A Ligação

39 3 8
                                    

 

Naquela manhã, indo para a aula de violino

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Naquela manhã, indo para a aula de violino. Tudo parecia tranquilo, o vento soprava lentamente no meu rosto, cada capa passo dado nada se fazia suspeito.
   Com meu instrumento em mão, ando estranhamente normal, tudo ali era calmo, não havia nada no meu caminho.  Meu violino, que tanto amava, tocava cada nota saboreando os sons como um manjar divino. Todo ruído, mesmo que não muito audível era uma satisfação ouvi-lo. Nunca  cansava-me de olha-lo e imaginar as canções que nele fora reproduzida era um rotineiro prazer.
    
     Meu destino estava próximo, pude sentir em casa parte da alma. Mas havia algo estranho, nem ao menos no local da aula eu chegará. Que sensação era aquela?

***

Ao cruzar a rua, senti meus pés travarem, o violino caiu de minha mão, e duas luzes ofuscantes lançaram meu corpo ao chão. Não senti nada, o vento que antes soprava, não tocava mais meu rosto.

Cadê o dia? Eu não o via mais, tateando a minha volta, procurava o bem que tanto amava. Mas nem ele ali estava. Meu corpo estava pesado, não me sentia bem. A paisagem tanto comum de uma rua qualquer, nada assim se parecia, a vida das plantas rasteiras do meio fio não existiam mais, em seus lugares haviam folhagens secas e cinzas. A rua que por onde cruzava, estava rachada.

Demorei um tempo, e pode perceber a maior e dolorosa verdade. Eu estava sozinho.

***

Desnorteado e sem lembrança alguma de para onde iria, sinti meu corpo se enrijecer, não pude suportar e vim a queda, logo depois tudo escureceu.

Sentia-me desligado de algo, no qual não me recordava, o vasio se apoderava de mim. Ao abrir os olhos e me erguer do rachoso chão, não reconhecia mais a rua onde estava. 
Não conseguia sair do lugar, ouvia murmúrios vindos de trás de mim.
Dezenas de pessoas me tocavam desesperadas, seus toques eu não sentia, vagamente suas vozes eu ouvia. E seus rostos em carne e ferida me causavam ojeriza.
Quanto mais me tocavam, mas fraco me sentia, e tão pouco dali conseguia sair. 

Onde estou?

Uma gargalhada aguda e alta ecoou nos ares, aquelas pessoas moribundas olharam desesperadas para trás. Uma figura feminina subia sinuosamente a rua, sua imagem pouco nítida e suas vestes negras causava espanto em todos ali. Ao se aproximar cada vez mais, as pessoas recuaram e de me tocar pararam. Quanto mais se distânciavam, mais suas imagens de desfocavam e assim como da figura de vestes negras não eram mais nítidas.
  
  Um ruído começou. As rachaduras da rua, se fechavam diante de meus olhos, as folhas secas se esverdeiam e voltam a vida. A mulher que caminhava lentamente se tornou perfeitamente visível, e centenas de outras pessoas se materializaram atrás desta. E todas vestidas como iguais. Vestes negas, véus e velas em mãos.  Entre elas uma névoa densa se forma, deixando a cena fantasmagórica e mórbida.
   A névoa tomou conta do cenário em uma velocidade sobrenatural, e com a mesma se discipou. Ao sumir por completo, a rua, as plantas e tudo que ali estavam, deram lugar a lápides, ruazinhas estreitas e vasos com flores marrons com o tempo. Um cemitério.
 
   A multidão se aproximava em um fúnebre cortejo, em minutos duradouros, todos haviam passado por mim. Não me viram, ouviram e tão pouco sentiram. Encontrava-me em choque. Não sentia mais meu corpo, ele ainda era visível a meus olhos, mas imóvel, meus pés não tocavam o chão, eu estava volitando.
  Ouço um apito sincronizado de algum aparelho. Em seguida o apito ficou agudo e inenterrupito. O som aumentavam e meu corpo esfriava.

  As duas luzes voltaram e passaram por mim rapidamente, a luz branca segou-me por segundos, quando enfim consegui ver claramente me deparei na rua onde tudo começou. Mas havia algo novo, ou talvez esteja lá desde o início. Sangue, muito sangue no meio da rua.

