto e o colocando-o em seu coldre.

Para uma criança criada em meio a criminosos, não havia nada mais importante do que aprender sobre o manuseio de armas desde novo. Era exatamente esse o motivo que fazia com que o jovem rapaz já soubesse exatamente o que estava fazendo.

— Em primeiro momento, nós precisaremos sair pela saída lateral direita. Lá fora, há um carro esperando por vocês. Depois, vocês serão levados para a fortaleza central. Ficarão lá até segunda ordem do Don Jyu. — Ambos assentiram. A mão da mulher finalmente saiu do contato com a pele macia do garoto. — Lembrem-se, não parem de correr, não olhem para trás, não procurem por ninguém. Somente sigam em frente.

— Encontraremos meu pai em casa? Eu não posso ficar e ajudar? — O baixinho negou.

— Apenas obedeça. Não faça perguntas agora. Todas serão respondidas quando possível.

Enquanto eles saíam do local que cheirava a pântano, prendendo seus pés no lodo molhado, o jovem voltou a segurar a mão de sua mãe, como se estivesse guiando os passos da mesma. O conflito externo seguia com tiros. A cada som desastroso, o garoto podia identificar a qual tipo de arma pertencia. A cada grito, ele podia definir se conhecia o dono ou não.

Ao saírem pela porta ao lado, ambos corriam para salvar suas vidas. Ninguém pensava no que estava realmente acontecendo. Seus pensamentos não eram capazes de assimilar o quão grave poderia ser aquela situação e o motivo de sua ocorrência.

Em um descuido, o garoto tropeçou, caindo com seus joelhos no piso frio, enquanto gotas grossas de chuva batiam em suas costas largas. Sua mãe tentou parar, mas foi arrastada duramente pelo homem que guiava ambos. Mesmo tentando olhar para trás, o segurança não permitiria. A ordem havia sido bem clara: “Salve quem puder.”

Em menos tempo do que podia contar, o jovem sentiu alguém puxar sua perna, esticando um fuzil diretamente no rosto do jovem. Não era um homem forte e, mesmo abaixo de uma borrasca intensa e dolorosa, o jovem foi capaz de contemplar os traços do mesmo.

— Fim da linha para você, filho da besta. — As palavras eram bradadas em meio aos pingos que tocavam o rosto do outro e o medo incandescente que crescia por todo o corpo do garoto. — Me dê a sua arma.

O menino viu-se totalmente sem saída quando tirou seu revólver da proteção e sabia que, agora, estava prestes a morrer. Do futuro assassino, apenas seu olhar profundo, seus cabelos pretos, boca fina e seu terno preto, totalmente encharcado, foram observados. Quando o garoto achou que não teria mais esperança para ele, um outro som saído de uma groza, arma favorita do rapaz, foi disparada, atingindo as costas do que estava em sua frente.

Um corpo foi esticado ao chão entre as árvores e pedras imersas em limo, enquanto havia sangue escorrendo juntamente com a correnteza que se formava por culpa da chuva. O fluxo seguia por uma pequena trilha enquanto o homem gritava, clamando por ajuda. Seguindo o caminho sanguíneo, o jovem visualizou a figura de seu pai, que corria em sua direção.  

— Papai! — O alívio era vívido na voz do menino.

— Corra! Não podemos perder tempo agora.

Segurando o pulso do garoto, o mais velho começou a correr incansavelmente. Mas por pouco tempo. Outro tiro foi ouvido. Esse, tão distante, foi impossível para o jovem identificar. Puxado pelo seu pai, o garoto voltou ao chão. Foi esse o momento que o menino percebeu: o tiro havia sido certeiro na nuca do homem que o havia criado.

Nesse, o sangue não escorria, mas jorrava continuamente. Seus olhos voltaram para trás e, a princípio, não havia ninguém. O jovem se abaixou, tentando ajudar o pai, até ver inúmeros homens fazendo uma curva em volta da casa, enquanto corriam com seus fuzis, carabinas e espingardas. Estupefato, o garoto não sabia o que fazer, mas não seria capaz de deixar seu pai ali.

— Vá! Corra. Salve sua vida e cuide da sua mãe. Por favor, não a deixe sozinha!

O menino não iria conseguir se mover, mas o mesmo baixinho de antes voltou, puxando o corpo do garoto, enquanto ele desobedecia a ordem do mesmo de não olhar para trás. O rapaz não era capaz de tirar os olhos do seu pai, já sem vida no chão. O sangue havia parado de golfar, os olhos ainda estavam abertos e as mãos haviam sido relaxadas.

Chorando, o jovem ainda era arrastado para dentro do carro. Quando os soldados se deram por conta que havia alguém fugindo, eles atiravam incansavelmente no carro blindado, apenas marcando alguns espaços. Com os olhos inundados, o menino sentiu o veículo dar partida, enquanto ele via seu herói pela última vez.

Naquele momento, não importava o que ele tivesse que passar. Estava decidido que, independente de como tivesse que agir ou quem tivesse que matar, ele vingaria a morte de seu pai.

Miríade [PAUSADA] Onde histórias criam vida. Descubra agora