IV

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-Ainda falta muito?

-Quase lá.

Depois de descer pelos mais de 15 lances de escada (na verdade eu perdi a conta no oitavo) eu já tinha encarnado a criança que perguntava a cada cinco minutos se faltava muito. Meus pés doíam. As tiras do chinelo de dedo, por causa da fricção, já tinham deixado uma mancha avermelhada no peito do meu pé. Eu não conseguia ver as manchas por causa da escuridão total em que estávamos mas eu sabia que elas estavam ali porque sentia as assaduras.

Saindo do estacionamento, Matheus me levou até o prédio mais baixo e entramos pela porta do térreo. Eu agora não consigo lembrar com certeza se esse prédio existia antes, quando tudo estava abandonado. Simplesmente não me lembro de ver ele. De qualquer forma isso não importa muito agora. O prédio parecia um depósito: estava cheio de prateleiras, produtos de limpeza e algumas ferramentas como enxadas e pás. Ele abriu uma porta de madeira que algum dia tinha sido pintada de branco gelo mas que agora estava descascada em vários pontos. Interessante pensar que o depósito de manutenção na verdade era a sala daquele lugar que mais precisava de uma manutenção.

Ele ligou a lanterna do celular e iluminou para dentro da porta de madeira. Uma escada descia a partir dela como se tivesse pressa para ir para baixo. Nem dois passos separavam a porta do primeiro degrau. Aquilo me parecia perigoso para qualquer um que não soubesse disso. Me imaginei rolando escada abaixo e nunca mais voltando para casa para aprender mais dicas de artesanato sábado de manhã.

-Meu irmão me trouxe aqui ontem. Não tem lâmpada nenhuma na escada vamos ter que descer com a lanterna.

Ele começou a descer.

-Cuidado para não cair e me derrubar junto.

Ele riu como se estivesse lendo meus pensamentos.

A escada descia cerca de quinze ou vinte degraus até um plano onde fazia uma volta e descia mais quinze ou vinte degraus. Uma escada de incêndio comum em quase todos os prédios do mundo. Aquela porém não levava para o térreo.

Me parecia que estávamos descendo até o fundo da terra. E talvez fosse isso mesmo. Quando já tinha perdido a conta de quantos degraus, lances ou há quanto tempo estávamos descendo aquilo chegamos a uma porta. Ela ficava num dos planos em que se fazia curva. Bem no meio entre um lance e outro. Porém era impossível descer mais pois a escada que descia tinha disso bloqueada por um portão de ferro trancado com um cadeado prateado gigantesco.

-É aqui?

-É aqui...

Matheus pegou na maçaneta da porta e ficou tentando abri-la.

-Tem um 'jeitinho' pra abrir. Está meio emperrada.

Ele conseguiu dar o seu jeitinho e a porta se abriu. Um ar gelado saiu de dentro do quarto. Ele me chamou com a mão para entrarmos. 

HWhere stories live. Discover now