Capítulo 4

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A chuva lá fora não combinava com o clima cheio de alegria e gritaria dentro do orfanato. As crianças corriam pelos corredores, pulavam nos degraus da escada e brincavam no hall de entrada. Risadas felizes preenchiam todos os ambientes o que ficava impossível de perceber uma criança encolhida no canto do dormitório, agarrada a um livro com algumas das páginas rasgadas.

Sentei no colchão duro de uma das camas genéricas que compunham o quarto, era um lugar sem graça e precisava urgentemente de uma reforma. As paredes cinza não combinavam com o armário rústico de madeira ou com as bordas brancas da janela, desgastada devido o tempo.

Um choro baixo fez meu rosto se virar para encarar a garotinha encolhida, tomada pela tristeza por não ter cumprido com sua palavra. Por algum motivo aquele dia ficara gravado em minha memória, a dona do orfanato havia me dado um livro para ler sob a condição de que contasse a história para as outras crianças e o devolvesse intacto.

É claro que não consegui cumprir a última parte do acordo. 

Um bando de garotos, os responsáveis por jogarem os meus tênis pela cerca do orfanato, pegaram o livro em um momento de descuido meu. Rasgaram diversas páginas e colocaram a culpa em mim quando a Sra. Abigail chegou para entender o motivo da gritaria.

Eu fiquei tão desesperada e triste quando vi o desapontamento nos olhos dela que apenas peguei o livro do chão e corri os lances de escada acima para me esconder dentro do quarto.

Soltei um suspiro pesaroso conforme cruzava os meus braços e encostava a cabeça na parede.

Impressionante. Era sempre essa reação que eu tinha no momento em que sentia que estava desapontando alguém, fugia e me escondia para chorar em paz. Fiz isso naquele dia e hoje quando não senti os guardiões ao tocar os Gizarks.

Alguns soluços surgiram a medida que o choro da garota aumentava.

Minha mão pousou em cima da cabeça de minha versão mais nova, pó brilhante começou a se desprender da lembrança e a flutuar pelo quarto. Inspirei e soltei o ar pela boca, o cansaço e o sono começaram a dar seus primeiros sinais.

Porém estava dentro de uma lembrança, um dos poucos meios que existia para me conectar com o meu Eterno. O que significava que era importante, então não poderia me deixar abater, olhei ao redor a procura de Arkenos.

A porta do quarto se abriu, Sra. Abgail entrou e a fechou com um clique silencioso, observei ela caminhar na direção da criança.

-Me desculpa... -Minha voz fina ecoou pelo quarto conforme percebia a aproximação dela, as mãozinhas se agarraram na lateral do livro e hesitaram quando a mão rechonchuda e marcada pela idade pairou perto da criança, uma ordem silenciosa para que eu o devolvesse. -Eu não consegui cuidar direito dele...

-Está tudo bem, Julia me disse que foi o Douglas que tinha estragado o livro e colocado a culpa em você. -Disse ela acomodando o livro no colo, abrindo para ver o estado do conteúdo e depois deixando o objeto na outra extremidade da cama. -Mia, por que você não me contou que foram os garotos ao invés de fugir e se esconder?

-Achei que não ia acreditar em mim. Que não importasse o que eu dissesse não ia valer de nada. -A mão de Abgail pousou no meu ombro, o mesmo gesto que Falis fizera naquela manhã.

-Sabe Mia ás vezes você precisa acreditar mais em si mesma do que esperar isso dos outros. -Meus olhos se arregalaram e vagarosamente se direcionaram para a senhora, eu era pequena naquela época então sua palavras passaram batidas, mas agora. Agora elas faziam todo o sentido e se aplicavam em peso na minha vida.

O barulho das gotas, que caiam lá fora e atingiam a vidraça da janela, preencheu o quarto conforme o silêncio predominava o cômodo. 

E ele foi quebrado quando Sra. Abgail colocava a mão no bolso e retirava de dentro dele um pequeno embrulho feito de papel.

A Guardiã do Eterno - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora