Capitulo 2

24 8 2
                                    

O jantar estaria totalmente silencioso se não fosse pelo barulho dos pratos, tigelas e da louça de chá sendo usada. Na pequena mesinha de chão estavam sentados SeokJin, sua mãe, seu pai e sua avó. Todos comiam em silêncio e o, já familiar, "clima de luto" pairava pelo local. SeokJin sentia muito por envergonhar seus pais novamente. Sentia-se verdadeiramente um covarde por não aceitar a ideia de se casar. Todos ali esperavam isso dele, casamento era uma honra familiar, mas ele simplesmente não conseguia aceitar essa ideia. Ele sabia que os casais se casavam sem se amarem ou sequer se conhecerem, havia sido assim com seus pais, com seus avós, com seu irmão e com todos os casais que conhecera na vida, o problema não era o casamento arranjado, o problema era ele não gostar de mulheres. Era difícil admitir isso para si mesmo. O olhar triste de todos a sua volta o fez sentir vontade de quebrar o silêncio.
- Onde está Seokjung? - perguntou por fim o mais novo se referindo a ausência de seu irmão na mesa.
- Jantando com os pais de sua esposa - respondeu sua avó em um tom doce, mas com um olhar de pena inconfundível.
SeokJin odiava aquele olhar.
- O que você pretende para seu futuro SeokJin? - perguntou seu pai repentinamente fazendo o mais novo o encarar.
- Meu..meu futuro? - perguntou Jin sem obter a resposta de imediato.
- Querido... - pediu sua mãe para que seu marido parasse.
- Você sabe que isso tudo não é uma brincadeira, não sabe? Eu e sua mãe estamos velhos, em breve morreremos. Você pretende ficar sozinho pelo resto da vida?
- Não papai - negou SeokJin constrangido - eu só...
- Você não sente pena da gente, meu filho? - continuou seu pai - eu e sua mãe o criamos com tanto carinho, com tanto amor, sonhando com você tendo sua própria família e você está assim: solteiro, vivendo conforme suas próprias regras.
SeokJin segurou-se para não chorar.
- Seu irmão é tão diferente de você! Como podem ser tão diferentes? Como pode um orgulhar tanto o sobrenome e outro nos trazer apenas desgosto?
- Eu só não estou pronto papai - disse SeokJin com a voz carregada de tristeza .
- Pronto? - perguntou ele com certa raiva na voz - você nunca está pronto para nada, não se comporta como um homem deve se comportar, as pessoas da vila estão comentando!
- Querido! - interrompeu novamente sua mãe
- Comentando o que? - perguntou SeokJin olhando para sua mãe e para sua vó
- Não estão comentando nada - corrigiu sua mãe
- Estão dizendo que você te algum problema, que não amadurece nunca, que é uma maldição para essa família.
Uma lágrima escorreu dos olhos do menor sem que ele pudesse impedir.
- E é isso que vocês acham? - perguntou ele olhando para seus pais - porque eu não me importo com o que pensam, eu só me importo com vocês!
- O QUE HÁ DE ERRADO COM VOCÊ ENTÃO MEU FILHO? - perguntou seu pai batendo o punho na mesa com força - SEU IRMÃO VAI TER UM FILHO E VOCÊ ESTÁ CADA VEZ MAIS FICANDO PARA TRÁS!
SeokJin se impressionou ao ouvir aquelas palavras, não sabia da gravidez. Tentou dizer alguma coisa, mas as palavras não vieram.
- VOCÊ SÓ SE IMPORTA COM COISAS INSIGNIFICANTES, SÓ GOSTA DE COZINHAR, MEXER COM PLANTAS, NÃO SE INTERESSA POR LUTA, NÃO FAZ SEU TRABALHO CORRETAMENTE NA FAZENDA, NÃO QUER NEM AO MENOS SE CASAR! ISSO NÃO É MAIS REBELDIA, É ALGO MUITO ALÉM DISSO!
A essa altura as lágrimas já rolavam pelo rosto de Jin. Ele nunca vira seu pai falar de tal forma antes.
- Eu sinto muito - disse antes de abandonar a mesa e correr para seu quarto.
Jin deitou em sua cama e chorou durante toda a noite. Não levantou nem ao menos para atender quando seu pai bateu na porta se desculpando e dizendo que o amavam muito. No fundo as palavras nem machucavam tanto, o que machucava mesmo era o fato dele saber que era diferente e não conseguir explicar isso a ninguém.

