25.

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Entro em desespero com a notícia inesperada de que Gabe vai partir literalmente amanhã. Foi um grande baque para mim saber que ele decidiu fazer eutanásia. Bom, se não está ao meu alcance fazê-lo mudar sua convicção, preciso ao menos vê-lo por uma última vez. Não gosto dessa sensação de conformismo e impotência mas Diana está certa; não posso interferir no livre-arbítrio de ninguém, apesar de não concordar e só me resta apenas respeitar.

Muitas coisas começaram a finalmente fazer sentido recentemente e hoje me sinto uma idiota por ter julgado muitas delas, porém, não me culpo porque não tinha a consciência que possuo atualmente. A vida me mostrou que exatamente nada é por acaso e que é preciso ter paciência ao invés de brigar com determinadas situações e odiar pessoas. Vai parecer clichê, mas o tempo é de fato nosso melhor amigo... Pelo menos para mim está sendo! Um acontecimento fútil me trouxe de volta para minha cidade natal para resolver assuntos pendentes e principalmente me conectar ao meu conhecido de infância no momento certo. Eu não sei se teria a resiliência que Gabe teve para enfrentar uma vida acamado, então não posso julgá-lo por decidir dar fim ao seu tormento, embora no fundo eu saiba que o universo só nos dá aquilo que somos capazes de aguentar e trabalha incessantemente para nosso próprio benefício mesmo que ainda não sejamos capazes de compreender. Só que uma hora tudo se encaixa. Por diversas vezes eu senti que iria fraquejar com os intempéries e descobri minha força interior. Além disso, acredito piamente que a vida continua depois da morte do corpo e nossa existência na carne é só uma viagem de aprendizado para nossa evolução moral e intelectual. Não nego que desejo que ele também pensasse assim para poder conseguir ir até o fim, entretanto, cada pessoa tem uma visão de vida e não sou deus para mudar isto.

Puxo Diana e nos afastamos discretamente das pessoas para não termos que perder tempo nos despedindo e dando explicações, só que não conseguimos chegar até a saída. Somos interrompidas por meu pai preocupado.

— Onde pensam que vão? — questiona aflito com uma forte ventania bagunçando seus cabelos sedosos.

— Ah, bem, ah... — não sei o quê responder.

— Temos um assunto para resolvermos em particular — Diana se apressa em explicar.

Meu pai balança a cabeça em negação.

— Vão ter que deixar isso para uma outra hora! — escutamos uma gritaria dos nossos familiares e um barulho de mesas e cadeiras voando.

— O que está acontecendo? — Diana fica apreensiva.

— Acabaram de emitir um comunicado urgente na TV e no rádio, uma tempestade  de proporções gigantescas está chegando aí! Temos que ir pra casa nos abrigar. Não podemos ficar aqui porque não tem espaço para todos no porão do meu irmão. Precisamos ir rápido! — papai agarra meu braço e Diana nos segue sem contestar. Não há o quê discutir. Me lembro bem desses tornados acompanhados de chuva. Eles fazem um estrago na região. Bom, sabemos que graças a isso, Gabe não vai à lugar algum. Papai tem razão e temos que nos proteger, caso contrário quem vai desencarnar somos nós.

Meus familiares se dispersam para seus automóveis e ninguém dá até logo para ninguém porque estamos mais concentrados em fugir em busca de um local seguro para nos esconder até que tudo acabe. Assim como no passado, espero que possamos nos reencontrar depois para rirmos das desgraças causadas pela fúria da natureza tendo como causa o dedo podre da humanidade.

Encontramos minha mãe ajudando meus tios e meus primos a se esconderem no porão e juntos andamos até onde sua caminhonete está estacionada, entramos e ela dá partida violentamente. O vento aumenta e a chuva se inicia. Diana segura minha mão firmemente, com os olhos arregalados. Acho que ela nunca viveu algo parecido. Já eu, estou tranquila. Sei que vamos conseguir nos salvar porque confio na capacidade da minha mãe. Ela acelera, mas dirige com atenção para não derrapar. A cidade toda está em alvoroço. Na próxima esquina nos deparamos com um terrível acidente envolvendo uma fila de carros. As pessoas entraram em pânico e acabaram perdendo o controle da direção. Minha mãe finge que nem vê e se concentra na estrada, infelizmente não podemos parar para ver se tem alguém precisando de ajuda porque alguns enlouquecem e atacam uns aos outros para roubar o carro ou tomar uma área de segurança.

Diana arregala ainda mais os olhos com o caos que se alastrou porém não pede explicações, porque o motivo já é óbvio. Nossos corpos se lançam para frente assim que minha mãe frea bruscamente. Por sorte estamos de cinto. Há uma criança no meio da pista berrando de medo. Diana não pensa duas vezes e desce do carro como um raio. Pega a menina no colo e a coloca dentro do carro. Meus pais se entreolham, não dizem nada e nem se atrevem a impedi-la porque seria crueldade demais abandoná-la sozinha. Assim que ajudo Diana a pôr o cinto nela, minha mãe arranca com o carro e desvia dos destroços até chegarmos em casa.

Ela tem que estacionar antes de alcançarmos o porão, porque há inúmeras árvores caídas além das partes dos tetos dentre outras estruturas. Com exceção de Diana e a garotinha, que já estão, nos molhamos nesse processo. Minha mãe pega a chave do cadeado no seu molho e abre a porta do abrigo subterrâneo. Ela nunca se separa dessa chave porque essas tempestades são comuns por aqui. Um a um vai adentrando o ambiente e descendo as escadas até o fundo. Minha mãe fica por último e se certifica de fechar bem a tampa de aço. Meu pai liga seu isqueiro e assim que puxa uma cordinha pendurada, as luzes se acendem. Diana fica surpresa com o que vê: há camas, armários com mantimentos, rádio comunicador e até uma privada.

Suspiros de alívio tomam conta do ambiente. Minha mãe pega toalhas dentro de um armário e joga para cada um de nós, e tratamos de nos secar.

Assim que nos acalmamos, tentamos saber quem é a menina que Diana socorreu. Ela conta que estava na lanchonete com a mãe quando os ventos começaram e no meio da confusão se perdeu.

— Não se atormente — beijo o topo de sua cabeça enquanto a mantenho protegida nos meus braços. — Quando tudo isso acabar, nós vamos encontrar sua mãe.

Ela apenas assente. Mas leio em seu olhar que confia no que estou garantindo.

— Agora descanse um pouco! — a ajudo a se deitar e a cubro. Caminho até Diana que nos observa pensativa sentada na outra cama de frente para a dela. Mamãe está conferindo a despensa e meu pai ouvindo o rádio. Sento ao seu lado e acaricio seu cabelo. — Ei, está tudo bem?

Ela faz que sim:

— Só um pouco assustada com tudo! Como isso pode acontecer de uma hora para outra?

— Aquecimento global meu bem — dou de ombros.

— Porra! O que será desse planeta?

— Eu não sei, mas sei que se a população não tomar uma providência imediata, metade dele será destruído!

— Por isso você se preocupa tanto em manter uma vida sustentável não é?

— Sim, precisamos ter qualidade de vida.

Diana pega na minha mão e a beija:

— Você não existe!

— Sim, existo e te amo!

— Eu também te amo e é bom estar aqui com você apesar das circunstâncias.

— Digo o mesmo — sorrio sem dentes.

O Amor Na Balança ( Sáfico) Onde histórias criam vida. Descubra agora