Capitulo 9

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Naquela noite eu dormi pela primeira vez fora de minha própria barraca. Eu havia dormido de tarde então demorei para cair no sono, ao contrário do comandante, que dormiu rapidamente. Eu o observei durante horas, ele definitivamente era o homem mais bonito e atraente que eu já vira em toda a minha vida. Por alguns segundos quase esqueci que estávamos em guerra. Desejei o conhecer em outro contexto. Ele poderia ter sido um vizinho da vila ou um primo de algum amigo de meus pais, talvez irmão da esposa de meu irmão ou até mesmo um vendedor de peixes que passava todos os dias pelas fazendas da região. Mas não. Ele era o comandante de um exército preparado para defender seu próprio país mesmo que isso implicasse em sua morte. E eu era um de seus soldados com a mesma missão. Pela primeira vez senti medo da guerra. Antes eu não tinha muito a perder, exceto minha família, mas eu sabia (ou achava) que eles poderiam viver bem sem mim, agora parecia que eu tinha muito a perder. Eu queria que tudo isso acabasse, eu queria conhecer a casa de Namjoon na cidade imperial, cidade na qual eu nunca havia ido. Eu queria apresentar a fazenda para ele. Queria poder viver uma vida sem riscos ao seu lado. Eu não sabia se Namjoon desejava o mesmo. Eu poderia ser apenas mais um homem em sua vida, mas eu era romântico demais para tentar controlar meu coração. Minha avó sempre dizia que o medo nada mais é que o amor em uma outra forma. Eu estava com medo. Depois de algumas horas dormi sentindo o calor de seu corpo ao meu lado.

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Os gritos do comandante não foram como todos os dias naquela manhã. Ainda era de madrugada e sua voz não continha a segurança de todos os dias.
- ACORDEM HOMENS, O PAÍS ESTÁ SENDO ATACADO!
Meu coração batia tão rápido que pensei que poderia infartar. O acampamento era uma mistura de correria e desespero. Namjoon entrou correndo em sua barraca e me segurou pelos ombros me balançando com força.
- ONDE ESTÁ SUA ARMADURA? VISTA-SE AGORA SOLDADO!
Corri para fora e entrei em minha barraca. Peguei minha armadura com as mãos trêmulas e a vesti. Coloquei a espada no suporte na lateral de meu corpo e corri para fora como exigia o comandante.
- PRECISAMOS ABANDONAR O ACAMPAMENTO - disse ele para todos nós com a voz mais firme que ele conseguia - O MENSAGEIRO OFICIAL NOS TROUXE O RECADO DE QUE O EXÉRCITO CHINÊS FINALMENTE SAIU DE SEU ESCONDERIJO E ESTÁ VINDO EM NOSSA DIREÇÃO.
Ninguém disse uma palavra sequer. Estávamos todos atentos e apreensivos demais para isso.
- NÃO SEI COMO DESCOBRIRAM NOSSA LOCALIZAÇÃO SECRETA, NÃO SEI SE FOMOS TRAÍDOS, MAS ISSO NÃO IMPORTA AGORA! PEGUEM SEUS CAVALOS E VAMOS PARA AS MONTANHAS, LÁ PODEREMOS NOS ARMAR E OBSERVAR TUDO A NOSSA VOLTA!
Corri até Khan, meu cavalo de pelagem preta e coloquei o equipamento de montaria. Todos os homens faziam o mesmo com seus cavalos. Montamos nos animais e entramos na floresta abandonando o acampamento e tudo o que estava lá. Antes de sairmos vi o comandante abraçando um dos oficiais e se despedindo. Eu já havia o visto antes, era o homem que ele conversava na primeira vez que o espionei tomando banho.
- Vá com os outros para um lugar seguro Hoseok - disse o comandante - avise ao meu pai que estamos oficialmente em guerra e não descansaremos até vencer!
Todos os profissionais que não eram soldados (cozinheiros, enfermeiras e oficiais) entraram em uma carruagem e tomaram um rumo oposto ao nosso. Essa guerra era apenas nossa. Apenas daqueles que juraram dar suas vidas para lutar contra qualquer ameaça ao nosso país.
A floresta estava escura, nossos olhos já se adaptavam à falta de luz e podíamos enxergar a silhueta das árvores. Ninguém ousou quebrar o silêncio, apenas o barulho das folhas sendo pisoteadas e do vento soprando nas copas era audível naquele momento. O comandante cavalgava com seu cavalo na frente de todo o grupo. Após um tempo ele parou de andar e desceu do animal.
- Temos um rio a nossa frente, bebam água, não trouxemos comida nem líquido algum... - ordenou ele.
