Prólogo

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Continuação da Obra: Garota Ingênua.

Contém assuntos sensíveis

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— Ceci, você espera por papai Paul aqui no saguão, está bem? Eu vou me encontrar com ele para assinar os papéis do divórcio, depois vocês podem passear – disse Lynn arrumando os cachos ruivos da filha.

— OK, mamãe – assentiu Ceci segurando com determinação o envelope com o cartãozinho que fizera para Paul – Chega de arrumar o cabelo, mãe!

Apesar da bronca, o tom da garota era terno e as duas trocaram um sorriso antes que Lynn fosse embora.

Ceci foi se sentar na sala de espera da recepção. A princípio sentiu-se deslocada no local, sentou-se numa poltrona no centro da sala e pegou uma das revistas da mesinha ao seu lado. Era uma revista de fofoca e Ceci a jogou de volta na pilha quando viu que a matéria da capa era sobre sua mãe e a gravidez dela.

— Com licença, senhorita, está esperando por alguém? – perguntou um homem alto e magro de cabelos escorridos que usava um uniforme vermelho e dourado, um funcionário do hotel, presumiu a garota. "Dylan", dizia o crachá dourado em seu peito.

— Sim,Dylan, estou esperando meu pai Paul Anderson... – respondeu ela observando atentamente o jeito afetado do homem, cujo sorriso falso era visivelmente forçado.

— Não gostaria de esperar no quarto dele? – sugeriu o sujeito, alargando ainda mais seu sorriso.

Ceci assentiu com a cabeça e o acompanhou enquanto pegava a chave na recepção, subiram por um elevador espelhado até o décimo quinto andar e o homem destrancou a porta do 1501 para que ela entrasse. Havia sido uma sugestão do gerente deixar que a filha de Elizabeth Parker, modelo, produtora e ícone fashion, e Edward Stanton, agente publicitário, esperasse por seu "pai" Paul Anderson, o "fotógrafo do milênio", dentro do quarto. A fama podia fazer coisas maravilhosas por você, e também podia destruir a sua vida por completo em menos de duas páginas. Aquela pequena garota provavelmente já havia visto mais do mundo em seus poucos anos de idade do que Dylan jamais veria em toda sua vida. Ele se demorou por um momento, não tinha certeza se a garota saberia oferecer-lhe a devida gorjeta. Logo o olhar dela revelou que não e ela arqueoou as sobrancelhas de modo autoritário. O sorriso de Dylan se desfez rapidamente.

— Já pode ir. Obrigada.

Ceci acenou para o funcionário, emplastrando um sorriso frio em seus lábios até que Dylan saísse fechando a porta atrás de si. 

Quando se viu finalmente à só, sentou-se no sofá pretendendo assistir televisão. Um talkshow logo serviu para fazê-la mudar de ideia quando um rosto familiar apareceu na tela. Uma ex-colega de sua mãe comentava avidamente o relaciomento "imoral" de seus pais. Ceci apertou o botão para desligar a televisão e jogou o controle remoto para o lado, descontando um pouco de sua frustração naquele objeto que nada lhe havia feito para merecer a retaliação, e foi para o banheiro mexer nas coisas do pai. 

Ele sempre tinha mais maquilagem e cosméticos que a mãe, que era modelo, mas ela sabia bem que isso era porque ele era "gay"... Ela havia lido sobre o fato numa revista, no momento não entendera completamente o significado daquela expressão, mas algum tempo depois descobriu com os colegas da escola que gay eram garotos que beijavam na boca de outros garotos. Não que aquilo tivesse alguma importância para ela. Mais tarde chegara à conclusão de que o pai não era gay o tempo todo, pois fora casado com sua mãe por quase nove anos e, em sua cabeça, aquilo servia como ponto final. Cecilia abriu uma nécessaire de couro marrom e tirou de dentro os cremes e frascos, alguns tinham cheiro bom de flores, outros tinham cheiro de cabelo queimado e unhas lixadas. No fundo de uma das maletas de cosméticos ela encontrou uma seringa embalada e imaginou se o pai estaria precisando de injeções para curar alguma doença. Ceci puxou de dentro da maleta saquinhos de plásticos com pó branco dentro.

— Pra que papai precisa de talco? Meu irmãozinho é quem precisa para colocar a fralda... – riu ela consigo mesma.

O barulho da fechadura sendo destrancada fez com que Ceci desse um pulo do chão. Sabia que seu pai não iria gostar que estivesse mexendo em suas coisas com tanta liberdade. Começou a guardar tudo de volta no lugar desesperadamente, fazendo com que um dos saquinhos caísse no chão e esparramasse o pó branco por todo o piso do banheiro. Seu coração deu um solavanco e ela arrastou o tapete felpudo do banheiro para cima da bagunça no chão numa vã tentativa de esconder o acidente. Ajeitando os cabelos, saiu correndo para a sala e encontrou o pai de costas para ela mexendo na gaveta da mesinha de cabeceira ao lado da cama.

Seus olhos se arregalaram quando viu uma pistola na mão esquerda de Paul e um arrepio correu-lhe a espinha perturbadoramente. Ela abriu a boca para falar-lhe, mas o som do estampido ecoou por todas as partes abafando suas palavras. O corpo de Paul girou com a pressão do tiro virando-se para Ceci que sentiu o corpo todo gelar ao ver o sangue borrifando pelo ar. 

Paul tombou na cama e um esguicho vermelho traçou uma listra escarlate desordenada no vestido branco dela descendo diagonalmente do busto em direção à saia. Por um segundo todos os sons pareciam ter cessado, ou talvez ela quem houvesse ficado momentaneamente surda por causa do estrondo do disparo. O corpo de Paul pareceu levar uma eternidade para cair por cima da cama e escorregar para o chão até que se posicionasse de forma esdrúxula sobre o carpete bege.

Lágrimas imediatamente turvaram sua visão e ela não conseguia se mexer. O mundo havia saído do eixo.

Só parou de gritar depois que a porta foi escancarada e uma enxurrada de pessoas uniformizadas entrou. Um homem a tirou de lá, embora ela não houvesse percebido que estivera gritando o tempo todo em que permanecera inerte ao lado da cama de Paul.

Quando Lynn chegou ao Hotel para encontrar a filha, Ceci ainda usava o vestido manchado e seus olhos pareciam vidrados. Não havia tristeza, ou pavor em seus olhos, apenas incompreensão enquanto grossas lágrimas rolavam pelo seu rosto morbidamente pálido. Distinguiu a mãe entrando esbaforida porta adentro, mas não pareceu reconhecê-la por pelo menos meia hora enquanto Lynn tentava arrancar alguma coisa de seus lábios, nem que fosse um murmúrio ou um sussurro, mas ela precisava cortar os soluços.

— Ceci, meu amor, por favor, fale comigo... – dizia Lynn sacudindo-a pelos ombros – Ceci!

Mas a garota não conseguia articular as palavras certas para descrever aquilo que a estava dilacerando por dentro.

— Ceci! Por favor! Fale comigo! – berrou Lynn desesperada, com as lágrimas lavando o rosto.

Depois de doze horas as lágrimas da menina secaram e os soluços cessaram. Ela dormiu por quatorze horas e a primeira palavra que conseguiu pronunciar, saiu de seus lábios somente oito dias depois do "acidente", como o chamavam Edward e Lynn.

Garota InconsequenteOnde histórias criam vida. Descubra agora