  Um lapso de luz passa por minha mente e então eu lembro.
   
Eu cruzei a rua, mas distraído com o instrumento em minha mão, não vi o carro que alí passava. Duas luzes brancas foram as únicas imagens que vi antes da escuridão. Eu morri, ali, naquele chão.
     A mulher que era seguida por centenas de outros encapuzados, se tornou famíliar. Era Rosana, minha mãe.  Aquelas estavam em meu funeral. 

  O apito cessa, estou em um quarto branco, sobre uma cama eu me via, e a mim máquinas estavam ligadas, era dali que vinham os apitos. Ela me mantiveram vivo por dois dias.

***

P

odia claramente ouvir o outro lado, algo lá me chamava, mas era inatingível a mim. Eu estava ligado a terra. Não poderia partir!
  Meu corpo pesa,e volta a tocar a superfície do chão, gélido e morto.

E agora? O que me restava? Apenas vagar.
A cada passo, vi o mundo ao redor mudar, por alguma razão o tempo se sobressaltava mísero passo. Estava a poucos metros de minha casa, mas a quanto tempo depois?
  
Retornando para casa, minha mente fervilhava de lembranças, e isso me acalmou. Ao pisar na calçada, a faixada mudou diante de mim. Novas cores. Amarelo e branco.  Sorrio, a janela está aberta. Havia alguém ali. Cruzo a soleira da porta, e o sino que ficava no batente toca.  Não abro a porta, simplesmente á atravesso.  Tudo está diferente, e ao mesmo tempo igualmente famíliar. Vejo fotos nas paredes da entrada. Em todas elas minha família sorria, e comemorava. Em todas elas momentos felizes eram retratados, momentos nos quais eu não fazia mais parte. Na última foto está a data. 2049. Vinte anos se passaram depois de minha morte. E apenas alguns dias se passaram para mim.
 
Meus irmãos já com filhos, e estes já se formando.
   Como a vida é simples, elas fluem como as águas de um riacho, passam e jamais retornam.

Um tempo depois, ouço passos, uma senhora vinha até o cômodo em que eu estava. Minha mãe. Cabelos brancos e olhar pesoroso, é nítido o canssaso neles.
     Sem pensar duas vezes, decido alí ficar. Mesmo que na morte, estar ao lado de quem eu amo me traria conforto.

***

Em uma certa manhã, enquanto arrumava lentamente o guarda roupas, minha mãe encontrou um álbum de fotos. Ela sempre preferia fotos físicas. Parou tudo que fazia e começou a folhea-lo. Fiquei ao seu lado, via junto a ela cada foto, cada uma das recordações, de repente ela para em a em especial, a minha. Na fotografia estava eu em meu primeiro recital de violino. 
 
Ela passava os dedos gentilmente sobre meu retrato. Ela olhou para o móvel a frente e levantou, colocando o álbum sobre a cama. Tirou algumas peças de roupa do caminho e puxou uma grande caixa cinza. No mesmo momento eu a reconheci. Meu violino.  Ela guardou depois de todo esse tempo?  Ela pegou o álbum e junto com o instrumento caminhou em direção a sala de estar. Com os olhos cheios de lágrimas ela atravessa o corredor e antes que pudesse alcançar o cômodo, ele caiu no chão. Meu instrumento se espatifou em dezenas de pedaços.

O pequeno fio prateado que saiu dos olhos de minha mãe cairam nos fragmentos do violino agora partido.

Meus irmãos, entraram correndo e viram-na caída. Era tarde demais, seu corpo já estava sem vida. Seu semblante mostrava felicidade e se assemelhava a alguém disfrutando do mais calmo sono.   A casa toda se iluminou, senti um toque em meu ombro, ao me virar lá está ela. Minha mãe, vestida em roupas leves e flamulantes. Ela me abraça e brancas também se tornam minhas vestes. 

- Eu o aguardava meu querido! - Ela disse calmamente em meus ouvidos.

Uma luz cegante apareceu no fim do corredor e sons de palmas e vivas podiam ser ouvidas de lá. Demos as mãos e juntos atravessamos para o outro lado.

Vilipêndio- O Autor Pós Mortem (segundo volume de A Morte do Autor)Onde histórias criam vida. Descubra agora