VI. summer of 1994

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"Pois o amor somos nós, e cada momento com você supera tudo que há de mais bonito na vida"

Brasil

Foi no verão de 94, quando viajamos juntos o Brasil afora e paramos em Copacabana. 
Lembro do brilho no seu olhar ao ver a felicidade viva em cada canto do meu país colorido, intenso, e apesar de tudo, alegre. Lembro de nos hospedarmos num hotel modesto de frente pra praia, de ficarmos na varanda bebendo limonada e conversando sobre assuntos hipotéticos olhando pro mar, ouvindo o som tênue das ondas.

-Olha só... o mar não está lindo?-  você disse encostando o cotovelo na grade da varanda, e eu apenas apoiei minha cabeça no seu ombro.

-È...tá lindo mesmo.

-O que acha de irmos dar um mergulho????

-Que? Taehyung são 5:30 da manhã - eu lembro de como eu ri alto por ter cortado todo o seu entusiasmo e você ter "fechado a cara" no mesmo instante.

-Então....que tal ir só ver o sol nascer?- Eu mal respondi e já havia mudado de ideia. Agarrei sua mão, peguei a primeira toalha que vi na minha frente, e fomos cambaleando até a porta, trancando-a em seguida, e saindo do hotel em disparada, rumo ao mar, ao sol que nascia por trás do oceano, e eu sabia que essa memória viveria pra sempre em nós. 

Atravessamos a rua correndo, rindo alto, e nossas risadas foram música, trilha sonora que entrelaçava com a euforia que jovens como nós sentíamos em momentos assim, de fuga da realidade, da espontaneidade das nossas ações sendo materializadas, e não impedidas por adultos. E pela primeira vez, eu acreditei naquele ditado que dizia algo como: 

"O mundo foi construído para duas pessoas. Só vale a pena viver, se alguém está te amando";

 E o mundo era nosso, e valia muito a pena viver, valeu muito a pena.

Chegamos na areia, jogamos os chinelos prum lado, você tirou sua camiseta e eu meu vestido branco, e fomos depressa pro mar gelado, correndo com tanto desespero que poderíamos atravessá-lo se quiséssemos. 
Eu lembro de como nadamos, de como a onda te derrubou e eu gargalhei, você fingiu ter engolido muita água e eu fui em sua direção, você me pegou no colo e rodopiamos.
Mágico; nenhum adjetivo faz jus a tudo o que tivemos naquele instante, a não ser chamá-lo de mágico. 

Dividimos a toalha para nos secar e passamos mais algumas horas na praia, até que ficamos com fome e voltamos pro hotel. Chegamos encharcados, entramos correndo pro nosso quarto, número 84, com a secretária gritando atrás de nós, dizendo que acordamos metade do hotel com o barulho que fizemos ao sair correndo pra praia horas mais cedo, e teríamos que limpar o rastro de areia que nossos pés deixavam naquele exato momento. Ela desistiu de continuar a nos perseguir na metade do caminho. 
Entramos no quarto, e você fechou a porta atrás de si, e rimos de alívio. Eu entrei no chuveiro e você estava prestes a ir, quando alguém bateu na porta e você abriu. 
Era a faxineira, e ela estava furiosa, eu liguei o chuveiro e fiquei rindo enquanto escutava a senhora gritar com você, e você tentando se lembrar como dizer "eu não falo português" pra pobrezinha.
Esse dia foi absurdamente divertido.

Também me lembro das manhãs quentes de 32 graus. Quando você acordava mais cedo e tomava um banho gelado, saía com cheirinho de frutas cítricas e com uma toalha branca amarrada na cintura, pra me dar um beijo com gosto de menta e um "bom dia" ao pé do ouvido, com aquele sotaque que é só seu e de mais ninguém. Essas manhãs foram lindas.

Lembro de que todas as noites eu cantava músicas do Djavan pra você dormir, e você adorava me ouvir cantar baixinho, sentada do seu lado, enquanto eu acariciava seus cabelos escuros, me olhando admirado por ouvir minha voz cantando num idioma que você dizia: "é tão lindo". Essas noites foram as melhores.

Foi nesse mesmo verão de 94, que brigamos feio por você ter bebido demais pela primeira vez, naquela festa que eu nem queria ter ido, e você me deixou sozinha lá, horas e horas, procurando por você em todo o canto, preocupada e com vários medos paranoicos de te perder. Voltei pro quarto de hotel e você sumiu por horas, até que chegou nada sóbrio e não deu importância alguma pelo fato de eu estar chorando e ter avisado a Deus e o mundo que você estava perdido. 
Foi horrível. Ameacei voltar pra São Paulo, e você pra Busan. Eu sabia que se você estivesse sóbrio, lúcido, jamais teria falado aquilo, jamais teria ignorado minhas lágrimas de preocupação, e é por isso que eu não liguei muito pra tudo o que falamos naquela briga. Mas não vou mentir, eu quis morrer ali mesmo, jogar tudo pro ar e ir pra longe. Mas eu nunca faria isso. 
Na manhã seguinte eu cuidei da sua ressaca, te ajudei em tudo até que você lembrasse do que havia feito, dito e desejado. Você me pediu perdão, o perdão mais puro e verdadeiro que alguém podia receber; suas lágrimas selaram a promessa de que nunca mais faria novamente. Eu perdoei, confiei em você.
Você cumpriu a promessa.

E foi também nesse verão que eu percebi que você  não é qualquer um. Você sempre foi leal, sempre me amou de maneira que ninguém poderia imitar. Percebi que mais que tudo, eu não posso te perder. E é disso que estou falando Tae; de como somos poesia juntos, como rimamos um com o outro, como você me ama de corpo e alma, como eu igualmente te amo de corpo e alma, e isso é nosso, pois o amor somos nós e cada momento com você supera tudo que há de mais bonito na vida. Por que você não  pede perdão pra ser considerado humilde, mas por que é bom diminuir o orgulho, sentir empatia, tentar viver a vida que o próximo leva nas costas, e carregar junto o peso que dói a coluna, que comprime os ombros.

Você é assim Tae, e eu queria poder te dar o mundo, mas você merece algo melhor. Você foi o único homem que não fez joguinhos com o que sinto, o único que não se apaixonou pela minha aparência, porém mais do que isso: você enxergou meu mundo através de mim, e mesmo assim, me amou assim que me viu, e eu nem sabia que esse tipo de amor existia.

Amor a primeira vista parece algo intocável, irreal, que autores do romantismo indianista escreviam pois achavam que se tratava de uma utopia. Mas não é.

Kim Taehyung, você me fez acreditar em mitos de amor perfeito, na imutabilidade afetiva das pessoas para com as outras pessoas, em utopias que me salvaram da desesperança. Você me fez acreditar que ainda há beleza no mundo, esperança no homem, há amor {o de verdade}, mesmo que seja raro, existe, e eu o encontrei em você. Em mim. Em nós, e em todos os cantos do Brasil que visitamos no verão de 94.



Flower Face; kth + youOnde histórias criam vida. Descubra agora