III. overthinking afternoon

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"Sobre a maneira como você me fez sentir infinita de novo."

obs* esse cap. não terá música da Flower Face

Nova York, 2018

Eu estava voltando da faculdade com meu melhor amigo sentado ao meu lado no metrô cheio. Tae parecia cansado, seus olhos fechavam e abriam a cada dois segundos, fazendo menção de cair no sono alí mesmo. Sua cabeça capengava pra um lado vez ou outra, mostrando seu grau de exaustão;
Eu escutava uma música do Bahamas no fone que compartilhava com ele, e me perdia em meus pensamentos enquanto a nossa estação não chegava.
Era primavera, uma tarde abençoada por um pôr-do-sol rosê e laranja escuro.
Essa paleta de cores tinha um nome: Nostalgia.

Nostalgia do tempo que eu e o amor romântico não tínhamos nada a ver.
Nostalgia do tempo em que ia para o telhado observar o pôr-do-sol e as primeiras estrelas que apareciam aos poucos. Eu passaria horas lá cantando ao som do meu velho ukulele, e vez ou outra, pintava o cèu com tinta guache, sobre uma tela barata com pincéis gastos e velhos que achei numa das caixinhas amarelas que minha mãe esquecera no sótão.
Eu guardo em uma delas até hoje lembranças de épocas que não quero esquecer; meu primeiro diário, bilhetinhos que passava com minhas amigas no meio das aulas de história, um mp3 com músicas que eu escutei a uns 11 anos atrás, e uma infinidade de coisas que simplesmente não consigo me desfazer, e não posso me dar ao luxo de esquecer. Tudo dentro de uma caixinha amarela, que agora ficava debaixo da minha cama, no meu apartamento bagunçado, que cheirava a móveis recém comprados e as gardênias que havia ganhado dos meus pais assim que comecei a morar sozinha.
Nostalgia do tempo que eu me sentia perdidamente carente após ler um livro romântico, do tempo que eu escutava os primeiros sucessos de Eric Clapton, e eu me imaginava casando com um integrante do Guns 'n Roses.
Saudades do tempo em que o pânico e o stress não faziam parte do meu emaranhado de sentimentos vivos, que corriam pelas minhas veias, como se tivessem vida própria e eu nada podia fazer para pará-los. Eu não queria pará-los. Eu era jovem, eterna e livre.

Nostalgia da infância, quando as coisas eram simples, e o mundo e as pessoas pareciam, mas só pareciam, ser felizes.

E nostalgia foi, por muito tempo, tudo o que senti (e até me obriguei a sentir) pra escapar um pouco do presente corriqueiro, da vida de uma jovem que já está cansada o suficiente de tudo que a rodeia.
Era tudo o que sentia ao andar pela cidade enquanto Nova York estava inquieta e cheia de rostos cansados pelo fim de expediente que havia finalmente chegado no mundo cinza dos adultos.

"Adultos"
Essa palavra não soa nada bem.

"Você também vai se tornar uma adulta sem graça e me deixar trancado numa dessas caixinhas amarelas, que você guarda lembranças de coisas que já se foram?"

Lembro quando Taehyung falou isso pra mim no verão passado, quando ele estava pela primeira vez no meu apartamento, após uma tarde na praia com ele, e ele bisbilhotava minhas coisas enquanto eu secava o cabelo.


Eu quis chorar de raiva quando ele me perguntou isso. Quis chorar e sei porque.
Porque eu não sabia responder aquela pergunta boba mas bem elaborada; porque me deu muita raiva pensar que não poderia deixar claro, limpo e óbvio que eu jamais esqueceria Kim Taehyung; me angustiou mais ainda o fato de ele ainda não ter percebido que eu jamais faria isso.
Me doeu por lembrar que o amo há muito, e ele não sabe.
Pois é minha culpa não me declarar;
E tenho medo que eu decida tarde demais
quando ele tiver ido embora
ou quando for apenas uma lembrança na minha caixinha amarela.

Lembro de ter dito à ele após um silêncio demorado ter pairado sob o eco de sua pergunta .
"Eu não quero te esquecer Taehyung;Eu não posso te esquecer; e eu não vou."
Ele sorri mostrando todos seus dentes, e eu sinto que disse as palavras certas.

(...)

