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Sophia Narrando:

Inútil, esta é apalavra que me define quando olho para trás e vejo que na minha vida poucas coisas deram certo e que a mesma esta repleta de momentos dolorosos e traumáticos. Perdi meu pai à alguns anos atrás vitima de bala perdida durante uma invasão, a bala atravessou a janela da nossa casa e o atingiu no peito, ele nem mesmo teve chance de lutar pela própria vida, eu tinha 08 anos quando isso aconteceu, e desde então as coisas mudaram completamente. Minha mãe se tornou uma pessoa amarga e rancorosa, posso dizer que perdi a minha mãe no mesmo dia em que perdi o meu pai, pois a partir deste dia ela passou a me tratar com desprezo e agressividade, por vezes parece se divertir com o meu sofrimento.

E com o passar do tempo as coisas só pioraram aínda mais e isso está tornando a nossa convivência cada vez mais difícil

 Um ano atrás quase fui estuprada por um dos seus muitos namorados que ela trás pra nossa casa, ainda tenho pesadelos horríveis com aquele homem nojento, ele só não conseguiu o que queria porque atingir sua cabeça com um jarro de água que eu sempre mantinha no meu quarto deixando ele atordoado tempo o suficiente pra eu fugir. Quando contei a minha mãe o que havia acontecido acreditando que ela ficaria ao meu lado pelo menos dessa vez, tudo o que recebi foi um tapa na cara enquanto ela me chamava de vagabunda e me acusava de tentar roubar seu homem, não entendo o motivo de seu ressentimento em relação a mim, acho que de alguma forma ela me culpa pela morte de papai. 

E quando achei que as coisas não podiam piorar a minha prima Natália aparece como a mais nova residente em nossa casa caindo nas graças da minha querida mãe, infernizando a minha vida e claro se tornando a mais nova marmita do morro. Por um momento achei que finalmente teria não apenas uma prima mas também uma amiga com quem pudesse conversar e partilhar momentos agradáveis já que eu não tinha amigos pois a minha extrema timidez não me ajudava muito quando o assunto era fazer amizades e da última vez que tentei não deu muito certo, no fundo eu me iludi com a esperança de que talvez com a presença dela minha relação com a minha mãe pudesse voltar a ser como antes, mas infelizmente ela não era a pessoa que eu achei que fosse pois em pouco tempo ela mostrou sua verdadeira face e do que é capaz de fazer pra conseguir o quer. Mas eu sigo firme com a esperança de que um dia as coisas mudem e finalmente chegue a minha vez de ser feliz. 

Moro no Alemão desde sempre e como costumam dizer os trafica daqui quando se referem a eles mesmos " sou cria da quebrada", não posso dizer que o Alemão é um lugar seguro pra se viver mas também não é tão ruim assim como dizem, apesar das dificuldades os moradores são felizes, vivem com simplicidade e humildade, claro que sempre tem aqueles que mesmo morando em favela se acham melhores ou superiores aos outros e eu não estou falando só dos trafica, a esses eu chamo de iludidos. 

A umas semanas atrás quando estava voltando de mais um dia de aula vi a minha vizinha dona Lurdes uma das fofoqueiras do morro apanhar do Grego porque o chamou de traficante de merda, eu sinceramente não sei onde ela estava com a cabeça pra desafiar justamente o dono do morro, eu acredito que ela tenha tido um surto de memória momentânea, esta é a única explicação que eu vejo para o seu comportamento, meu corpo paralisou quando vi a cena, ela pedia pra ele parar e ele somente batia cada vez mais enquanto dizia que isso era pra ela aprender a respeitar bandido.

Quando tudo acabou eu estava em choque, as pessoas olhavam assustadas e ao mesmo tempo curiosas e não me surpreendi quando percebi que uma dessas curiosas era a Natália que sorria debochada e parecia se divertir com a situação humilhante de dona Lurdes, pareciam mais urubus na carniça, tenho raiva disso e tudo o que eu queria fazer era me aproximar dela para tentar ajuda-la e por impulso acabei dando alguns passos em sua direção, mas ele parou na minha frente me impedindo de chegar até ela e foi nesse momento que nossos olhos se encontraram e sentir como se estivéssemos nos conectando de alguma forma, mas os seus olhos eram frios, sem vida, sem nenhuma expressão assim como o seu rosto. 

Somente saí do transe quando ele gritou para que todos circulassem e para que ninguém ajudasse a velha "como ele se referiu a dona Lurdes" que aínda estava jogada no chão, e enquanto ele gritava sua ordem seu olhar se mantinha firme sobre mim. Olhei novamente constrangida para a rodinha de curiosos que estava se dissipando restando apenas a minha prima que não estava mais sorrindo, dessa vez ela me encarava com um olhar mortal, um olhar que me fez sentir um arrepio na espinha e uma sensação ruim. Decidi ignora-la e voltei minha atenção pra dona Lurdes com um pedido de desculpas silenciosa por não poder ajuda-la, baixei a cabeça e entrei em casa me sentindo fraca e impotente diante de tanta crueldade. Desde esse dia não vi mais o Grego e sinceramente não desejo vê-lo, ele me causa arrepios.  

Eu sei que muitos acham que estamos acostumados com a violência, apenas porque moramos em favela, e isso não é verdade, ninguém se acostuma com a violência, mas infelizmente temos que conviver com essa triste realidade e tentar fazer o nosso melhor pra continuar seguindo em frente e não nos tornarmos apenas mais um número na estatística

Para Sempre SuaOnde histórias criam vida. Descubra agora