Eu até achei que aquilo poderia ser algum truque. Não seria a primeira vez que tentaria me pregar uma peça. Ele estava o tempo todo tentando aliás. Talvez meu celular de verdade estivesse no fundo daquele buraco e ele tivesse trazido um igual no bolso para me ver ficar desesperado só pra depois dizer "tá aqui seu celular é só uma brincadeira".
Mas, ainda que aquele negócio de jogar o celular no buraco fosse uma piada, todo o resto era elaborado demais. Até para os padrões do Matheus. Nós de fato andamos até aqueles prédios abandonados num sábado de manhã. Um das salas estava tão intocadas como se alguém tivesse trabalhado nela até ontem e nós também descemos usando aquela escada de alumínio para esse lugar esquisito em que nós estávamos. Era impossível ele ter feito tudo isso só para chegar até aqui e jogar meu celular num buraco, rir algumas risadas e depois voltarmos para casa.
Tudo isso eu consigo pensar agora, depois de refletir um pouco enquanto escrevo essas linhas. Na hora eu claramente só conseguia ficar desconfiado, enquanto conferia olhando o celular na mão sele se aquele era o meu mesmo e um sorriso de deboche nascia no rosto de Matheus.
-Legal né?
Ele falou depois de me entregar o celular. Desbloqueei a tela e olhei os aplicativos para ter certeza de que era ao meu mesmo e não um outro celular do mesmo modelo. Tudo estava lá. Ele me olhava como quem depois de contar uma piada que sabe que é engraçada espera o riso de uma plateia silenciosa.
Eu só coloquei o celular de volta no bolso e voltei a andar na direção da escada para sair dali. Estava farto daquilo.
-Ei, o que foi?
-Muito engraçado. Eu estou impressionado. Parabéns.
-Você não achou a coisa mais maluca que você já viu?
-O que? Você me arrastar até aqui pra fingir que jogou o meu celular num buraco só pra me ver ficar puto? Não. Acho que é uma das piadas mais sem graça que você já fez.
-Mas você sempre faz isso, se a piada é com os outros você adora, mas se é com você fica putinho. Olha nada aconteceu. E eu não estava fingindo. Aqui, tenta de novo pra você ver.
Ele tentou pegar o celular no meu bolso mas eu segurei a mão dele.
-Sai fora.
-Nossa mas você tá bravo mesmo!
Continuei andando.
-Se você for embora eu vou me jogar no poço!
Olhei para ele. A entonação de desespero na voz dele era tão forçada que deixaria até a dona Arlete, a atriz que finge fazer porta DVDS na TV, com vergonha.
-Até segunda cara...
Acendi a lanterna do celular para subir a escada. Matheus deu de ombros e mergulhou de cabeça no buraco. Não consegui evitar de correr até a beira desesperado só para, ao chegar lá, ver que ele já tinha sido tragado pela escuridão e sumido completamente.

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H
Historia CortaQuando seu amigo te mandar uma mensagem pedindo para encontrar com ele em menos de 10 minutos na frente da sua casa, calce algo melhor do que um chinelo de dedo.