Chegamos na estação de Manhattan e eu cutuco Tae que dormia no meu ombro:

-Ei...chegamos
-È o que? mas já?-
ele se espreguiça- seu ombro é confortável hehe
-Obrigada -
dou uma risada leve e calma.
-Vamos tomar sorvete. Quem chegar primeiro paga!
-O que?
-3
-AHN??
-2
-PRA QUE ESSA CONTAGEM REGRESSIVA MENINO VOCÊ SABE QUE EU NÃO TRABALHO SOB PRESSÃO
-1!!!!

Ele corre em disparada e eu não tenho outra opção a não ser correr atrás dele.
E lá estamos nós, dois adultos de quase 25 anos correndo pela estação de Manhattan pra chegar a sorveteria mais próxima.
Eu adorava isso.
Porque Tae me fazia voltar no tempo do qual eu tanto sentia falta. Ele despertava a criança em mim e nada mais importava pois eu era com ele, jovem, eterna e livre, como nos meus dias mais dourados.

Ele me fazia infinita;
Eu acho que pelo menos disso ele sabia.
E é algo nosso, que compartilhamos e não podemos fazer nada a não ser viver esses momentos.

Ele chega na sorveteria antes de mim.

-È...parece que você vai ter que me pagar uma casquinha de morago com cobertura extra de chocolate- ele diz entre uma pausa ou outra pra recuperar o fôlego, enquanto eu não recuperava o meu.

-Tá tá tá tá tá tanto faz - digo me dando por vencida e socando de leve seu ombro, enquanto ele comemora sua doce vitória fazendo sua dancinha constrangedora, que eu particularmente adorava e morria de rir enquanto o via fazer.

Pego dois sorvetes, o dele e o meu, de chocolate clássico.
Eu e ele somos vizinhos de apartamento, e nós dois não temos pressa alguma em ir pra casa.
Tomamos nosso sorvete encostados na vitrine da sorveteria, escutando o jazz que vinha de um clube na esquina. Olhando os últimos momentos do pôr-do-sol.

-Eu adoro isso- ele se pronuncia- eu não trocaria por nada os momentos que eu passo junto com você.

-Eu também não trocaria por nada. -tento falar como se suas palavras não tivessem acertado em cheio os sentimentos que tinha por ele.

Eu já tinha terminado meu sorvete, ele ainda não, pois pausava vez ou outra pra elogiar o clima,o céu, reclamar dos professores exigentes ou contar os carros vermelhos que passavam na rua não muito movimentada.

-Sabe...eu lembrei daquela vez quando você disse que não me esqueceria.- ele diz ainda saboreando o sorvete; eu o olho - significou muito pra mim. Você não faz ideia. Desde aquele dia, eu tenho vivido pra...te fazer sorrir. Eu estou conseguindo né?

~Sim Tae...quando você começou a ler minha mente?

-Com certeza, você ...sempre faz...isso- digo pausadamente ao perceber que ele se aconchegava mais ao meu lado e sinto que estou morrendo a cada segundo que passa. Ele termina o sorvete e joga o resto da casquinha no lixo.


Ele sorri e me olha de canto, seu rosto é iluminado pelos últimos raios de sol que atingem a nós dois como um holofote. A medida que as nuvens saem da frente do sol, os raios de luz ficam mais fortes, e eu sinto que não sou digna de estar no mesmo mundo errado que Kim Taehyung, ele poderia ser um semi-deus ou um anjo do meu imaginário.

-Você fica linda nessa luz do sol sabia?

Ele se aproxima lentamente, o mundo para de girar e foca em nós dois, naquele momento que eu queria viver pra sempre.
E sinto um gosto gelado e doce de morango, eram seus lábios macios sob os meus;
Só Deus sabe por quanto tempo sonhei com isso.

-Só Deus sabe por quanto tempo eu esperei por você. - ele diz baixinho, com seus olhos fitando os meus; eu concordo e ele retoma de onde parou; eu seguro seu rosto em minhas mãos e ele encaixa suas mãos em minha cintura, com delicadeza e um amor desesperado pra se revelar.

Era recíproco esse tempo todo.
E aquele momento foi inesquecível.
Foi eterno, e não do tipo que eu guardo numa caixinha amarela, era mais valioso que isso.
Uma sensação que eu sempre vou sentir, quando nós dois estivermos juntos.
Um momento eterno pra dois jovens imortais, livres
E infinitos.




Flower Face; kth + youOnde histórias criam vida. Descubra agora