PARTE DOIS- Milena 1

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1

Milena

25 anos

2019

Dias atuais

As aves fazem seus ninhos em uma ilha distante da costa. Elas constroem montes de lama que elevam os ovos, o que os mantem ligeiramente mais frescos do que estariam no nível do solo. A água que cerca a ilha é tão salgada que os predadores não se aventuram a atravessá-la.

— Como são os flamingos? — Juan pergunta, de costas para a televisão, construindo um castelo usando Legos.

— Parecem galinhas cor de rosas. — ele deu uma gargalhada que me fez sorrir, enquanto dobrava uma pilha de roupas que estava se acumulando há três dias.

— Galinhas cor de rosa. — ele repetiu gargalhando. — Deve ser estranho para o flamingo macho ser... rosa. — eu continuei sorrindo.

— Já conversamos sobre isso, Juan, não existe cor de menino e cor de menina.

— Qual a cor da blusa que eu estou usando? — ele perguntou, apesar de já saber.

— Azul, querido. — eu respondi, dobrando uma blusa de flamingos e sorrindo pela coincidência.

— Ah, que engraçado, não? — ele debochou, acertando o castelo com um soco certeiro, derrubando tudo no chão, antes dele começar a construir outro.

— Você é bem engraçadinho para sua pouca idade. — ele deu de ombros.

É o fim de uma longa jornada, mas é somente a primeira das provações que serão impostas a estes flamingos pela irregularidade das chuvas. Se as chuvas fossem mais previsíveis e constantes, a vida poderia prosperar de forma mais abundante, tanto em número, quanto em variedade.

— A palavra abundante é engraçada.

— Porque parece bunda. — eu respondi, porque conhecia ele bem o suficiente para saber que ele faria essa associação.

— Sim. O que significa? — ele segurou um Lego no ar, esperando que eu respondesse primeiro.

— Bastante de alguma coisa.

— Como o tanto de roupas que você tem para dobrar? — ele encaixou a peça no lugar correto.

— Tipo isso.

— E o que seria a vida a prosperar?

— As plantas. — respondi, colocando sobre a cama uma nova pilha de calças dobradas.

— Por isso se chovesse mais, as plantas poderiam prosperar bastante? Então os flamingos teriam o que comer?

— Isso mesmo, mas agora estão falando de outro animal. Os Gnus.

— Como são os Gnus?

— Como cabras grandes com chifres de touro? — ele gargalhou.

— Parece assustador. — Juan respondeu.

— E é. São marrons e grandes. — ele se concentrou no ruído que faziam, inclinando a cabeça para a televisão.

— E fazem um barulho estranho. — eu assenti, sentindo meu coração se aquecer com o sorriso que ele deu para mim.

Juan permaneceu brincando, sentado sobre o grande tapete felpudo que cobria grande parte do chão da nossa sala e eu espiei seu castelo pela porta aberta do nosso quarto, onde eu o observava enquanto dobrava as roupas. Apesar de tudo o que passei, ele era uma criança saudável, incrível, inteligente e muito curiosa. Juan gostava de saber sobre as coisas, fazer perguntas, ele queria entender tudo, como cada coisa funcionava e isso me enxia de orgulho.

JAVIER/  AmazonOnde histórias criam vida. Descubra agora