Hugo - "João Bobo"

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Eu tinha quatro anos e estava eufórico por começar a frequentar a escola. Da janela da minha casa eu via as crianças brincando e se divertindo. Pensei em voz alta, até que enfim, chegou a minha vez. Minha mãe arrumou a minha mochila, penteou o meu cabelo e em poucos minutos estávamos no colégio Pedacinho do Céu. Estava tão maravilhado que nem sabia para onde olhar. O meu coração bateu forte quando vi a Marjorie. Ela estava chorando, no colo do pai, querendo ir embora. Eu fiquei confuso com a reação dela. Não entendia o motivo pelo qual ela estava triste em um lugar tão legal.

Foi difícil chegar até ela. Sempre muito tímida, calada, e reservada. Falava baixinho, uma voz suave e delicada. Fez amizade com a Samanta, uma de suas poucas amigas, e não se misturava com mais ninguém. Consegui me aproximar dividindo o lanche com a amiga. Minha mãe, Noeli, caprichava no cardápio: frutas, biscoitos e uma guloseima, geralmente brigadeiro ou paçoca. A Marjorie ficava nos olhando de longe, desconfiada. Até que um dia ela chegou perto e disse:

̶  Estou cansada de lanchar sozinha. Posso ficar com vocês?

A pergunta foi música para os meus ouvidos. O momento tão sonhado havia chegado. Não consegui pronunciar uma palavra. Ainda bem que a Samanta, perspicaz e despachada, me socorreu dizendo:

̶  Vem logo. O Hugo é legal e sempre divide o lanche comigo. Depois poderemos brincar com ele.

A Samanta nos uniu naquela manhã e, anos mais tarde, foi nossa madrinha de casamento. A amizade foi se fortalecendo ao longo do tempo. Éramos tão grudados que o meu pai, Oto, nos chamava de "trio parada dura". A primeira vez que ouvi a expressão achei estranho e perguntei:

̶  Pai você chamou a gente de trio parada dura?

̶  Exato.

̶  O que é isso?

̶  É um conjunto musical sertanejo. Trio significa três: Hugo, Marjorie e Samanta. E o parada dura: nem preciso lhe explicar a razão... vocês, juntos, aprontam as maiores traquinagens aqui na vizinhança.

̶   Eles que cantam as músicas engraçadas que você ouve aqui em casa e no carro?

̶  Sim. Falando nisso... vamos ouvi-las?

Bons tempos em que éramos felizes e não sabíamos. Brincar era o nosso trabalho e o levávamos muito a sério. O tempo voou e as responsabilidades chegaram. Continuamos inseparáveis, apesar de termos seguido caminhos diferentes na vida. Eu fiz o curso de Letras e me tornei professor universitário. A Marjorie virou jornalista com foco em fotografia e produção audiovisual. A Samanta conseguiu realizar um sonho de infância, passou no concurso para juíza federal.

No dia 03 de janeiro de 2003 nos casamos. Nós recém tínhamos completado vinte e cinco anos de idade. O dinheiro era curto e resolvemos gastá-lo para reformar o apartamento e mobiliá-lo de forma simples, mas confortável. Nossa lua de mel foi em casa, sem muito drama em torno disso. O jeito prático e objetivo da Marjorie não dava espaço para lamentações e vitimizações. A racionalidade dela equilibrava a nossa relação. Somos muito diferentes, isso é fato. Tocando neste assunto, recordei de uma conversa que tivemos há muitos anos.

̶  Não sei como você mexe tanto comigo... Conseguiu me fisgar desde a primeira vez que a vi.

̶  Eu sei. Somos dois lados de uma mesma moeda. Você é a emoção e eu a razão.

̶  Ainda bem que a nossa balança é equilibrada. Já imaginou duas Marjories ou, pior, dois Hugos?

̶  Nossa... Nem quero pensar nisso... um desastre total! Eu não saberia lidar com dois Hugos.

Filhos da RuaWhere stories live. Discover now