⚔️ ⚔️ ⚔️ ⚔️ ⚔️ ⚔️

O som emitido pelo velho galo tirou todos da cama cedo, como de costume. SeokJin levantou-se, lavou-se, se vestiu e recusou o café. Não estava de bom humor para sentar-se na mesa com os demais. Foi em direção a enxada, passando reto de sua horta, e começou a capinar o mato. Parou apenas para alimentar os animais e carregar barris até o celeiro. Ele odiava capinar, mas odiava ainda mais ser uma vergonha para sua própria família. O suor já fazia a roupa grudar no corpo quando notou alguém se aproximando. Cobriu o sol com uma das mãos e viu seu irmão parado em sua frente.
- Senti sua falta no almoço, além disso, é desrespeitoso pular refeições - disse ele carinhosamente.
- Não estou com fome Jung, obrigado - respondeu o mais novo voltando a capinar.
Um breve silêncio tomou conta do local.
- Você sabe que ele é tão rigoroso porque se preocupa com você, não é mesmo? - insistiu o irmão mais velho - eles temem por você Jin, te amam demais!
- Eu sei - respondeu Jin sinceramente.
Ele realmente sabia que seus pais estavam apenas cuidando dele, ainda que fossem rígidos na escolha das palavras
- Aliás, parabéns pelo bebê, eu estou muito feliz por vocês! - continuou Jin.
Seokjung sorriu. Era impossível esconder a felicidade.
- O bebê nasce ainda esses mês. Estamos negociando com uma parteira da vila. Queríamos fazer surpresa, mas mamãe acabou notando mesmo com os vestidos godês...
À tarde foi mais longa do que Jin esperava. Ele estava acabando de capinar a entrada da fazenda quando viu oficiais do imperador descendo a rua em cavalos. "O que vieram fazer aqui na vila?", perguntou-se SeokJin. Assim que um dos oficiais tocou a corneta, todos da vila estavam para fora de suas residências. O homem arrumou o bigode antes de falar:
- Venho a pedido do imperador, dar-lhes uma notícia com extrema urgência! A Coreia foi invadida por exercito estrangeiro ontem à noite, todos estão correndo grave risco! O imperador ordenou que um homem de cada família se aliste ao exército Coreano para lutar pelo país.
SeokJin olhou para seu pai com os olhos arregalados. Era difícil acreditar que isto estava acontecendo.
- Começarei chamando o sobrenome de todas as famílias da vila e peço que o voluntário da família se apresente - continuou o oficial.
Jin não sabia quantos sobrenomes ao certo se passaram, mas quando ouviu as palavras "Família Kim" sentiu suas pernas tremerem e antes que pudesse ter alguma reação ouviu a voz do seu velho pai.
- Eu irei oficial! - disse ele andando de forma devagar até o homem.
- Não! - disse seu irmão correndo até o velho e o segurando em seus braços - o senhor já está velho, meu pai. Eu irei representando a família Kim!
O oficial entregou um pergaminho a SeokJung e disse:
- Compareça amanhã ao acampamento militar!
Quando os cavalos deixaram aquela vila para seguir para a próxima, a rua era uma mistura de tristeza, lágrimas e abraços.
- O que pensa que está fazendo? - esbravejou seu pai para seu irmão adentrando a fazenda - Você está esperando um bebê, tem muito o que viver ainda!!
A voz de seu irmão estava segura e decidida. Jin o invejou por isso.
- O SENHOR JÁ ESTÁ VELHO PAPAI, MERECE VIVER O RESTO DE SUA VIDA EM PAZ!
- EXATAMENTE! JÁ ESTOU VELHO, PARA MIM SERÁ UMA HONRA MORRER SERVINDO AO MEU PAÍS!
