Capítulo 5

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Queria continuar na cama o resto do dia. Depois do encontro com a minha versão corrompida e de uma noite inteira conversando com o meu Eterno, que tentava de todas as maneiras me acalmar, não estava com ânimo para sair do quarto, muito menos da cama.

Karias surgiu no batente da porta quando a manhã chegou, sabia que era ele pelo som da madeira rangendo quando seu ombro encostava. Todo o dia era assim, na maioria das vezes esse simples som me fazia sorrir, mas hoje era uma exceção.

Senti a lateral da cama afundar conforme ele se sentava na borda.

-Bom dia, Bela Adormecida. Está melhor? -Disse ele no meu ouvido, seus dedos moveram as cobertas, tirando-as do meu rosto. Resmunguei um "Bom-dia" juntamente com um "Estou" e puxei as cobertas de volta. O movimento não passou desapercebido pelo meu mestre.

-Aconteceu alguma coisa? -Perguntou ele em um tom preocupado, senti sua mão pousar sobre a minha testa a procura de alguma febre. Suspirei sentindo o seu toque quente contra a minha pele. -Seu mal estar passou, então o que está te incomodando?

As lembranças do orfanato e dos primeiros anos vivendo na rua não tinham sido apagadas pelo feitiço da minha avó. Contudo, tinham sido reprimidas por mim durante todos esses anos, uma forma de autopreservação e a melhor maneira de conseguir lidar com a vida.

Para descobrir mais tarde que elas se tornariam armas contra mim.

-Não aconteceu nada. -Falei ainda virada para a parede, não queria contar para ele, não queria preocupa-lo. Mas ao mesmo tempo não conseguia disfarçar como a lembrança me abalara. Senti o ar frio entrar pelas cobertas quando Karias se esgueirou para dentro delas. Seu braço envolveu minha cintura e seus lábios roçaram na curva do meu pescoço me fazendo arrepiar.

-É claro que aconteceu alguma coisa, você só não quer me contar. -Revirei os olhos sabendo que estava certo.

Virei para encara-lo. Ele estava sem máscara hoje, vinha abandonando o acessório aos poucos desde o dia que falei que a marca envolta dos seus olhos não o diminuía em nada para mim.

-Já se sentiu que a culpa de tudo que te ocorreu é sua? -Perguntei me recordando das palavras da outra Mia. "Por que teimam em me enjaular e me rotular como monstro, sendo que a culpada por tudo isso é você."

Essa simples frase martelava meus pensamentos. Queria ter a segurança pra falar que ela está errada. Mas não consigo.

Arkenos me falou como as Trevas podem ser sórdidas e como elas usam os piores truques para nos enganar, mas se dessa vez não houve truques. E se realmente a culpa for minha? Uma sensação ruim fez o meu estômago se embrulhar.

-Você sabe que eu já senti isso. -Disse Karias ficando com o rosto sério. -Mas acho que você não deve pensar que a culpa é sua.

-Por quê?

-Você foi uma criança que nasceu com pesos e responsabilidades demais para carregar. Tudo que aconteceu não foi culpa sua. Não alimente o monstro onde não tem. -Essa última frase em especial me fez encarar o rosto de meu mestre, o lábio de Karias se abriram em um sorriso fraco como se dissesse "Estas são palavras de quem já foi o monstro da história". Decidi confiar nelas e nas de Arkenos, ignorando o encontro com a outra Mia.

Eu não sou um monstro ou a culpada, eles implantaram o monstro dentro de mim para me fazer sentir culpada por coisas além do meu alcance.

-Obrigado. -Falei fazendo Karias se virar confuso em relação ao meu agradecimento. -Obrigado por estar do meu lado.

-Você se esqueceu de que estou sempre do seu lado? -Sorri lembrando todas as vezes que ele falara e mostrara isso com as suas atitudes, minha mão pegou na ponta do queixo do meu mestre e o puxou para que eu pudesse depositar um beijo em seus lábios. Karias começou a corresponder o beijo e ia intensificando até que o barulho do meu estômago vazio interrompeu nos dois.

A Guardiã do Eterno - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora