Capítulo 14 - A concha

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Elis se aconchegou no banco mais iluminado pelo sol que conseguiu encontrar na praça perto da escola. Não queria fazer aquela ligação, mas ela vinha tentando seguir os conselhos da ex-psiquiatra. "A Sofia não fez a sua mãe te abandonar, Elis, a garota não tem nada a ver com isso", ela vivia dizendo. Mesmo assim, cada número que apertava na tela do celular a lembrava de todos aqueles anos, após a separação dos pais, nos quais foi jogada de um lado pro outro. Crescendo entre brigas infinitas e a mãe a acordando com um puxão no meio da noite, rumo a casa de outro amigo-do-amigo que abrigaria a criança por alguns dias enquanto os pais estavam sabe-se lá onde.

—Alô? Lili? ... Mãe, eu acho que é a Lili.—  Uma voz animada de menina atendeu o telefone e Elis respirou fundo antes de responder.

—Soube que hoje é seu aniversário.—  Teve que tirar os fones do ouvido porque a meia-irmã soltou um gritinho de felicidade.  —Doze anos Sofia? Jajá você tá mais velha que eu.—  Brincou, deixando-se baixar a guarda um pouco após a recepção acalorada.

—Ai, mas como você é boba.—  A menina riu. —Já encontrou algum Idol na rua?

—Vários deles. Eu e o Eric Nam estamos namorando na verdade, eu liguei pra avisar isso.

A garota revirou os olhos, tentando fingir que não estava se divertindo com a conversa:—Isso é mentira, ele não ia querer nada com você e você só ligou pra me dar parabéns.—  Elis riu do jeitinho da irmã falar. —Me mostra onde você tá.

Ela deu algumas voltas ao redor da praça, apontou a cafeteria onde se encontrava com os amigos antes da aula e contou sobre as comidas estranhas que já tinha experimentado. Não percebeu que Amalie e Hoseok se aproximavam bem na hora em que tentava se esquivar das perguntas que a meia-irmã fazia sobre sua vida amorosa. Os dois pararam atrás dela e começaram a acenar para a menina na tela, só quando esta acenou de volta é que Elis os notou ali. Assustada, se despediu da irmã correndo. Droga.

—Quem é?—  Hoseok perguntou, ele e Amalie sentaram-se cada um de um lado da amiga.

—Minha meia-irmã.— Ela respondeu, seca.

—Achei que você fosse filha única.— Amalie ergueu uma sobrancelha, curiosa. Perguntas, tantas perguntas, pra que isso? A moça deu de ombros e começou a guardar o celular para ir embora, mas foi impedida pela revelação repentina do amigo:

—Eu também tenho uma irmã.— As duas o olharam. Era a primeira vez que ele se referia a família. —Ela é mais nova, tem 22. E para o desespero dos nossos pais, ela acabou de entrar na faculdade de moda. Não que ela já tivesse algum dia sido cotada para trabalhar na empresa da família.—  O jeito como as palavras escapavam de sua boca dava a impressão de que ele conversava consigo mesmo.

As meninas pensaram em perguntar sobre essa tal empresa, que explica muito as suas roupas sociais caras e suas aulas de inglês corporativo, mas acharam melhor lhe dar espaço, já que era raro ele se sentir confortável assim para se abrir.

—Então fazer Moda também é causa de preocupação aqui na Coreia?— Amalie perguntou na brincadeira.

—Na verdade, eles nem queriam que ela fosse pra faculdade.— Ele fez uma pausa e seu rosto tomou um ar pesado. —Queriam que ela se casasse com o filho de um dos nossos parceiros, mas ela fugiu. Eu...—  Ele parou no meio da frase, o olhar vidrado na rua. Nunca chegou a terminá-la, mas suas expressões faciais estavam sérias e suas mãos repousavam dentro dos bolsos da calça. Elis lembrou-se de como Taehyung falava do amigo tomando um cuidado enorme para não deixar passar nada que pessoas de fora não pudessem saber. Ela estava se acostumando com o jeito reservado dos coreanos, muito mais quietos e comedidos do que o seu povo latino, mas aquilo era diferente, era exatamente como ela lidava com o próprio passado. Um mentiroso reconhece outro e Elis Porto reconhecia um em Hoseok.

o sábado que mudou nossas vidas ∘ jjkOnde histórias criam vida. Descubra agora