Desci de meu cavalo e obedeci. Segui o som da água em movimento e me agachei na beira para beber com as mãos. Namjoon se agachou ao meu lado. Seu olhar estava frio, suas palavras soaram como um balde de água fria.
- Temos um impostor em nosso meio - disse ele sussurrando - o mensageiro me trouxe essa informação. Não sei se o inimigo está tentando nos separar ou se é verídico, mas quero que fique muito atento.
Meus olhos se arregalaram com aquelas palavras, mas concordei com a cabeça. Namjoon colocou as mãos em meus ombros e me olhou mais alguns segundos antes de se levantar.
- Soldados - chamou ele alto o bastante para todos ouvirem - estávamos esperando um ataque ao castelo imperial, mas fomos surpreendidos com um ataque vindo em nossa direção. Não temos tempo para arquitetar um novo plano. Quero que matem qualquer um que ameaçar suas vidas, sem hesitar.
Subimos novamente em nossos cavalos e cortamos caminho por dentro do rio. Namjoon assegurou que era raso e pequeno e que ganharíamos tempo se não o contornássemos. Todos confiavam, o comandante conhecia aquela floresta como a palma de sua mão. A água fria batia em nossos joelhos. O vento nos fazia congelar, mas não paramos por sequer um segundo. Seguimos todos em fila atrás do comandante, ele sabia por onde era seguro passar. Eu estava com medo, por mais que tentasse não admitir a mim mesmo. Eu não havia aprendido usar uma espada completamente, sabia apenas o básico. Eu havia aprendido a lutar muito bem e com certeza precisaria usar isso ao meu favor, mas saber que possivelmente tínhamos um impostor em nosso meio me deixava ainda mais apreensivo. Tentei tirar esses pensamentos da cabeça, não havia tempo para enlouquecer com eles. Agradeci aos deuses quando finalmente chegamos ao outro lado do rio. Nossa travessia havia sido bem sucedida, apesar de alguns cavalos pisarem em falso por conta da correnteza, mas eles levantavam-se logo em seguida e nenhum soldado havia ficado para trás. Imaginei o porquê de Namjoon não ter notificado a todos sobre o impostor, ou melhor, o porquê dele ter notificado justamente a mim. Meu coração falhou uma batida ao pensar que ele estava tentando me proteger. Os raios de sol apareciam timidamente enquanto passávamos em meio às árvores. Paramos para descansar quando nossos cavalos pediam por água e já não andavam tão rápido. Namjoon não descansou, ele passou em meio aos cinquenta homens conversando coisas aleatórias sobre o plano e perguntando se todos estavam bem. Eu sabia que ele queria identificar qualquer sinal do possível traidor.
- Céus, o que eu não daria para saber a posição dos inimigos agora - disse ele voltando para a frente e parando ao meu lado.
- Não temos contato com a torre do castelo? - perguntei apreensivo.
Namjoon negou.
- Perdemos totalmente o contato desde que entramos na floresta - cochichou ele - os transceptores estão inúteis...
- Tem algo haver com a altitude? - perguntei.
Namjoon negou.
- É mais provável que nossa conexão tenha sido cortada propositalmente...já utilizei o transceptor de rádio até mesmo em cima das montanhas.
Olhei para longe sem saber o que responder. Algo estava errado. Namjoon não estava no controle da situação como desejava. Vê-lo preocupado me deixava ainda mais preocupado.
- Você tem alguma ideia de qual de nós possa ser? - sussurrei ainda com o olhar perdido.
- Não...eu conheço todos os meus homens...quero acreditar que não seja verdade...
- Mas e se for? - perguntei o encarando - sei que aprecia seu exército, mas algo está errado.
Namjoon concordou me encarando. Seus olhos tinham uma certa tristeza.
- Eu sei SeokJung, eu sei...
Montamos novamente nos animais e seguimos o caminho até as montanhas.
- Uma hora para chegarmos! - gritou o comandante sem se virar para trás.
O caminho exigia-nos 4 horas. Mas parecia uma eternidade na situação em que estávamos. Agora que o nascer do sol clareava a floresta parecia ainda mais perigoso sermos vistos. Quando estávamos próximos do nosso destino, o comandante exigiu que todos parássemos e fez sinal para que fizéssemos silêncio. Todos ficamos com ouvidos atentos até ouvir relinchar de cavalos a alguns quilômetros de distância.
- CORRAM - gritou o comandante balançando as rédeas de seu cavalo para que ele se apressasse.
Subimos as montanhas o mais rápido que pudemos. Meu coração parecia que iria explodir. Segurei com força em Khan para não cair de cima dele e peguei minha espada em minhas mãos.
No topo das montanhas nos posicionamos em alerta e pegamos nossos canhões para atacá-los assim que o comandante mandasse.