Sua mãe e sua vó choravam abraçadas diante daquela triste situação. O coração de Jin se apertou, ele não poderia deixar seu velho pai ou seu irmão em meio a uma gravidez arriscarem suas vidas lutando.
- NÃO PAPAI - disse Jung pegando o pergaminho das mãos enrugadas do velho - EU TENHO MAIS CHANCES DE SOBREVIVER, SOU JOVEM, SOU UM DOS MELHORES LUTADORES DA VILA! EU VOU E VOLTAREI EM SEGURANÇA! E SE NÃO VOLTAR, DIGA AO MEU BEBÊ QUE MORRI LUTANDO PELA SUA PROTEÇÃO!
Todos caíram aos prantos após as corajosas palavras de SeokJung. SeokJin não podia deixar aquilo acontecer, precisava ser útil pelo menos uma vez na vida.
- Eu vou! - disse fazendo todos o encararem - Eu nunca orgulhei vocês da forma que devia. Não tenho esposa ou filhos para me preocupar e sou jovem...por favor me deixem fazer isso!
Sua mãe deu um grito ainda mais melancólico chorando.
- O que está dizendo SeokJin? Você não sabe nem ao menos usar uma espada! - esbravejou seu pai - não diga besteiras!
Jin se aproximou.
- Eu vou ter que me alistar obrigatoriamente daqui três anos quando completar 30! - insistiu o mais novo - é muito mais sensato que eu vá!
- ISSO NÃO É UM SIMPLES ALISTAMENTO SEOKJIN! É UMA GUERRA! VOCÊ MORRERÁ, NUNCA LUTOU EM TODA SUA VIDA, É SUICÍDIO! - gritou seu pai.
- Eu aprendo papai - insistiu SeokJin - me deixe fazer isso, eu...
- CALADO SEOKJIN - gritou seu irmão - NÃO ENTREGAREMOS VOCÊ PARA A MORTE ASSIM, SE COLOQUE EM SEU LUGAR! JÁ ESTÁ DECIDIDO, EU IREI!
O jantar foi ainda mais tenso do que o da noite passada. Era impossível não pensar que aquele poderia ser o último jantar com SeokJung. O resultado da guerra era incerto e a sobrevivência de um soldado ainda mais incerta. SeokJin não conseguia aceitar essa realidade, não poderia deixar seu irmão ir embora. Não conseguiria encarar seu sobrinho sabendo que mesmo sendo mais novo deixou seu irmão lutar para representar sua família. Não conseguiria conviver com a angústia da família caso algo ruim acontecesse com Jung. SeokJin estava cansado de ser inútil. Estava cansado de nunca dar orgulho, de nunca poderem contar com ele, de não ser um homem comum.
Naquela noite todos foram para cama após despedidas, mas SeokJin não fechou o olho nem mesmo deitado em sua cama. A luz da vela iluminava seu rosto que estava uma mistura de tristeza e indignação. "Preciso fazer alguma coisa". Aos poucos os choros foram sumindo, o que significava que todos haviam dormido. SeokJin levantou-se, foi até o quarto de seu irmão e roubou o pergaminho do alistamento, deixando no lugar um breve bilhete. Foi até o quarto de seus pais e beijou a testa de cada um, assim como fez com sua avó. Foi até a capela que ficava no quintal e lá encontrou a armadura de seu irmão, que havia sido de seu pai anteriormente. Vestiu a armadura por cima de seu Hanbok e pegou a espada em suas mãos. Não reconheceu seu reflexo quando olhou-se na lâmina da espada. Estava bonito e parecendo corajoso. Guardou-a no suporte na lateral de seu corpo e rezou aos deuses antes de sair dali. Por fim foi até o celeiro e pegou Khan, o cavalo preto da família e montou no animal, deixando para trás a fazenda, sua família e um bilhete escrito: "Tenho muito menos a perder do que vocês. Tentarei honrar nossa família!".

Honor (Namjin)Onde histórias criam vida. Descubra agora