- Eles sabiam exatamente aonde estávamos, como podiam saber?? - gritou Namjoon desesperado - estão entregando nossa localização!
Olhei de um lado para o outro tentando achar alguma pista, alguém muito próximo nos queria mortos. Os demais soldados também se entreolharam preocupados. Permanecemos abaixados em uma roda, para que pudéssemos ter visão de todos os lados.
- Gritem se virem algum movimento suspeito! - ordenou o comandante - matem o máximo de homens que conseguirem!
Eu rolava meus olhos para todos os lados. Minha respiração estava pesada. Pensei em minha família, pensei na fazenda. Eu não sabia se voltaria para lá algum dia. Pensei em Namjoon, olhei para ele e ele me olhou de volta. Eu nunca havia o visto assim antes, seu olhar não estava seguro como todas as vezes que nos treinara ou quando repassávamos o plano no jantar. Esperamos semanas pela mensagem dos guardiões do castelo, que nos diriam exatamente quando os chineses saíssem de seus esconderijos e fossem em direção ao castelo como haviam ameaçado ao invadir nosso país. Sabíamos que imprevistos poderiam acontecer, estávamos preparados para quase tudo, menos para descobrirem nossa localização. Estávamos perfeitamente bem escondidos, poucos homens além de nós tinham conhecimento de nossas coordenadas exatas. Era praticamente impossível que o inimigo soubesse perfeitamente aonde nos encontrar, mas alguém havia nos entregado. Alguém não descansaria até nos ver mortos. Namjoon assentiu com a cabeça me encorajando, ainda que estivesse com medo. Assenti de volta e voltei a olhar para minha frente. Estava deserto. Não havia sinal de vida além de nós ali. Não conseguíamos nem ao menos ouvir o relinchar de seus cavalos como anteriormente, já que o vento forte soprava e fazia barulho em nossos ouvidos.
- SE AS BOMBAS NÃO OS PARAREM, SUBAM EM SEUS CAVALOS E AVANCEM CORTANDO CABEÇAS, SE MORRERMOS VAMOS MORRER LUTANDO! - ordenou o comandante.
Os gritos de nosso exército ecoaram por cima das montanhas, eram gritos de homens dispostos a morrerem por sua honra. Eu também estava disposto a morrer honrando a todos os coreanos daquele país. Eu não soube exatamente quantos minutos se passaram até ver vários pontos escuros subindo as montanhas. Eram muitos mais do que meus olhos conseguiriam contar. Eram muito mais numerosos que nós.
- PARA ESSE LADO! - gritou o comandante - FOGO!!
Os soldados responsáveis pelos canhões atiraram na direção daquele exército atingindo alguns de seus homens.
- POR AQUI TAMBÉM SENHOR - gritou outro soldado às minhas costas.
- ESTÃO SUBINDO POR AQUI - gritou outro mais para o leste.
- O INIMIGO ESTÁ SE APROXIMANDO PELO OESTE TAMBÉM - desesperou-se outro soldado.
Estávamos sendo cercados por mais de 300 homens. Éramos nós, um exército amador de 51 homens contra o exército oficial chinês com mais de 300 homens. Estávamos mortos. Precisávamos do exército oficial do nosso país para conseguir ao menos uma batalha justa, mas estes estavam no castelo imperial defendendo o imperador e sua família. Jogamos alguns canhões em suas direções, mas era difícil acerta-lós de cima das montanhas. Miramos arco e flechas derrubando alguns homens, mas era um ataque muito devagar. Estávamos quase decididos a subir em nossos cavalos e matar o máximo de homens possíveis com nossas espadas quando uma ideia veio em minha mente.
- MIREM OS CANHÕES NA MONTANHA EM BAIXO DE NÓS E ATIREM - gritei tão alto que meus pulmões arderam. Empurrei um dos soldados que estava com um canhão em mãos e mirei no solo rochoso ente nós e o exército. Acendi e atirei fazendo uma avalanche de rochas e barro derrubarem todos os homens daquela direção para baixo e serem soterrados.
- VOCÊ ESTÁ LOUCO? VAMOS MORRER - gritou um dos soldados às minhas costas.
- FAÇAM O QUE ELE MANDOU - gritou Namjoon correndo até outro lado e repetindo o meu ataque.
A montanha balançou nos fazendo ir ao chão. Mas isso não impediu os soldados de executarem o plano por todos os lados. Quando a última parcela de soldados fôra soterrada, nos jogamos ao solo para impedir que fôssemos arremessados junto das rochas e morrêssemos. O barulho das bombas ainda zumbia em meu ouvido enquanto eu encarava o céu acima. Gritos e comemorações surgiram me fazendo sorrir com a respiração desregulada. Havíamos conseguido graças a mim.

Honor (Namjin)Onde histórias criam vida. Descubra agora